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Barco de pesca sobre escombros de casa na cidade de Otsuchi, uma das mais afetadas pelo terremoto e tsunami que arrasaram parte do Japão | Toshifumi Kitamura/AFP
Barco de pesca sobre escombros de casa na cidade de Otsuchi, uma das mais afetadas pelo terremoto e tsunami que arrasaram parte do Japão| Foto: Toshifumi Kitamura/AFP

Esperança

Reabertura de escola conforta vítimas do tsunami

Uma semana antes de as aulas recomeçarem, o ginásio da escola secundária ainda era um necrotério improvisado. Mas os corpos foram removidos e o piso desinfetado, o que permitiu à escola secundária Kirikiri receber alunos pela primeira vez desde que o tsunami varreu a cidade.

"Nesse desastre, perdemos muitas coisas preciosas", diz Nagayoshi Ono, diretor de uma das duas escolas que dividiram o prédio desde que Kirikiri reabriu duas semanas atrás, por ser a única escola secundária de Otsuchi sobrevivente. "Enfrentamos um teste como uma nação em guerra e como respondemos a esse teste depende de nós".

Como em muitas áreas gravemente atingidas, professores e estudantes nesta pequena escola secundária parecem dividir a convicção de que buscar retomar rotinas prévias ao desastre pode mover suas comunidades devastadas um passo mais perto da recuperação.

Essa busca por recuperar a normalidade vem com a mesma aparência dos níveis de adversidade que não foram vistos aqui desde os dias obscuros após a Segunda Guerra Mundial.

Estudantes andam ou pegam ônibus para a escola através de planícies de entulho aplainado, onde ficavam vizinhanças inteiras. Eles chegam ao prédio onde mais de 300 alunos devem de alguma forma caber em um espaço próprio para um terço desse número. A maioria dos esportes foi cancelada, pois o campo da escola está sendo ocupado por apartamentos pré-fabricados para alguns dos novos sem-teto de Otsuchi.

Ao longo do dia, professores constantemente estimulam estudantes a sorrirem e "perseverarem" – ou "ganbaru", uma palavra frequentemente ouvida no Japão recentemente.

Fuga do estresse

Professores dizem que por mais que a escola esteja longe de ser o ambiente ideal para o aprendizado, é importante trazer as crianças de volta. Afirmam que queriam que a escola oferecesse uma fuga do estresse de viver em abrigos de refugiados e uma chance de compartilhar com pares suas experiências durante o desastre.

"Esses são alunos que perderam lares e pais", diz Noriko Sasaki, 36 anos, professora de inglês da sétima série, que cumprimenta alunos. "A escola permite que eles voltem a algo familiar e seguro".

Muitos estudantes concordam. "Normalmente não gosto da escola, mas desta vez eu queria vir para falar sobre onde estávamos durante o tsunami", conta Kiyoshi Kimura, 14 anos, aluno da oitava série que sua casa fora destruída e muitos parentes mortos.

Ele compartilhou suas memórias do tsunami quase que avidamente com colegas reunidos em um estreito corredor. "Parecia mais com uma nuvem se aproximando do que uma parede de água", exclamou uma hora, referindo-se às ondas fazendo barulho de acordo como tombavam prédios em seu caminho.

Muitos professores esperavam que a reabertura da escola seria terapêutica não só para os estudantes, mas também para a cidade.

"A visão de crianças indo à escola é um pequeno passo rumo a trazer a cidade de volta ao normal", diz Gouei Kanno, 38 anos, que ensina estudos sociais à sétima série.

Os carros amassados ficaram vermelhos de ferrugem. Chuvis­­cos e sol quente endureceram as cinzas e a lama numa placa blindada. Mas Satoshi Watanabe vem todos os dias para pegar coisas nos escombros queimados do que um dia já foi sua casa, em busca dos restos mortais de sua filha de 2 anos.

Ela foi levada pelo tsunami que arrasou grande parte dessa cidade de pescadores e matou sua esposa, sua mãe e duas outras fi­­lhas pequenas. Quando ele en­­contrar a criança perdida, deixará a cidade e suas dolorosas memórias para sempre. "Ninguém quer construir aqui", diz Watanabe, 42 anos, que falava em frases curtas pontuadas por longos suspiros. "Este lugar é simplesmente assustador de­­mais".

Abandono

Pouco mais de dois meses depois do terremoto e do tsunami, co­­munidades costeiras devastadas como Otsuchi continuam longe da recuperação. Com muitas pessoas da população economicamente ativa se mudando, elas enfrentam a perspectiva de simplesmente enfraquecer até desaparecer.

Sem casa ou trabalho para perder, e temendo outro tsunami, muitos moradores já deixaram o lugar. Autoridades municipais agora temem perder grande parte das famílias com membros em idade produtiva, deixando esta cidade já envelhecida com uma população majoritariamente idosa que pode não ter a energia ou o incentivo para suportar uma longa recuperação.

E isso representa mais uma dificuldade. Especialistas dizem que pode levar uma década até que a reconstrução seja completa e o número de empregos volte ao de antes – mais um motivo, co­­mo temem muitos especialistas e moradores, para que os residentes em idade de trabalhar deixem a cidade. "Otsuchi precisa se mexer rápido para sobreviver", afirma Sei­­ichi Mori, economista da Uni­­versidade Gifu Keizai que está ajudando a estabelecer planos de recuperação.

Entulhos

Como uma medida tapa-buraco, Otsuchi anunciou no final de abril que planejava contratar 270 pessoas da cidade para remover os escombros. Porém, com uma longa reconstrução pela frente, muitos especialistas e moradores temem um êxodo dos habitantes mais jovens, que não podem esperar anos por um emprego.

Autoridades municipais estão tentando elaborar planos que motivem os jovens moradores a permanecer. A maior parte das ideias vem de Tóquio e exige grandes esquemas para deslocar as cidades costeiras para um terreno mais alto ao construir grandes plataformas ou podar áreas próximas a topos de montanhas – os tipos de megaprojetos que o Japão já não consegue bancar.

No entanto, autoridades mu­­nicipais dizem estar sobrecarregadas por demandas mais imediatas, como realocar 2.247 moradores que ainda dormem no chão de ginásios escolares e outros lotados centros de refugiados para abrigos temporários de mais longo prazo, ou encontrar os 1.044 moradores desaparecidos da cidade, que tinha 15.239 habitantes antes do tsunami. Até o momento, foram encontrados corpos de 680 pessoas.

Só a limpeza dos montes de entulhos deixados pelas ondas, que atingiram 15 metros e destruíram mais da metade das casas e prédios de Otsuchi, provavelmente levara um ano. As funções administrativas da cidade também foram prejudicadas pelas ondas, que engoliram a prefeitura, mataram o prefeito e mais 30 funcionários públicos.

"Estamos longe da reconstrução", diz Masaaki Tobai, 66 anos, vice-prefeito, que interveio para liderar a cidade e que sobreviveu ao se arrastar até o telhado da prefeitura. "Os serviços médicos, administração, educação, polícia, bombeiro, lojas, hotéis, cooperativas de pescadores, de agricultores, indústria, empregos – tudo isso acabou, foi varrido".

Em outras áreas fortemente atingidas, particularmente ao redor da principal cidade da região, Sendai, já existem sinais de recuperação, com a limpeza bastante adiantada e serviço de trem-bala normal. Mas as comunidades mais distantes como Otsuchi, no litoral mais ao norte, estão ficando para trás.

Embora a escassez de alimentos e água potável para as primeiras desesperadoras semanas tenha acabado, a cidade continua uma paisagem achatada de casas destrocadas e veículos amassados, onde soldados ainda retiram uma dúzia de corpos dos escombros todos os dias.

Economia

Reanimar a economia local parece uma ideia distante. Esta área litorânea da rural Prefeitura Iwa­­te há muito tempo está atrasada em relação ao restante do Japão. A renda anual média de Otsuchi é de 1,7 milhão de ienes, cerca de US$ 21 mil, ao redor de 60 por cento da média nacional. Nesse porto pesqueiro, a maior parte do trabalho era em barcos de pesca que trabalhavam com fazendas de ostra, vieiras e alga ou em fábricas de conserva e instalações de processamento de frutos do mar ao longo dos cais. Tudo isso foi destruído pelo tsunami.

Em abril, a Câmara de Comér­cio da cidade entrevistou empresários locais. Apenas metade disse pretender reconstruir seus negócios em Otsuchi.

No entanto, a Câmara pôde entrevistar apenas 114 donos de empresas, um quarto de seus membros antes do tsunami. A instituição hoje está sediada numa cabana pré-fabricada na quadra esportiva de uma escola queimada e ainda está tentando localizar os outros cerca de 300 membros.

"Sabemos que precisamos criar empregos", diz Chieko Uchihama, integrante da Câmara, "mas como vamos fazer isso quando nem sabemos quem sobreviveu?" Outra tarefa imediata é a triste busca pelos restos mortais das pessoas ainda classificadas como desaparecidas em Otsuchi. Numa tarde recente, os sobreviventes procuravam nos entulhos os entes queridos e perdidos. Um dele era Watanabe.

Ele e sua família estavam em casa quando a onda de repente varreu a sala, lançando-o contra o teto antes que ele pudesse se arrastar até o segundo andar da casa, que havia começado a boiar e se deslocar da base. Ele conseguiu pular no telhado de um prédio de concreto que se movia, mas outros membros da família não tiveram tanta sorte ou força.

Watanabe deixou o trabalho na incineradora de lixo da cidade, que ainda funcionava, para poder vir todos os dias procurar a filha mais nova, Mikoto.

Ele também queria encontrar objetos pessoais, como a mochila vermelha que ele comprou para a filha mais velha, Hinata, 6 anos, que estava animada por em breve começar a primeira série.

Ele contou que acabaria se mudando para encontrar um novo trabalho e, de alguma forma, começar uma nova vida. "É difícil demais ficar aqui", lamenta Watanabe, ao observar estoicamente os escombros de sua casa.

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