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Mulher passa por um grafite em um muro onde se lê “Tempo de lutar”, atribuída ao ditador Nicolas Maduro, em Caracas, em 22 de janeiro de 2019 | YURI CORTEZ/AFP
Mulher passa por um grafite em um muro onde se lê “Tempo de lutar”, atribuída ao ditador Nicolas Maduro, em Caracas, em 22 de janeiro de 2019| Foto: YURI CORTEZ/AFP

Enquanto os congressistas da Assembleia Nacional da Venezuela, declarada nula pelo Supremo Tribunal de Justiça na segunda (21), se reuniam para debater o esboço de um plano de transição no caso de queda do ditador Nicolás Maduro, as ruas de Caracas já mostravam sinais de dias inquietos.

Depois da rebelião de 27 oficiais da Guarda Nacional Bolivariana, também na segunda, que terminou com a prisão dos revoltosos, os "coletivos" (milícia civil de apoiadores de Maduro) passaram a vigiar os movimentos dos habitantes do bairro em que se deu o levante, Cotiza.

Além de gás lacrimogêneo, usaram também armas de fogo assassinaram uma mulher de 38 anos, Nicar Bermúdez, com um tiro na cabeça.

É neste cenário de tensão que vai ocorrer nesta quarta-feira uma marcha para pedir a renúncia de Maduro. A data, 23 de janeiro, é histórica para a Venezuela. Foi neste dia, em 1958, que por meio de um golpe de estado, se colocou fim à ditadura do general Marcos Pérez Jiménez, que estava no poder desde 1948.

O ato convocado pela Assembleia Nacional, presidida por Juan Guaidó, sairá de distintos pontos de Caracas. Também devem ocorrer manifestações de venezuelanos em Miami, Bogotá, Madri, Berlin, Buenos Aires, Lima e outras cidades.

"Eu não tenho dúvida de que será um êxito, e que as forças de segurança já não são as mesmas de 2017, houve muitas baixas, e não poderão nos conter. De nossa parte, nós queremos que seja uma marcha pacífica", disse Guaidó à Folha de S.Paulo no último sábado (19).

Ele se referiu à onda de atos em 2017 que durante três meses tomou as ruas da capital para protestar contra a criação da Constituinte (inteiramente dominada pelo chavismo) e que deixou 130 mortos.

"Temos que sair, todos, basta de aguentar tudo isso, as crianças morrendo sem remédio. Essa marcha tem de ser um êxito", diz a produtora Maria Carolina Ocque, sobre o ato desta quarta.

O governo, porém, promete responder à manifestação. Nesta segunda, o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, acusou o partido de Guaidó, o Vontade Popular, de estar por trás da rebelião militar de Cotiza - que classificou como terrorista. Ele disse ainda que o deputado "vem recebendo ordens diretamente do vice-presidente dos EUA, Mike Pence".

O americano publicou um vídeo nesta terça no qual mistura palavras em inglês e em espanhol para declarar apoio a Guaidó e aos protestos.

O chanceler brasileiro Ernesto Araújo também manifestou, de forma indireta, apoio a oposição ao chamar Maduro de "ex-presidente" nesta terça (22) - a Assembleia Nacional não reconhece o atual mandato do ditador.

Líderes opositores no exterior também se manifestaram a favor dos protestos, como Antonio Ledezma (ex-prefeito de Caracas) e Julio Borges (ex-presidente da Assembleia Nacional).

Protestos já começaram

Embora a manifestação desta quarta seja a de maior destaque, os protestos antiditadura já começaram.

Nesta terça-feira (22), pela segunda noite seguida, protestos violentos contra o regime chavista tomaram a capital Caracas e outras cidades do país. Segundo o Observatório Venezuelano de Conflito Social (OVCS), até às 23h, foram confirmados 63 protestos. 

Eles estão ocorrendo em regiões que são tradicionalmente enclaves chavistas – diferentemente das áreas de classe média e alta no lado leste de Caracas, onde os atos anti-Maduro se concentraram nos últimos anos.

A poucos metros do palácio presidencial, jovens atearam fogo em barricadas enquanto gritavam pela queda de Maduro. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram moradores da cidade de San Felix ateando fogo em uma estátua de Hugo Chávez. 

Nos municípios de Libertador e Catia (próximos a Caracas),  as forças de segurança e as milícias que apoiam Maduro reprimiram os protestos com violência. Segundo o jornal El Nacional, fontes relataram uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e armas de fogo contra os manifestantes em Libertador. O deputado da Assembleia Nacional Jose Manuel Olivares afirmou em sua conta do Twitter que em Catia uma pessoa morreu e cinco foram feridos por arma de fogo.

O sucesso da marcha

A oposição recuperou o ímpeto em seus esforços para confrontar o ditador, com o país enfrentando uma profunda crise política e econômica. Alguns venezuelanos, porém, têm medo que as cenas de violência de dois anos atrás voltem a se repetir. "Nós também achávamos que as manifestações de 2017 iam colocar freios a esse governo ou até fazer Maduro renunciar. E o resultado, para mim, foi um sobrinho morto. Eu não sairei nem deixarei que meus filhos saiam", afirmou Eulimar Gutiérres, 39.

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O sucesso da marcha, assim, depende de como será a resposta a uma possível repressão do governo - e também se a oposição conseguirá se manter unida.

"A oposição venezuelana se desmoralizou diante da população depois do referendo de julho de 2017", disse à reportagem María Corina Machado, que lidera uma das alas da oposição, a Vente Venezuela.

Na ocasião, afirma ela, a população votou massivamente na oposição para que esta lutasse por eleições diretas. "E o que esses líderes fizeram? Foram negociar com Maduro, e Maduro os enganou, prometeu coisas que não fez e roubou todas as eleições", afirmou María Corina.

A opinião é compartilhada pela vendedora Yuli Ortíz, 25, uma dos milhões de venezuelanos que fugiram do regime Maduro - ela mora em Buenos Aires. "Ou muda tudo lá, inclusive a oposição, ou a gente não volta, e ainda vamos mandar trazer minha mãe, que ficou lá sozinha", disse.

Juan Guaidó tem, assim, a chance de se consolidar como principal nome da oposição, sem a bagagem dos antigos líderes.

O que diz o regime

O governo acusou a oposição de tentar provocar derramamento de sangue. Na cidade de Maracaibo, autoridades disseram que as forças de segurança apreenderam granadas, metralhadoras e uniformes da Guarda Nacional de uma célula "terrorista" de três pessoas, que, segundo autoridades, planejavam se infiltrar na marcha desta quarta. 

Em um discurso televisionado na noite de terça, Maduro disse que cinco pessoas foram detidas, suspeitas de participar das ações. "Vamos pegar todos."

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Maduro também acusou o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, de tentar derrubar seu governo e disse que vai rever a relação entre os dois países. Segundo o ditador Pence atingiu o ponto mais baixo em 200 anos nas relações entre os dois países, autorizando um golpe. Os EUA mantêm uma embaixada em Caracas, mas os dois países não trocaram embaixadores em quase uma década.

Apoiadores do regime chavista também vão às ruas nesta quarta-feira para protestar contra as “ingerências e agressões promovidas pelos Estados Unidos e outros países”.

O que mais você precisa saber

A Assembleia Nacional, em sua primeira designação governamental após ter declarado usurpação da presidência por parte de Maduro, nomeou o advogado Gustavo Tarre Briceño como “representante especial” da Venezuela na Organização dos Estados Americanos (OEA). O secretário-geral da organização, Luís Almagro, elogiou a decisão da Assembleia Nacional de permanecer no grupo. 

O governo de Maduro anunciou sua retirada da OEA em 2017 depois que os estados-membros começaram a levantar questões sobre a liderança do presidente venezuelano. Almagro tem sido um dos mais ferozes críticos de Maduro e já reconheceu Juan Guaidó como o presidente interino da Venezuela. 

Apesar de não ser reconhecido por boa parte da comunidade internacional, inclusive pelo Brasil, Nicolás Maduro goza de apoios importantes no cenário internacional, como China, Turquia e principalmente a Rússia. Junto com os militares, estes países formam a base de apoio que está sustentando o regime chavista.  

Outro ato importante da Assembleia Nacional foi oficializado na semana passada: a aprovação de um projeto de lei que prevê anistia para presos políticos e funcionários do governo que ajudem a “restabelecer a ordem constitucional”. A iniciativa tem como objetivo mobilizar militares de média e baixa patente contra Maduro, uma demonstração de que a oposição entende a importância das Forças Armadas na sustentação do regime.

Como lembrou o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antonio Jorge Ramalho da Rocha, em entrevista recente à Gazeta do Povo, os militares seguem apoiando Maduro e participando ativamente do regime, inclusive controlando setores importantes da economia venezuelana. Mas o hiato entre os salários e as condições de vida dos oficiais superiores e os dos sub-oficiais, praças e soldados, que estão mais próximos à realidade da população local, são um desafio para o regime.

Qual será o posicionamento do governo Bolsonaro

O Brasil está disposto a apoiar uma mudança de regime para restituir a democracia na Venezuela desde que pela via institucional. O governo espera, porém, as reações populares no país para calibrar sua ação.

A reportagem da Folha de S. Paulo apurou com um integrante do governo que as manifestações desta quarta no país serão um termômetro. 

O Brasil tem mantido contato com a oposição venezuelana para estudar o melhor caminho de apoio. Um deles pode ser o reconhecimento do deputado Juan Guaidó como presidente. No entanto, o governo espera para avaliar o apoio popular ao nome de Guaidó na Venezuela. Segundo um alto diplomata, é importante que a saída seja institucional.

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