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Ao longo dos últimos anos, o Chile foi apresentado como um eficiente modelo de desenvolvimento econômico e fortalecimento democrático. Em nenhum momento este sucesso foi capaz de esconder profundas fraturas socioculturais remanescentes do período autoritário, simbolizadas pelo ex-ditador, general Augusto Pinochet. Figura controversa e polêmica, Pinochet construiu-se como um mito na política e nas Forças Armadas chilenas, dividindo o país.

Como todo mito, se agregou em torno de si uma legião de partidários, Pinochet também pode ser desconstruído por seus opositores, revelando suas fragilidades como homem político: acusações de violações de direitos humanos e de corrupção, associadas a uma saúde debilitada, diminuíram gradualmente a influência do ex-ditador. Seu falecimento parece representar uma espécie de catarse: entre seus defensores, uma comoção sem limites por aquele que consideram ter construído o Chile moderno, entre os opositores, reações que variam da celebração aberta ao alívio contido por fechar-se esta página da história.

Uma página, entretanto, que Pinochet não escreveu sozinho nem no Chile, nem nas Américas e nem no mundo, e que se fecha de forma incompleta em muitas de suas dimensões: a não continuidade dos processos judiciais deixará muito em aberto, ainda que investigações paralelas possam prosseguir sobre o seu regime e antigos colaboradores. Mais do que lamentar por isso, ou pela morte do ex-ditador, a sociedade chilena precisará aprender a ir além de um passado que pouco conhece e, talvez, nunca venha a conhecer em sua totalidade. Bachelet, em meio a mais esta transição, representa a ponte entre o Chile do passado e o do presente. Avançar além da realidade e da sombra de Pinochet será o maior desafio de seu governo e da democracia chilena. Nem sempre o fim de uma era identifica-se em um evento (ou em vários deles), mas sim na capacidade da sociedade de reconciliar-se com seu futuro.

Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo).

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