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Enquanto a Ucrânia tenta conter uma insurgência pró-Rússia que convulsiona sua porção leste, uma luta talvez mais significativa para o país depende do que acontece debaixo da terra, nestes pacatos bosques do extremo oeste do país, na fronteira com a Eslováquia.

Aqui, o equivalente a US$ 20 bilhões (R$ 44,4 bilhões) por ano em gás natural flui por dutos subterrâneos e entram na Europa após viajar 5 mil km a partir da Sibéria.

É também, como acredita o governo pró-europeu em Kiev, onde a Ucrânia tem a chance de se libertar das garras da Gazprom, a estatal russa do setor energético.

Em um grande esforço para conseguir isso, a Ucrânia vem há mais de um ano tentando começar a reversão de fluxo no fornecimento do gás para a Ucrânia, que passaria a vir da Europa via Eslováquia, minimizando as ameaças russas de fechar a torneira do gás.

Um acordo assinado recentemente entre os operadores eslovaco e ucraniano do gasoduto abriu caminho para modestas reversões de fluxo do gás da Europa, onde os preços são muito inferiores aos cobrados pela Gazprom em suas vendas diretas à Ucrânia.

Mas o acordo ficou tão aquém do que a Ucrânia esperava que fez emergir uma pergunta perturbadora: por que é tão difícil estimular a pequenina Eslováquia, membro da União Europeia, a tirar do papel uma empreitada tecnicamente simples e vitalmente importante para a Ucrânia e para a credibilidade do bloco?

Alguns citam obstáculos técnicos e jurídicos, outros falam em entraves políticos e no medo de enfrentar o Kremlin, mas todos concordam em que um grande obstáculo tem sido o poder e alcance da Gazprom.

A estatal é uma ferramenta poderosa para a promoção dos interesses econômicos e geopolíticos do país e está comprometida com o presidente Vladimir Putin.

A Gazprom exerce considerável influência na União Europeia, onde um terço do gás vem da Rússia.

Mesmo assim, um mistério cerca a relutância da Eslováquia em abrir seu corredor de transporte de gás a um amplo fornecimento reverso para a Ucrânia.

Os gasodutos eslovacos, de acordo com autoridades e especialistas ucranianos, poderiam prover até 30 bilhões de metros cúbicos de gás da Europa para a Ucrânia por ano —mais do que todo o gás que a Ucrânia espera importar da Rússia neste ano.

Em vez disso, a estatal eslovaca Eustream ofereceu um duto pequeno que precisa de obras e que forneceria apenas 10% do gás que a Ucrânia espera da Europa. A empresa diz que essa quantidade poderá ser elevada depois.

Em Tchaslivtsi, onde técnicos da companhia de gasodutos da Ucrânia, a Ukrtransgaz, e a Gazprom monitoram o fluxo do gás para a Eslováquia, o diretor da instalação ucraniana, Vitaly Lukita, disse se perguntar se um dia o gás virá do outro sentido.

"Nós aqui estamos todos prontos, mas não sei por que os eslovacos demoram tanto", disse Lukita.

Andriy Kobolev, o presidente do conselho da Naftogaz, estatal de gás da Ucrânia, disse estar especialmente desconcertado com a resistência da Eustream, porque em 2011 a empresa tinha apresentado a ideia de usar a capacidade sobressalente dos seus gasodutos principais para o abastecimento à Ucrânia por fluxo revertido.

Ele disse que os eslovacos rejeitaram essa opção nas negociações recentes, citando contratos secretos com a Gazprom. Executivos da Eustream rejeitaram repetidos pedidos de entrevistas.

A dependência ucraniana da Gazprom para aquecer casas e gerar energia para fábricas não apenas deixa o país vulnerável a súbitas mudanças de preços, que flutuam dependendo de Moscou e ajuda a alimentar a corrupção nos governos ucranianos.

Quase todo o gás que os Estados Unidos e a União Europeia gostariam de ver fluir da Europa para a Ucrânia tem sua origem na Rússia. Assim que o gás é vendido, porém, a Gazprom deixa de ser sua proprietária e perde o poder de estabelecer os termos de venda.

Tudo o que a Ucrânia realmente quer, diz Kobolev, é um "preço justo e transparente" e um suprimento estável, ininterrupto.

A Rússia diz que tudo o que a Ucrânia precisa fazer para garantir um suprimento estável a um preço razoável é pagar suas contas em dia e liquidar suas dívidas, que a Gazprom diz totalizarem US$ 3,5 bilhões (R$ 7,77 bilhões).

A Ucrânia já começou a receber gás com reversão do fluxo, proveniente da Polônia e da Hungria. Mas as quantidades, cerca de 2 bilhões de metros cúbicos no ano passado, foram pequenas demais para fazerem qualquer diferença. Somente a Eslováquia tem um gasoduto com capacidade para alterar o equilíbrio de forças.

Alexander Medvedev, o diretor do braço exportador da Gazprom, disse não ver nenhum problema com a reversão de fluxo, mas afirmou que tais arranjos "requerem a anuência de todas as partes envolvidas", incluindo a Gazprom.

"Normalmente, você não pode reverter o fluxo sem um novo duto", acrescentou, indicando a oposição da Gazprom ao uso dos gasodutos eslovacos existentes.

Ivan Shayuk, um engenheiro ucraniano da Ukrtransgaz, balançou a cabeça quando indagado sobre o porquê de o esquema estar demorando tanto para funcionar. "Qual é o problema? O problema é simples: Putin", afirmou o engenheiro.

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