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Um dos momentos mais emocionantes dos jogos: o atleta ouve seu hino. | Issei Kato/Reuters
Um dos momentos mais emocionantes dos jogos: o atleta ouve seu hino.| Foto: Issei Kato/Reuters

São 8 da noite de terça-feira e eu estou ocupado perturbando as associações olímpicas de vários países caribenhos perguntando que hino será executado se um de seus atletas ganhar o ouro em Pequim. "O que você quer saber?", perguntou uma das recepcionistas de um açougue que compartilha o número de telefone do Comitê Olímpico das Ilhas Virgens.

"Eu só queria saber se os seus atletas irão ouvir o Hino das Ilhas Virgens ou o Hino Nacional americano caso ganhem uma medalha de ouro."

"Eu não sei, meu filho. Não iremos ganhar nenhuma medalha de ouro", lamenta a senhora.

Passei as últimas semanas fazendo ligações desse gênero tentando descobrir todos os hinos nacionais com chances de serem tocados na Olimpíada deste ano. Cada um dos 205 hinos. Planejava ouvir todos eles – ao menos a versão instrumental que é normalmente executada nos jogos – com meu ouvido musical e jornalístico e classificá-los para saber por quem deveria torcer. Descobri que não existe uma maneira justa de se avaliar os países musicalmente. Os hinos nacionais são, basicamente, a mesma coisa por todo o mundo – uma peça de música clássica carregada de ufanismo. Eles têm por obrigação serem exultantes e bombásticos e possuírem uma melodia simples o suficiente para ser gritada mesmo que você esteja bêbado em um estádio ou na frente da tevê.

Mal sabia que iria levar mais de um mês para montar a coletânea musical com, precisamente, quatro horas, vinte e seis minutos e vinte e cinco segundos e que a maioria dos hinos seria tão entediante que eu não poderia escutar mais do que cinco por dia para não cometer suicídio. Eu também nem imaginava que criaria um ódio eterno pelo hino nacional da França, "La Marseillaise" (cujas versões são utilizadas por nada menos de sete países), e o britânico "God Save the Queen" (Deus Salve a Rainha), usado por três outras nações.

O que aprendi com tudo isto? Desculpem a franqueza, mas acredito que depois da experiência descobri que, musicalmente, só vale a pena escutar uma dúzia de hinos nacionais e, coincidentemente, os países a que esses hinos pertencem são justamente os que não têm qualquer esperança de ganhar o ouro em Pequim.

Os primeiros hinos nacionais apareceram em 1560, quando a família de William de Orange decidiu que ele precisava de um hino, Het Wilhelmus ("O William"), que ilustrasse suas batalhas pela independência holandesa contra os espanhóis. O hino é uma música pacífica, quase relaxante, motivo pelo qual, acredita-se, nenhuma outra nação criou outro hino nos dois séculos que se sucederam. "God Save the Queen" só foi entoado em 1745, "La Marseillaise" em 1792 e o atual hino da Alemanha, originalmente composto por Haydn, em 1797.

O colonialismo fez com que os hinos nacionais se espalhassem por todo o mundo. Vale lembrar que a maioria deles não foi oficializada antes da década de 1920. A primeira vez que um hino nacional foi executado em jogos olímpicos foi no ano de 1924. Todavia, o colonialismo não conseguiu fazer com que todos os países utilizassem marchas militares como hinos nacionais.

* * * * * * *Senhoras e senhores, todos em pé para ouvir os melhores hinos nacionais desta Olimpíada:

Uruguai

Hino Nacional do Uruguai

Uma das peças de música clássica mais eufórica que já ouvi. Os trompetes tocam vários crescendos que levam a fins falsos – por mais de cinco minutos.

Bangladesh

Amar Shonar Bangla (Minha Bengala – região da Índia – Dourada)

Um hino nacional maravilhoso que mais parece ter sido composto para acompanhar uma volta pelo Rio Sena. Senti a falta da voz de Jacques Brel para cantá-lo.

Tadjiquistão

Hino Nacional do Tadjiquistão

O hino foi composto quando o país ainda fazia parte da URSS e mais parece a trilha sonora dos filmes de James Bond que toca nas situações em que um malvado espião russo está prestes a eliminar a virilidade do célebre detetive com uma faca.

Mauritânia

Hino Nacional da Mauritânia

Uma viagem assustadora ao coração do souk (mercado árabe). A melodia é tão complexa e fora do comum que a maioria dos mauritanos não consegue acompanhá-la e troca as palavras por murmúrios.

Dominica

Isle of Beauty, Isle of Splendour (Ilha da Beleza, Ilha do Esplendor)

Uma melodia simples e espiral que se baseia em repetições por 47 segundos com muitíssima elegância. Não confunda este hino com o da República Dominicana, que, na minha opinião, é uma porcaria.

Ilhas Virgens

Marcha das Ilhas Virgens

Puro Mary Poppins! Um dos pouquíssimos hinos em que se tocam sinos e apitos. Deveria ser a trilha sonora de um filme infantil.

Senegal

Pincez tous vos koras, frappez les balafons (Toquem suas harpas, batam seus xilofones)

Um hino que consegue mencionar dois instrumentos locais não poderia ser mais brilhante. Vale a pena lembrar que a graça do hino reside justamente na execução brilhante desses instrumentos. É musicalmente fantástico.

Nigéria

Arise O Compatriots, Nigeria’s Call Obey (Levantem-se, oh Compatriotas! Obedeçam ao chamado da Nigéria!)

A marcha composta em 1978 pela Banda da Polícia da Nigéria teria tudo para ser horrível. Felizmente, a percussão afro marca presença e faz com que o hino seja fantástico.

Nepal

Rastriya Gaan (Centenas de Flores)

A melodia folclórica executada pelas cordas e tambores parece um bhangra (estilo musical de uma região indiana) mais lento.

É uma pena que provavelmente não possa ser tocado por outros metais, o que impossibilita sua execução fora do Nepal.

Japão

Kimi Ga Yo (Reino Imperial)

Um hino basicamente solene. Ele consegue fazer com que você pense em todos que já se foram. Um hino nacional raramente consegue carregar tanta emoção e peso.

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