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Embora a palavra "turbulência" não exista em turco, é provável que constitua a melhor descrição do estado da política na Turquia de hoje. Mas temos outras palavras, muitas delas, que denotam "tensão", "masculinidade" e "polarização", todas as quais afligem o Estado turco.

A Turquia é um país líquido. O estado de ânimo nacional muda semanalmente, às vezes diariamente. Até recentemente, o país era visto como uma combinação bem-sucedida de islã e democracia ocidental, uma força poderosa no Oriente Médio. Essa visão está perdendo força rapidamente.

Com eleições locais e presidenciais por vir, este será um ano de polêmicas gritadas e preocupações expressas na surdina. Os cidadãos checam os websites dezenas de vezes por dia para ver o que mais aconteceu. Durante uma votação que deu ao governo mais controle sobre o Judiciário, parlamentares trocaram socos.

Nada reflete a tempestade tão bem quanto a recente proliferação de teorias conspiratórias. O primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, repetidamente acusou elementos externos de estarem por trás dos protestos no parque Gezi no verão passado, que deixaram seis mortos e 8.000 feridos.

Vários funcionários governamentais insinuaram que forças ocultas estariam operando nos bastidores, entre elas a diáspora judaica, a CIA, a BBC, a CNN e o lobby das taxas de juros, termo usado para designar um grupinho de bancos nacionais e estrangeiros que, acreditam algumas autoridades, estariam interessados em prejudicar a Turquia. Um repórter turco da BBC foi acusado abertamente de ser espião de uma força estrangeira. Manifestantes na praça Taksim foram tachados de terroristas. Foi sugerido que a cia. aérea alemã Lufthansa estaria tentando impedir a construção de um novo aeroporto em Istambul.

Nas mídias sociais há rumores incessantes sobre um "Estado profundo dentro do Estado profundo". A Turquia está pouco a pouco se convertendo em uma nação dominada pela paranoia.

Ninguém mais aceita qualquer coisa como sendo o que aparenta ser. Cresce a desconfiança pública de que as notícias são filtradas, senão manipuladas. Gravações vazadas recentemente revelaram que sondagens de opinião publicadas em um grande jornal podem ter sido manipuladas para agradar o governo. Jornalistas fizeram passeatas para protestar contra as limitações à liberdade de imprensa.

Num país em que a liberdade de imprensa é limitada e a diversidade de mídia se reduziu, as mídias sociais são a única plataforma alternativa de comunicação, informação e desinformação. Uma nova lei de internet aprovada pelo Parlamento acena com mais ameaças à liberdade de opinião, embora o presidente Abdullah Gul, que afirmou que vai sancioná-la, tenha admitido que partes dela são problemáticas.

Se os tumultos da praça Gezi alimentaram teorias conspiratórias, a investigação recente sobre corrupção alimentou as chamas. Autoridades governamentais falam constantemente sobre complôs estrangeiros. A Turquia se saiu bem demais, dizem, e agora querem impedir o país de crescer.

Por que sentimos tanta necessidade de teorias conspiratórias?

Parte da resposta está no fato de que a Turquia ainda não é uma democracia madura e de sua política ser "masculinizada", agressiva e polarizada. A polarização afeta todas as camadas da vida social, cultural e econômica. Quando os freios e contrapesos, a separação entre os poderes e a diversidade de mídia estão em risco, quem está no poder torna-se poderoso demais.

E parte da resposta está nos medos antigos, que remetem à nossa criação. Uma das canções de minha infância dizia: "Um, dois, três / longa vida aos turcos / quatro, cinco, seis / a Polônia foi para o brejo / sete, oito, nove / os russos são traidores". Nós, crianças, a cantávamos alegremente na rua, declarando que italianos eram astutos e alemães porcos.

Crescemos acreditando que a Turquia era cercada por água em três lados e por inimigos nos quatro lados. Os gregos, pensávamos, sonhavam em reconquistar Istambul e convertê-la em Constantinópolis. Os árabes não eram dignos de confiança. Os russos tramavam a tomada do Bósforo. Todos queriam um pedaço de nossa terra, e o único amigo de um turco era outro turco.

No passado, um dos pontos fortes do partido de Erdogan, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, era uma política externa de "zero problemas com os vizinhos".

Essa política não foi mantida. Este governo, que intelectuais liberais apoiaram no passado, na esperança de que levasse a Turquia a ingressar na União Europeia, de que restringisse o papel dos militares e de que promulgasse reformas democráticas, hoje revive um discurso já gasto.

Quando Erdogan fala, ele se dirige ao subconsciente da nação. Ele se comunica com nossos medos primordiais, com nossa xenofobia. E, sem nos darmos conta disso, nós, milhões de nós, nos tornamos crianças outra vez, esperando no pátio da escola para que o diretor, o "baba", nos diga que todo estrangeiro é mal-intencionado e que precisamos nos unir contra o mundo.

Ao mesmo tempo, porém, essa mentalidade deturpada já deixou de seduzir. Os tempos mudaram. Os jovens de hoje são muito mais abertos ao mundo que as gerações anteriores, e as pessoas estão à frente dos políticos.

Por mais que tenhamos a tendência a acreditar em teorias conspiratórias, nós, turcos, já estamos muito, muito fartos delas.

Elif Shafak é autora de nove romances, entre os quais "De volta a Istambul" e "The Forty Rules of Love".

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