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Curitiba – A decisão da Venezuela de sair da Comunidade Andina das Nações (CAN) para entrar no Mercosul configura uma nova definição dos blocos econômicos da América do Sul. A "perda" e a "soma" do país de Hugo Chávez são usados pelos dois grupos como ponto de reviravolta para a atual fase crítica que ambos atravessam. Mas será?

A integração entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai vive um momento problemático e destoante dos objetivos originais – fundamentados no livre comércio. A crise teve início com a desvalorização do real, em 1999, e ganhou novo impulso em dezembro de 2001, quando o governo argentino declarou moratória de sua dívida e o peso desvalorizou até 70%. Ao perceber a dependência criada em torno da economia brasileira, a Argentina passou a lançar mão de salvaguardas unilaterais para proteger o comércio interno, indo na contramão do princípio de mercado comum.

Os dois países menores, Paraguai e Uruguai, também andam pouco satisfeitos com os resultados do Mercosul e ambos sinalizaram uma aproximação com os EUA. Ademais, a construção de duas fábricas de celulose na fronteira do Uruguai com a Argentina provoca uma vigorosa disputa diplomática entre os dois países, a ser julgada pelo Tribunal Internacional de Haia, na Holanda.

O segundo grande bloco de países na América do Sul, a CAN, também enfrenta problemas e a saída da Venezuela do bloco, em abril, foi apenas um reflexo da discordância política que afeta as relações comerciais entre seus integrantes. Chávez declarou a CAN "morta", depois que Colômbia e Peru realizaram acordos comerciais com os EUA. Contrariando seu breve histórico político à frente da Bolívia, Evo Morales negou seguir os passos de Chávez e, exatamente no sentido oposto, assumiu a liderança do grupo no início deste mês afirmando que irá "reviver" o bloco.

Em função da atual fase pela qual passam os dois blocos, pouco pode-se dizer sobre a viabilidade da Comunidade Sul-Americana das Nações (CSN), projeto de unificação selado entre CAN e Mercosul em dezembro de 2004. Antes de constituírem uma área de livre comércio continental, as divergências intra grupos precisam ser solucionadas.

"Nós não aprofundamos a implementação do Mercosul. Num acordo de mercado comum, os países precisam caminhar juntos para uma política agrícola, educacional e de infra-estrutura, tudo em comum. A legislação também deve ser convergente. O que vai ser montando é uma plataforma econômica onde tudo vai se passar como se fosse um país. Até agora, porém, não conseguimos avançar muito nesse sentido", alerta Evaldo Alves, professor de Economia Internacional da FGV/SP.

Ainda que o processo completo de troca de blocos pela Venezuela deva levar cerca de cinco anos, a adesão do país ao Mercosul já imprime uma nova feição ao grupo. O Mercosul passa a representar 75% do PIB na América do Sul e o movimento comercial global dos cinco países ultrapassa US$ 300 bilhões. A questão é: a presença de Hugo Chávez não vai transformar o bloco antes numa voz política do que numa área de livre comércio?

"Ele costuma transformar sua agenda internacional em grandes atos políticos. Em novembro do ano passado, num encontro do Mercosul, em Mar del Plata, onde estava como espectador, ele disse: ‘Neste dia morre a Alca e nasce a integração bolivariana’. A frase teve maior repercussão internacional do que qualquer outra decisão tomada naquele encontro", conta o historiador Alfredo Menezes, co-autor do livro "Integração Regional: os blocos econômicos nas Relações Internacionais" (Editora Campus).

A recente investida de Chávez para se firmar como novo líder sul-americano, porém, sofreu resistência e seu poder de influência foi colocado em cheque. "Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Equador, todos estão mostrando uma aproximação com os EUA e se afastando de Chávez. Acho que ele gostaria de se tornar a voz política do Mercosul, mas o Lula ou o Kirchner podem reclamar, e aí ele vai ter de baixar o tom, porque não tem mais para onde correr", completa Menezes.

Enquanto a CAN terá de lidar com a influência dos EUA sobre suas economias e não ferir a premissa do mercado comum de realizar acordos bilaterais sem a participação dos outros Estados membros, o Mercosul deverá saber colocar a riqueza venezuelana e o fator "Chávez" a seu favor.

Para o professor de Economia da Universidade Católica do Chile, Felipe Larraín, o caminho a ser trilhado por CAN e Mercosul deve necessariamente passar pela esfera econômica. Segundo ele, é também importante que os países não foquem suas intenções comerciais regionalmente, abrindo seus mercados para o resto do mundo. "O ponto não é não fazer uma integração regional, mas de manter aberta as trocas comerciais com o resto do mundo. É o que o Chile vem fazendo", diz.

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