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Diplomacia ou rendição?

Do que trata o controverso acordo do Vaticano com a China, costurado pelo favorito no conclave

Conclave Vaticano - Cardeal Pietro Parolin
O ex-secretário de Estado da Santa Sé, Cardeal Pietro Parolin (Foto: EFE)

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O italiano Pietro Parolin é um dos 22 cardeais que despontam como favoritos para ocupar o mais alto posto da Igreja Católica, segundo levantamento do The College of Cardinals Report, feito por especialistas na cobertura do Vaticano. No site de apostas norte-americano Polymarket, o religioso lidera as apostas do conclave, com 29%, seguido por Luis Antonio Tagle, com 18%. Além disso, alguns veículos italianos chegaram a publicar o rumor de que o cardeal teria cerca de 40 votos garantidos já na primeira votação.

Mas não é a cidadania italiana que torna Parolin um dos mais propensos a serem eleitos: o religioso é um hábil diplomata que ocupou o cargo de Secretário de Estado do Vaticano durante o pontificado de Francisco, ou seja, era considerado o "número 2" da Santa Sé, atrás apenas do posto do papa.

Os vários anos dedicados à diplomacia o levaram a se tornar a principal figura de um controverso acordo entre o Vaticano e o regime chinês, que controla a Igreja no país asiático. O chamado Acordo Provisório com a República Popular da China, costurado em uma aproximação da Santa Sé com a ditadura de Xi Jinping, trata da nomeação de bispos nas dioceses chinesas.

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O objetivo principal do tratado, formalizado em 2018, seria unificar a Igreja Católica no país sob a autoridade do papa. Nos termos do acordo, o governo chinês poderia propor nomes para o episcopado, mas o papa teria a palavra final sobre a nomeação.

No entanto, há uma série de questões: autoridades chinesas resistem em se submeter à autoridade papal, e mesmo com a vigência do acordo alguns bispos foram nomeados diretamente pelo regime, sem o aval do papa. Além disso, até hoje os termos do tratado conduzido por Parolin são secretos, e a perseguição a católicos e demais cristãos no país piorou de 2018 para cá.

Um recente relatório da Comissão dos Estados Unidos sobre Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) mostra que a perseguição a cristãos na China ficou ainda mais grave nos últimos anos. O principal motivo é a aprovação, em 2020, da nova Lei de Segurança Nacional por influência da ditadura comunista de Pequim. Com a mudança, o Partido Comunista Chinês passou a exigir submissão ainda maior dos grupos religiosos ao regime e à sua ideologia.

Parolin reconheceu que ditadura chinesa não respeita integralmente o acordo

O acordo Vaticano-China foi anunciado oficialmente pela Santa Sé em setembro de 2018 como temporário, a partir de uma “aproximação gradual e recíproca para o bem comum do povo chinês e para a paz no mundo”. O tratado foi renovado por dois anos em 2020 e em 2022. Já em 2024, foi prorrogado por mais quatro anos.

Uma das preocupações manifestadas pelo Vaticano ao costurar as tratativas foi reduzir a tensão entre fiéis "clandestinos" e "oficiais". Isso porque no país asiático a principal instituição católica é a Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC) – uma organização criada pela ditadura para controlar a Igreja no país, de forma independente do Vaticano.

A APCC seria a “igreja oficial”, com bispos nomeados pelo regime e fiéis sendo tratados de maneira diferente, mas ainda submetidos à rígida intervenção da ditadura. Já os católicos “clandestinos” vivem sob restrições extremamente severas.

Em outubro de 2022, às vésperas da terceira renovação do acordo, o papa Francisco disse a repórteres que o acordo estava indo bem, mas "lentamente, porque o ritmo chinês é lento, de paciência infinita". Na ocasião, o pontífice pediu paciência e reforçou que é “preciso dialogar”.

Dias depois, Pietro Parolin disse, em entrevista ao Vatican News, que graças ao acordo agora “todos os bispos da Igreja Católica na China estão em plena comunhão com o Sucessor de Pedro e não houve mais ordenações episcopais ilegítimas”. O religioso destacou, no entanto, que "há dioceses onde, apesar dos esforços e da boa vontade, não é possível manter um diálogo frutífero com as autoridades locais".

Cardeal opositor do acordo foi preso pelo regime chinês aos 90 anos

O cardeal Joseph Zen, de 93 anos, é uma das principais vozes críticas à interferência do governo chinês nos assuntos da Igreja. Essa posição já o levou à prisão, em 2022, quando tinha 90 anos, por apoiar manifestantes pró-democracia em Hong Kong. O religioso foi solto sob fiança, mas teve seu passaporte confiscado. Em abril deste ano, um tribunal o autorizou a viajar ao Vaticano para participar do funeral do Papa Francisco.

Zen é abertamente crítico ao acordo Vaticano-China. Para o religioso, o tratado legitimou a interferência do regime comunista na Igreja, comprometendo sua independência e integridade. Em 2023, ao The Catholic Herald, o cardeal disse que tanto as igrejas “oficiais” quanto as clandestinas “agora são ainda mais perseguidas do que antes do acordo secreto”.

Já o papa Francisco, na mesma entrevista de outubro de 2022, foi questionado sobre a situação do cardeal perseguido pelo regime de Xi Jinping. Francisco disse apenas que Zen "diz o que sente, e é possível perceber que há limitações nisso". Na ocasião, o pontífice também declarou que "não tinha vontade" de caracterizar a China como "antidemocrática porque é um país muito complexo, com seus próprios ritmos".

As declarações do papa foram criticadas por religiosos e grupos de direitos humanos, como o Hong Kong Watch. O fundador da entidade, Benedict Rogers, negou que o Partido Comunista Chinês tenha um “ritmo lento”. “A velocidade e a intensidade do genocídio dos uigures e a repressão em Hong Kong mostram que o país pode agir notavelmente rápido quando decide seguir um determinado curso de ação”, disse.

Conclave - Cardeal Joseph ZenO cardeal Joseph Zen, crítico do controle da ditadura chinesa sobre a Igreja no país (Foto: EFE/Jerome Favre)

Não há colaboração da China com o Vaticano, diz especialista

Conforme explica o jornalista Marcio Antonio Campos – colunista da Gazeta do Povo sobre temas que envolvem o catolicismo, e que atualmente está no Vaticano cobrindo o conclave – a colaboração entre o regime chinês e o Vaticano, prometida pela Santa Sé ao divulgar o acordo, não está acontecendo.

“Essa colaboração para a nomeação dos bispos não tem acontecido. Agora mesmo tivemos a nomeação de dois bispos [pelo governo chinês] após a morte do papa. O Papa está morto, não é possível nomear bispos durante a sede vacante”, explica.

Para Campos, o principal problema do acordo é o fato de ser secreto. “Se nomear esses bispos sem o aval do papa não está previsto no acordo, o governo chinês está desrespeitando os termos. Por outro lado, se esse tipo de situação de alguma forma está previsto, então é um acordo ruim”, diz.

Acordo pode ser prejudicial a Parolin no conclave

Pietro Parolin goza de prestígio dentro do Vaticano, não só pelo cargo exercido e pelas habilidades diplomáticas, mas também pela proximidade e afinidade com papa Francisco. No entanto, é justamente a atuação diplomática do cardeal que pode custar alguns votos a menos entre seus pares, no conclave.

Isso porque além da condução do acordo Vaticano-China, Parolin é conhecido por manter ou abrir canais de diálogo com outros regimes autoritários, como Venezuela, Rússia e Vietnã.

Segundo os jornalistas vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report, o cardeal italiano é apontado por críticos como um progressista com visão globalista, “um pragmático que colocará ideologia e soluções diplomáticas acima das verdades da fé”. Já entre apoiadores, o religioso seria “um idealista corajoso, um defensor entusiasta da paz e um mestre da discrição e da arbitragem, que apenas deseja abrir um novo futuro para a Igreja no século 21”.

Na avaliação de Marcio Campos, Parolin tende a receber um bom número de votos na primeira rodada do conclave, mas não há um favoritismo absoluto. “Segundo analistas daqui do Vaticano, ele deve começar bem, com bom número de votos, mas caso não ganhe força à medida que as votações forem acontecendo, os cardeais tendem a migrar votos para outros candidatos entendendo que ele não alcançará votação suficiente”, explica.


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