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Indiana usa forno de barro para secar objetos de argila, em Dharavi, Bombaim: projeto ajuda famílias pobres a trocar equipamentos por outros menos poluentes | Pal Pillai/AFP
Indiana usa forno de barro para secar objetos de argila, em Dharavi, Bombaim: projeto ajuda famílias pobres a trocar equipamentos por outros menos poluentes| Foto: Pal Pillai/AFP

"É difícil de acreditar que isso está derretendo as geleiras", diz Veerabhadran Ramanathan, um dos maiores cientistas do clima do mundo, enquanto percorre ca­­banas feitas de tijolo, ca­­da uma contendo um forno de barro que libera fuligem na at­­mosfera.

Enquanto mulheres envoltas em sáris multicoloridos fabricam pão e cozinham lentilhas sobre o fogo alimentado com ga­­lhos e esterco, crianças tossem devido à densa fumaça que preenche as casas. Uma sujeira preta reveste o lado de dentro de te­­tos de palha e, no nascer do dia, uma nuvem negra se estica pela paisagem co­­mo um lençol escuro e diáfano.

Em Kohlua, na Índia central, sem carros e sem eletricidade, as emissões de dióxido de carbono, o principal gás detentor de calor relacionado ao aquecimento global, são quase nulas. No entanto, a fuligem – conhecida também como carbono negro – produzida por dezenas de milhares de vi­­las como esta, está emergindo como uma grande e antes minimizada fonte causadora do aque­­cimento climático global.

Apesar de o dióxido de carbono ser o contribuidor número um para o aumento das tempera­­turas no mundo, afirmam cientistas, o carbono negro emergiu como o número 2 em importância. Estudos recentes estimam que ele é responsável por 18% do aquecimento do planeta, em comparação aos 40% atribuídos ao dióxido de carbono. Diminuir as emissões de carbono negro poderia ser uma forma relativamente barata de frear significativamente o aquecimento global – especialmente no curto prazo, sustentam especialistas em clima. Substituir fornos primitivos por versões mais modernas, capazes de emitir muito menos fuligem, poderia se tornar uma solução temporária bastante ne­­cessária, enquanto os países li­­dam com a tarefa mais difícil de iniciar programas e desenvolver tecnologias com o objetivo de res­­tringir as emissões de dióxido de carbono a partir de combustíveis fósseis.

Na verdade, reduzir o carbono negro é apenas um de uma série de reparos climáticos, relativamente rápidos e simples, que requerem tecnologias existentes, para minimizar as consequências desastrosas já projetadas pa­­ra o aquecimento global.

"Está claro para qualquer pessoa que se importa com as mu­­danças climáticas que isto terá um enorme impacto no ambiente global", disse Ramanathan, professor de ciências climáticas do Scripps Institute of Ocea­­no­­gra­­phy, atualmente desenvolvendo trabalhos com o Instituto de Energia e Recursos de Nova Dé­­lhi, num projeto para ajudar famílias pobres a adquirir novos fornos.

"Em termos de mudanças climáticas, estamos indo rapidamente em direção a um penhasco. Isso nos pouparia algum tempo", disse Ramanathan, que dei­­xou a Índia há 40 anos, mas voltou ao seu país-natal por causa do projeto.

Efeito rápido

A melhor parte é que a diminuição da fuligem poderia ter um efeito bastante rápido. Ao con­­trário do dióxido de carbono, ca­­paz de perdurar na atmosfera por anos, a fuligem permanece só por algumas semanas. Mudar para fornos que emitem pouca fuligem removeria rapidamente os efeitos de aquecimento do carbono negro.

Na Ásia e na África, fornos de cocção produzem grande parte do carbono, apesar de ele também emanar de motores a diesel e produtoras de carvão. Nos Es­­tados Unidos e na Europa, as emis­­sões de carbono negro já foram reduzidas significativamente por filtros e outras ferramentas.

Viagem ao redor da Terra

Como minúsculos absorvedores de calor, as partículas de fuligem aquecem o ar e derretem o gelo ao absorver o calor do sol quando se estabelecem nas geleiras. Um estudo recente calculou que o car­­bono negro pode ser responsável por cerca da metade do aquecimento do Ártico. Apesar de as partículas tenderem a se estabilizar com o tempo e não terem o alcance global dos gases do efeito estufa, elas se deslocam, descobriram os cientistas.

A fuligem originária da Índia foi encontrada nas Ilhas Maldivas e no platô tibetano; a partir dos Estados Unidos, ela viaja para o Ártico.

As implicações ambientais e geopolíticas das emissões de fuligem são enormes, já que as geleiras são a fonte da maioria dos grandes rios da Ásia. O resultado no curto prazo do derretimento glacial são inundações graves em comunidades montanhosas.

O número de inundações a partir de lagos glaciais também já está aumentando acentuadamente. Quando as geleiras encolherem, os grandes rios da Ásia vão ter seu fluxo diminuído ou secar durante parte do ano. Bata­­lhas desesperadas por água cer­­tamente surgirão como conse­­quên­­cia, numa região já cheia de conflitos.

Vilão da saúde

Médicos há muito tempo condenam o carbono negro por seus efeitos devastadores à saúde em países pobres. Nos Estados Uni­­dos, uma lei apresentada pelo congresso no ano passado exige da Agência de Proteção Ambien­­tal o direcionamento de ajuda a projetos para a redução do carbono negro no exterior, incluindo introduzir novos fornos em 20 milhões de lares. Eles custariam cerca de US$ 20 cada e usariam energia solar, ou outra mais eficiente. A fuligem seria reduzida em mais de 90%.

Mas é difícil imaginar que vi­­las rurais remotas, como Kohlua, possam ter um papel fundamental para lidar com a crise do aquecimento global. Não existem carros ali – o jipe branco e antigo do chefe do vilarejo fica estacionado, na frente de sua casa, como uma peça de museu. Não existe água corrente e a energia elétrica é es­­porádica, responsável por alimen­­tar apenas algumas lâmpadas.

Substituir centenas de milhares de fornos – a fonte de calor, comida e água potável – não se­­ria uma questão simples. "Tenho certeza de que eles seriam lindos, mas teria que primeiro vê-los, experimentá-los", disse Chetram Jatrav, enquanto se agachava junto ao seu forno, fazendo chá e um pão chamado roti. Suas três crianças tossiam.

Ela gostaria de ter um forno "que fizesse menos fumaça e usasse menos combustível", mas não pode comprar um, disse ela, jogando no fogo o esterco comprado por uma rúpia. Ela havia acabado de comprar seu primeiro rolo de massa, assim o pão po­­deria sair "redondinho", como seus filhos tinham visto na escola. Igualmente importante, a cha­­ma aberta do forno dá sabor a al­­­guns dos alimentos tradicionais. Pressionar os moradores das vilas a fazer roti num forno solar é qua­­se como pedir a um italiano que cozinhe risoto no microondas.

Os pesquisadores iniciaram testes com fornos menos poluidores em vilas indianas, mas al­­guns aparelhos, por serem frágeis, quebraram.

E para lidar com o problema do carbono negro em larga escala, a aceitação dos novos fornos é crucial.

"Não vou chegar para os mo­­radores e dizer que o CO2 está au­­mentando, e que em 50 anos po­­deremos ter enchentes", disse Ibrahim Rehman, colaborador de Ramanathan no Instituto de Energia e Recursos. "Vou falar com as mulheres sobre o risco pa­­ra seus pulmões e o de seus filhos. E sei que isso também vai ajudar a conter as mudanças climáticas."

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