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A roteirista e dramaturga argentina Mariana Mazover tinha apenas 4 anos quando seu país decidiu recuperar as Ilhas Malvinas à força. Um dos soldados convocados pelo governo militar foi seu tio, Sergio Mazover, que sobreviveu à guerra, mas, como muitos companheiros entre 18 e 20 anos que estiveram no campo de batalha, enfrentou sérias dificuldades para retomar a vida no continente. Apesar de não ter muitas lembranças do conflito, Mariana - que acaba de estrear um peça sobre as Malvinas - fala sobre o episódio e a disputa pela posse das ilhas com o mesmo conhecimento e convicção de pessoas que eram adultas na época.

Já no outro lado do Atlântico, Neil Coile, um bebê de 4 meses no agora longínquo 2 de abril de 1982, tem sentimentos opostos. Para o professor inglês de 30 anos, as Falklands - como seus compatriotas chamam as ilhas - foram alvo de uma luta de interesses puramente econômicos. Assim sendo, o conflito não lhe desperta qualquer emoção nacionalista. Trinta anos após a breve guerra que custou a vida a 649 argentinos e 258 britânicos, os jovens dos dois lados estão de novo em trincheiras opostas, só que desta vez nos sentimentos em relação ao tema. Se para os argentinos as Malvinas são uma questão presente, para os britânicos são, via de regra, um assunto tão distante quanto o arquipélago, situado a um oceano de distância.

Com o gosto amargo da derrota trazido de volta por datas como a desta segunda-feira - quando celebram-se 30 anos em que o mundo foi surpreendido pela invasão argentina nas ilhas, ocupadas pela Inglaterra nos anos 1830 - Mariana não é uma exceção em seu país. Segundo recentes pesquisas, a questão Malvinas está muito presente entre os jovens argentinos, que, em sua grande maioria, respaldam a política cada vez mais ofensiva e o discurso inflamado da presidente Cristina Kirchner, que quer reabrir a discussão da posse do território. De acordo com estudo divulgado pela empresa de consultoria Fara e Associados, 62% dos jovens argentinos até 30 anos concordam com a estratégia da Casa Rosada para tentar retomar as negociações com o Reino Unido.

"As Malvinas são uma causa nacional, e muitos jovens se sentem identificados com o discurso de Cristina", explicou o analista político Carlos Fara ao GLOBO.

No caso de Mariana, a guerra deixou feridas que continuam abertas em sua família e o passado trágico tem clara influência em sua opinião presente. Os problemas psicológicos enfrentados por seu tio, que como muitos soldados voltou desnutrido e emocionalmente fragilizado das Malvinas, levaram a roteirista a ler vários textos sobre a guerra e, finalmente, escrever uma peça de teatro ("Pedras dentro da pedra") baseada em "Los Pichiciegos" de Rodolfo Fogwill, um dos livros sobre Malvinas mais lido pelos argentinos.

"Os jovens devem acompanhar o discurso do governo, mas não sem refletir, interrogar e aprofundar seu conhecimento sobre Malvinas", disse Mariana.

Para ela, as ilhas e, principalmente, seus recursos naturais devem ser argentinos."O ideal seria encontrar uma fórmula para recuperarmos o que é nosso, e eles (os moradores das Malvinas) manterem sua identidade - pondera a roteirista, que considera a via diplomática como a única possível para resolver o conflito."

Federico Siboldi nasceu oito anos depois da guerra para a qual seu pai foi enviado poucas semanas antes de completar 19 anos. Após a rendição, alguns dias como prisioneiro dos ingleses e uma volta à Argentina que terminou sendo dramática para os soldados e suas famílias, Sergio Siboldi e a mulher decidiram rumar para o extremo Sul do país e recomeçar longe de Buenos Aires, onde muitas as portas se fecharam aos veteranos.

"Cresci participando de desfiles em homenagem às vítimas da guerra", conta Federico, que se mudou para Buenos Aires há três anos para estudar Fisioterapia.

Para ele, "é uma grande alegria ver como hoje o assunto Malvinas está presente na mídia", despertando o interesse de muitas pessoas."Gosto da estratégia deste governo, o primeiro a dar atenção aos veteranos das Malvinas", disse Federico, que como muitos outros jovens nascidos após a guerra considera "óbvio" que as ilhas devam ser argentinas.

Com ele faz coro o universitário Juan Monte, de 22 anos. "Eles (os ingleses) nos atacaram primeiro. Concordo plenamente com a posição do governo: temos de defender o que é nosso", disse Juan.

Tema fora do dia a dia

A milhares de quilômetros de distância, a paixão argentina pelas Malvinas cede lugar à fleuma britânica sobre as Falklands. Sentado no Aeroporto de Gatwick, ao sul de Londres, o professor Neil Coile responde preguiçosamente a uma pergunta sobre o arquipélago no Atlântico Sul.

"Não é o tipo de conversa que está no nosso dia a dia", desinteressa-se este legítimo representante da "geração Falklands". "Mas, se você seguir o dinheiro, vai encontrar as razões para estarmos hoje discutindo esse conflito. É tudo sobre petróleo e nada mais."

Relaxando num pub de um dia de trabalho na capital britânica, a guia turística Clare Birchenhough reforça a indiferença de Coile, mal querendo devotar alguns minutos ao tema.

"Para ser honesta, não acho que as pessoas liguem muito para esse conflito com a Argentina. As ilhas ficam tão distantes daqui e isso tudo me soa tão antigo, tão imperialista... Vamos deixar as pessoas viverem em paz", encerra.

Mas a atitude dos dois não chega a ser uma unanimidade total entre os jovens súditos da rainha. Aos 31 anos, Nick Harris cresceu com o debate da guerra dentro de casa. Ele é filho de sir Richard Francis, chefe do serviço noticioso da BBC durante o conflito.

"Meu pai é o autor da frase "a viúva de Buenos Aires não é diferente da viúva de Portsmouth", que gerou muita raiva da imprensa de direita na época. É o tipo de sentimento humanista que é abandonado e tratado como uma heresia quando nações estão em conflito", diz Harris.

"Acho que ele estava absolutamente certo: no mundo moderno, em que estamos mais conectados do que nunca, deveríamos ser capazes de resolver essas diferenças sem termos de matar para isso. Infelizmente, acho que hoje, como em 1982, soluções pacíficas não são tão eficazes para períodos eleitorais."

Para a biomédica Jenny Henson, embora a soberania britânica sobre o arquipélago deva ser respeitada, a palavra final cabe aos habitantes locais. "Qualquer decisão deve ser discutida pelos habitantes das ilhas."

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