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Desde sua infância, Ahmad Walid Rashidi sempre teve ódio do Taleban, o grupo extremista sunita que dominou o Afeganistão antes de 2001 e da invasão dos Estados Unidos.

Ele conta que em 1997, aos cinco anos, perdeu a perna direita na explosão de bomba. Inicialmente, um médico o declarou morto. Enquanto se recuperava do ferimento, os talebans mataram seu pai e um irmão, diz Rashidi, deixando sua mãe só para cuidar dele e de seus seis irmãos. Por mais que odiasse o Taleban, Rashidi diz que nunca teve uma chance de se vingar. Sua mãe, professora universitária em Cabul, foi com a família para o Irã e, em seguida, para a Dinamarca.

Estudante de medicina na Dinamarca, Rashidi teve sua primeira oportunidade no ano passado. Uma família britânico-dinamarquesa procurava ajuda para trazer de volta à Europa suas filhas de 17 anos que tinham viajado à Síria para tornar-se noivas de combatentes do Estado Islâmico.

Rashidi, um muçulmano sunita, aceitou tentar, mas quando chegou à Síria viu-se em terreno desconhecido, com as certezas que ele tinha no Ocidente abaladas. Encontrou as garotas, mas elas já estavam casadas e queriam ficar.

Então ele foi preso pelo EI, acusado de ser um espião ocidental. Foi torturado e julgado por um tribunal baseado na sharia (a lei islâmica) que ameaçou decapitá-lo, diz. Mas, estranhamente, viu-se atraído pelo Estado Islâmico.

Os detalhes do sofrimento de Rashidi não podem ser totalmente verificados. Sua experiência na Síria é o núcleo de um livro que está sendo escrito por dois jornalistas dinamarqueses, que dizem confiar em suas declarações.

Hoje de volta à Dinamarca, Rashidi condena a facção. Mas diz que suas experiências ajudam a esclarecer como os apelos do grupo para se corrigir as injustiças no Oriente Médio têm ressonância entre os jovens muçulmanos.

As atrocidades cometidas pelo EI, disse ele, têm o objetivo de “fazer o Ocidente sentir o gosto de seu próprio remédio”, o que ele acha que é merecido, em parte.

Quando sua família mudou-se para a Dinamarca, ele se sentiu frustrado pelo que considera uma falta de compreensão entre os ocidentais sobre as guerras no Afeganistão e no Oriente Médio.

“As pessoas aqui no Ocidente se reuniam para falar sobre a morte de um animal de estimação, mas ninguém me perguntava o que tinha acontecido com minha perna. Eu estava cheio de ódio.”

No ano passado, uma colega de classe pediu a Rashidi que a ajudasse a trazer de volta suas irmãs.

“Eu não tinha medo da morte”, disse ele que, quando criança, acreditava que a morte só acontecia para pessoas consideradas dignas o suficiente por Deus para serem salvas do inferno da vida. “Eu não tinha nada a perder.”

Ele disse que entrou na Síria, proveniente da Turquia, em várias ocasiões em julho. Soube que as meninas estavam em Manbij, e voltou à Síria com a mãe delas, Khadra Jama. Foram detidos pelo Estado Islâmico, acusados de espionagem, mas ela foi libertada depois de 36 dias, disse Rashidi.

Ele contou que foi torturado, mas com o tempo conquistou a confiança dos captores e foi levado até o comandante local, um britânico de 28 anos cujo nome Rashidi não quis citar. “Tivemos uma boa conexão. Parecíamos colegas de colégio, brincando, conversando.”

Ele explicou que o comandante ajudou a conseguir sua libertação. Rashidi tinha mentido, dizendo que sua mãe estava doente.

Ele disse que muitas vezes pensa em sua experiência e sabe que seria torturado se voltasse, mas essa perspectiva não o assusta diante da possibilidade de encontrá-los de novo. “Eu traí o líder. Vou lhe perguntar: como posso combater essa gente, se deixei a metade do meu coração na Síria?”

“As pessoas se reúnem à mesa para falar da morte de um animal, mas ninguém me perguntava o que aconteceu com minha perna.”

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