• Carregando...
S. Diduni Nihansa, que foi ferida no atentado do domingo de Páscoa na Igreja São Sebastião, em um hospital em Colombo, Sri Lanka, em 29 de abril. Algumas crianças ficaram gravemente feridas nos atentados. Mas para muitas outras, testemunhas de cenas inimagináveis de massacre, as feridas são psicológicas
S. Diduni Nihansa, que foi ferida no atentado do domingo de Páscoa na Igreja São Sebastião, em um hospital em Colombo, Sri Lanka, em 29 de abril. Algumas crianças ficaram gravemente feridas nos atentados. Mas para muitas outras, testemunhas de cenas inimagináveis de massacre, as feridas são psicológicas| Foto: Adam Dean / The New York Times

Em uma sala na frente da enfermaria do Hospital Pediátrico Lady Ridgeway, aqui em Colombo, capital do Sri Lanka, uma menina de cinco anos rola na cama à noite, tremendo e chorando em silêncio.

Os médicos estão preocupados com S. Diduni Nihansa: há olheiras escuras sob seus olhos; ela não fala. Quando um homem-bomba detonou os explosivos que levava durante a missa de Páscoa, na Igreja de São Sebastião, matando quase cem pessoas, ela foi arrancada de um dos bancos com tanta força que teve contusão pulmonar.

Segundo o relato de sua mãe, Disna Shyamali, S. Dinuja Matthew, o irmãozinho de oito meses, estava sentado em outro banco, um pouco mais afastado, no colo da avó. Conforme o templo se encheu de gritos intensos, apavorados, alguém pegou seu corpinho sem vida e gritou: "De quem é esse bebê?"

Algumas semanas depois do atentado, as ruas e estradas da cidade já não estão mais vazias; o toque de recolher foi suspenso e várias redes sociais foram desbloqueadas em determinadas horas do dia. Para muita gente, a vida começa a voltar ao normal.

Mas não para a geração cingalesa mais nova: das mais de 250 pessoas mortas nos ataques do domingo de Páscoa, as autoridades acreditam que até 50 eram crianças.

E outras tantas dezenas ficaram gravemente feridas. Um garoto de sete anos estava no hospital porque perdeu um olho; um, de quatro, estava em coma. Muitas, tendo sido alvo dos fragmentos letais, sofreram ferimentos internos ou queimaduras extensas.

As cicatrizes mais profundas, porém, são invisíveis.

Inúmeros jovens foram testemunhas das cenas mais terríveis que se pode imaginar: corpos dilacerados; o chão lavado de sangue; adultos literalmente paralisados de dor, carregando caixões de entes queridos e vendo-os desaparecer sob a terra.

Fim da guerra

Durante mais de 25 anos, as tensões étnicas entre a maioria cingalesa e a minoria tâmil quase dividiram essa ilha luxuriante em duas; entretanto, a guerra com os separatistas Tigres Tâmeis acabou em 2009, e a esperança era a de que esta geração fosse a primeira em décadas a ser poupada de tamanha violência.

Antes das explosões, crianças com menos de dez anos nunca tinham nem ouvido falar em toque de recolher, nunca tinham sentido o chão tremer com o deslocamento de ar de uma detonação, nem sabiam o que era considerar a morte não como um mistério, mas um fato da vida.

Questões complicadas começaram a pipocar. Os dois filhos pequenos de Asanga Abeyagoonasekera passaram a lhe perguntar repetidamente: "Por que as pessoas explodem bombas?"

Ele e sua família escaparam por pouco do atentado duplo no Hotel Shangri-La, que matou 33 pessoas, incluindo três dos quatro filhos de um bilionário dinamarquês.

Antes de descer uma das escadas de incêndio às pressas, a família foi forçada a passar por um trecho coalhado de corpos mutilados. Abeyagoonasekera e a mulher tentaram cobrir os olhos dos filhos, mas não conseguiram impedir que os meninos vissem a carnificina.

Asanga, que é especialista em relações exteriores do Ministério da Defesa do Sri Lanka e tinha 16 anos quando seu pai foi morto durante a guerra, tentou responder às perguntas dos filhos da melhor maneira possível.

"Disse que eram pessoas ruins e que, de vez quando, jogavam bombas, mas falei que não precisavam se preocupar porque os super-heróis iam salvar todo mundo", conta.

Mas o medo permanece. Na hora de sair para o trabalho, os pequenos o abraçam pela cintura, sem querer soltá-lo de jeito nenhum.

Noites difíceis

Ter esse tipo de conversa também tem sido complicado para Renuka Kumari. Na casa pequena cercada de plantas onde mora, perto da Igreja de São Sebastião, ela tentava consolar a filha de sete anos, Biguni, jogada em uma cadeira, em uma tarde de calor infernal, tomando suco de laranja e usando um protetor de pescoço.

A menina gemia de dor. Minúsculos pedaços de metal lhe penetraram o corpo em velocidade supersônica. Com cuidado, Kumari aproximou o dosador de remédio dos lábios da filha, que engoliu com dificuldade. "Dói muito", choramingou ela.

Dos oito locais atingidos por atentados na Páscoa, a Igreja de São Sebastião, em Negombo, foi o que mais sofreu. Um homem-bomba entrou no templo, mochila às costas, os ombros curvados sob o peso que, segundo as autoridades, era de mais de 45 quilos.

A detonação violenta arrancou grande parte do telhado acima do teto abobadado; com isso, as lajotas pesadas que o cobriam despencaram sobre os fiéis.

As noites são difíceis; Biguni não consegue dormir. Seu pai a embala, mas, mesmo quando cochila, tem pesadelos. Quando acorda, fica perguntando quando a avó vai sair do hospital. Kumari não tem coragem de lhe contar que ela morreu.

"Algo se perdeu. Estamos arrasados."

Perto da igreja, muita gente se mostra furiosa e revoltada, exigindo saber por que seus políticos eleitos nada fizeram para impedir os ataques, apesar dos alertas inequívocos dos serviços de inteligência da Índia quase duas semanas antes do massacre.

  • Biguni, que foi ferida no atentado contra a Igreja de Sâo Sebastião, espera para receber a comunhão com parentes na casa de sua família em Negombo, Sri Lanka, 29 de abril
  • Ranjeeva Silva, à esquerda, olha para o caixão de seu filho de 12 anos, Eanosh Lakwin Silva, que morreu no atentado contra a Igreja de São Sebastião no domingo de Páscoa, no Sri Lanka, 22 de abril
  • Amigos, parentes e padres se reúnem no túmulo de Eanosh Lakwin Silva, de 12 anos, que morreu no ataque do domingo de Páscoa na Igreja São Sebastião com os seus avós, em Negombo, Sri Lanka, 22 de abril, no enterro de três membros da mesma família que foram mortos no atentado
  • S. Diduni Nihansa, que foi ferida no atentado do domingo de Páscoa na Igreja São Sebastião, é confortada por uma pessoa da família em um hospital em Colombo, Sri Lanka, em 29 de abril
  • S. Diduni Nihansa, que foi ferida no atentado do domingo de Páscoa na Igreja São Sebastião, em um hospital em Colombo, Sri Lanka, em 29 de abril. Algumas crianças ficaram gravemente feridas nos atentados. Mas para muitas outras, testemunhas de cenas inimagináveis de massacre, as feridas são psicológicas
  • Gavin Silva, que foi ferido no atentado contra a Igreja de São Sebastião, senta no colo de um parente na casa de sua família em Negombo, Sri Lanka, em 29 de abril

Em uma sala de estar grande e espartana, Ranjeeva Silva tremia. Seu filho de doze anos, Eanosh Lakwin Silva – aquele que, segundo o pai orgulhoso, podia falar tudo a respeito dos reis do Sri Lanka, adorava Lionel Messi e criava objetos a partir da argila e do papel –, estava morto.

Um parente se aproxima. Os dois começam a falar que, se todos os políticos locais morressem, não fariam falta. E concordaram que a indignação mostrada pelo governo era apenas fachada.

"Estão todos em frente das câmeras batendo boca, mas lá no Parlamento comem todos juntos. O que meu filho mais gostava de fazer era distribuir abraços e se doar", comenta Silva, a voz falhando.

No Lady Ridgeway, uma das crianças feridas arrasta pelo chão o gesso que lhe pega a perna inteira. No corredor, os parentes se revezam para cuidar de Diduni, enrolada em posição fetal, os olhos tremeluzindo com a luz.

Dois meses antes, S. Dinesh Suranga Sanjeewe tinha se mudado para o Sri Lanka, saído de Nápoles, na Itália, onde trabalhara em uma confecção durante vários anos e criara Diduni, outra filha e o bebê de oito meses.

Ele e sua mulher, Disna Shyamali, estavam eufóricos por poderem voltar para o Sri Lanka; planejavam matricular as crianças em uma escola bilíngue e morar em uma casa mais espaçosa, que estavam construindo em Negombo. E se lembra de Diduni pulando de lá para cá no meio da obra, fazendo piadas, tirando selfies com orelhas de coelho e servindo à família comidinha de faz-de-conta, preparada com areia e folhas das árvores.

Sanjeewe, que teve de ficar para trás enquanto a família se estabelecia no Sri Lanka, ficou alucinado quando os vizinhos de Negombo ligaram para contar do atentado – e, enquanto corria para providenciar a compra da passagem, recebeu outra ligação. O caçula morrera.

Às vezes, sua mulher adormece abraçada a uma foto do bebê; chora de soluçar ao ver suas roupinhas. E lamenta também a perda da mãe, que segurava o pequeno Dinuja Matthew no colo quando o suicida apertou o botão detonador.

O casal ainda não contou a Diduni o que aconteceu ao irmão, em quem ela gostava de fazer cócegas e com quem falava com voz engraçada. Esperam pelo momento certo, mesmo sabendo que ele nunca chegará.

Do lado de fora da casa, a família pendurou uma faixa para homenageá-lo. Há uma foto pouco nítida do pequeno, de colete e gravatinha, olhando para cima e sorrindo para alguém. Letras garrafais anunciam seu nome.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]