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Os morcegos são imunes à maioria das doenças mais fatais; no entanto, sucumbe a um simples fungo | evan mcGlinn para The New York Times
Os morcegos são imunes à maioria das doenças mais fatais; no entanto, sucumbe a um simples fungo| Foto: evan mcGlinn para The New York Times

Os cientistas acreditam que uma compreensão mais abrangente e profunda da biologia do morcego pode não só evitar o próximo surto do ebola e outros vírus como também oferecer uma visão mais definida de como atuam doenças imunológicas e inflamatórias como a diabete, as doenças cardíacas e até o câncer.E, no entanto, milhares deles estão sucumbindo ao que os especialistas chamam de síndrome do nariz branco, uma doença micótica devastadora que ataca os animais que hibernam em cavernas e já matou pelo menos seis milhões na América do Norte desde que surgiu em Albany, Nova York, há uma década, ameaçando aniquilar completamente algumas espécies.

São cada vez maiores as evidências de que esse mamífero pode servir de receptáculo de vários dos vírus mais mortais do mundo, incluindo os causadores do ebola, Marburg e outras febres hemorrágicas, síndromes respiratórias graves como SARS e MERS e até vilões mais familiares, como sarampo e caxumba. Parece que o morcego é praticamente imune a todos esses vírus, mas suscetível ao fungo da síndrome do nariz branco. "É um animal que consegue sobreviver à ação dos piores vírus que conhecemos e, no entanto, se acaba por causa de um fungo de solo comum", constata David Blehert do Centro Nacional de Saúde Silvestre do Serviço Geológico dos EUA em Madison, no Wisconsin. O morcego pode ser também resistente ao câncer.

"Por enquanto as evidências não são baseadas em fatos científicos, mas de todos os especialistas com quem conversei, ouvi falar de apenas um ou dois casos de tumores", afirma Lin-Fa Wang, virólogo de morcegos da Duke-NUS Graduate School de Cingapura e do Laboratório Australiano de Saúde Animal, em Geelong. Os cientistas descobriram também que o morcego tem uma vida extraordinariamente longa para seu tamanho. O insetívoro Myotis brandtii da Eurásia, por exemplo, pesa em média apenas seis gramas; um rato pesa vinte – mas enquanto o roedor vive um ano, se tiver sorte, o morcego vive bem mais de 40, disparidade entre massa corporal e expectativa de vida considerada "a mais radical de todos os mamíferos" pela Nature Communications.

E alertam para o princípio errôneo de estimular o abate de morcegos como forma de combate ao risco de transmissão viral – além de pedir ao público que não sucumba à fobia antiga e retrógrada que relaciona o animal às bruxas, vampiros, demônios e teias de aranha.

De acordo com os pesquisadores, o morcego tem um papel essencial no meio ambiente; e os que se alimentam de insetos são os principais predadores de insetos noturnos, inclusive pernilongos.

"Um político australiano disse: ‘Bombardeiem os morcegos’, mas, se fizermos isso, destruiremos o ecossistema e acabaremos com mais doenças infecciosas, e não menos", reflete o Dr. Wang. Os profissionais sugerem que as mudanças ao sistema imunológico do morcego tenham se originado como parte da grande necessidade de "reparo" do DNA e que, mais tarde, acabou tendo um valor inestimável para sua estratégia de vida. Descobriu-se uma concentração inesperadamente alta de genes do animal envolvida na recuperação do DNA danificado. Para os cientistas, esse fator é a solução do morcego para as duras exigências de voo. Quando isso acontece, o coração do mamífero bate mil vezes/minuto e seu metabolismo se desenvolve a um ritmo quinze vezes mais acelerado que em estado de repouso. Só para comparar, diz o Dr. Blehert, o de um roedor corredor fica sete vezes acima do normal – e isso só em arrancadas curtas, enquanto que o do morcego pode permanecer acelerado durante horas. O batimento das asas acaba gerando vários subprodutos metabólicos, os chamados radicais livres, que poderiam mutilar o DNA do morcego, não fosse por sua capacidade de regeneração muito acima do normal. E esse contra-ataque prova ser uma excelente estratégia para manter a saúde – e talvez explicar sua longevidade e aparente resistência ao câncer.

Em seu perfil molecular, os fatores imunológicos responsáveis pelos "primeiros socorros" ao corpo são muito mais fortes, ao passo que as moléculas que, na maioria dos mamíferos, se tornam mais agressivas nos estágios finais de uma infecção, no morcego veem sua função reduzida. O resultado, segundo o Dr. Wang é que quando um vírus se apresenta, o animal lida com ele de maneira bem eficaz, mas sem excessos. E, segundo os cientistas, quando o sistema imunológico reage exageradamente, representa um perigo maior que a própria infecção. Os morcegos geralmente vivem em colônias imensas; percorrem distâncias enormes e ficam expostos a uma série inimaginável de patógenos. São incrivelmente resistentes aos micróbios – com exceção do fungo que causa a síndrome do nariz branco. O Dr. Blehert e seus colegas descobriram que a partir dos estágios iniciais da doença, os espécimes atingidos começam a queimar um volume de energia duas vezes maior que os sadios.

O golpe fatal pode advir da reação imunológica do morcego ao fungo – que, segundo as evidências preliminares, é extraordinariamente violenta.

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