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Dezenas de frigoríficos fecharam na Argentina após medidas de restrição às exportações de carne bovina entre 2006 e 2011
Dezenas de frigoríficos fecharam na Argentina após medidas de restrição às exportações de carne bovina entre 2006 e 2011| Foto:

Com o anúncio da suspensão das exportações da carne bovina na Argentina, o setor agropecuário do país reviveu uma amarga lembrança de 15 anos atrás, quando o então presidente Néstor Kirchner bloqueou as exportações do produto por seis meses e começou a implantar uma série de travas à venda internacional que só foram desfeitas anos depois.

De acordo com uma análise recente do engenheiro agrônomo e consultor Andrés Halle, essas medidas, que tinham como objetivo inicial controlar o preço interno do produto, levaram a uma redução de cerca de 20% do rebanho de bovinos na Argentina de 2006 a 2011 – uma queda de quase 12 milhões de cabeças de gado. No mesmo período, a produção de carne registrou uma queda de 21% e o consumo de carne per capita na Argentina caiu 11%. A exportação caiu 69%, o que, segundo Halles, resultou no fechamento de dezenas de frigoríficos e a consequente perda de milhares de postos de trabalho.

Além da suspensão da exportação de carne por seis meses, anunciada em março de 2006, o governo de Néstor Kirchner implementou também um peso mínimo para o abate do gado e aumentou as taxas de exportação para carnes com osso e processadas de 5% para 15%. Para Kirchner, o mercado precisava ser controlado porque os pecuaristas estavam ganhando dinheiro "à custa da fome e do bolso do povo argentino”.

Depois destas medidas, a Argentina, que então era o terceiro maior exportador de carne bovina do mundo, sumiu do ranking dos dez maiores exportadores em 2014. Desde 2015, porém, o setor vem se recuperando e o país hoje só exporta menos carne bovina do que Brasil, Austrália e Índia.

Nesta semana, a Comissão de Articulação de Entidades Agropecuárias (CEEA) da Argentina informou que o custo econômico das políticas dos Kirchner foi de US$ 30,7 bilhões em ativos pecuários em dez anos. Em um primeiro momento, os preços da carne no mercado interno baixaram, mas o rebote veio pouco tempo depois.

“Quando as restrições à exportação foram estabelecidas, entre 2006 e 2015, 10 milhões de cabeças de gado foram perdidas, a produção caiu 18% e os preços aumentaram 300% contra 200% da inflação”, lembrou o economista Juan Ignacio Paolicchi, da consultoria Empiria.

Federico de Cristo, professor da faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Austral (Pilar-Argentina), explicou à Gazeta do Povo por que o preço diminui em curto prazo para depois aumentar.

“A produção da carne tem um ciclo, que é o ciclo de criação e engorda do gado. Quando os produtores esperam que os preços subam, compram mais bezerros e os mantêm para se reproduzir e aumentar o rebanho, de forma que a oferta de carne cai no curto prazo para aumentar o rebanho. Mas com o tempo, o efeito de um aumento na quantidade ofertada é visto uma vez que o aumento do rebanho se estabiliza e permite que mais carne seja oferecida de forma sustentada. Quando o pecuarista espera preços mais baixos, que é o que está sendo induzido hoje na Argentina, ele reduz o rebanho. E a redução do rebanho implica que ele passa a vender mais gado para abate, então no curto prazo a oferta de carne aumenta e o preço diminui, mas é porque o estoque está diminuindo, o que levará ao aumento prolongado de preços”, disse Federico De Cristo, lembrando que há outros fatores que contribuíram para o aumento dos preços da carne no mercado interno argentino ao longo dos anos, como a valorização das commodities e maior custo do arrendamento de terras e do frete.

O governo argentino sabe de tudo isso. Mas ainda assim, optou por esta tática para controlar os preços do mercado interno – Fernández disse que considera o aumento de cerca de 60% no último ano injustificável. Para De Cristo, isso tem um motivo bem específico: as eleições parlamentares, marcadas para outubro.

“O governo está interessado em ganhar as eleições e todas as medidas que está tomando visam chegar a outubro com um sentimento de bem-estar econômico e eleitorado a favor. Quando as consequências chegarem, já teremos votado e eles terão garantido seus cargos”, avaliou.

Rechaço

Como era de se esperar, o setor agropecuário e a oposição argentina criticaram a decisão do governo Fernández de suspender as exportações de carne por 30 dias – também temendo que mais medidas restritivas possam ser implementadas ao setor a partir de agora.

Mas o rechaço também veio de aliados do governo, como o governador peronista de Santa Fé, uma das províncias que será bastante afetada pela medida. "A solução é aumentar a produção e não fechar as exportações. Temos condições de abastecer o mercado interno e externo, mantendo a possibilidade de exportar nossos produtos para o mundo", disse Omar Perrotti, governador de Santa Fé, nesta terça-feira.

Porém, o núcleo duro do kirchnerismo apoiou a suspensão. La Campora, a organização criada por Máximo Kirchner, disse que a medida é válida diante da grande exportação de carne no país e da queda acentuada do consumo interno do produto. "Um melhor desempenho das exportações não pode colidir com a possibilidade de que os argentinos e argentinas levem um prato de comida decente para a mesa", disse a organização em nota.

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