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Vaticano

O que são as “congregações gerais”, reuniões que podem até impulsionar “papabili”

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Cardeal é saudado pela Guarda Suíça enquanto chega para a primeira reunião das "congregações gerais" no Vaticano, em 22 de abril. (Foto: Riccardo Antimiani/EFE/EPA)

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Este conteúdo foi atualizado

O processo de sucessão do papa Francisco à frente da Igreja Católica já enfrentou sua primeira controvérsia. A primeira “congregação geral”, como são chamadas as reuniões preparatórias ao conclave (e que podem impulsionar os favoritos a papa, chamados de papabili), ocorreu já na terça-feira, dia seguinte à morte do pontífice argentino, gerando reclamações de cardeais de regiões mais distantes, que não teriam como chegar a Roma a tempo de participar desta primeira reunião.

O bispo emérito de Hong Kong, cardeal Joseph Zen Ze-kiun, publicou uma nota reclamando da pressa. “O cardeal Zen gostaria de saber por que a primeira sessão das Congregações Gerais começou tão cedo. Como os velhos das periferias chegariam a tempo? Há uma ressalva gentil [na carta convocatória] afirmando que eles não são obrigados a participar, mas eles têm esse direito, sim ou não?”, diz o texto. A referência diz respeito à carta enviada ainda no dia 21 pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, a todos os cardeais, convocando as congregações gerais, afirmando que a primeira reunião ocorreria já no dia 22, e acrescentando que a presença dos cardeais acima de 80 anos (e que, portanto, não votam no conclave) era facultativa – Zen tem 93 anos.

A reclamação do cardeal Zen se torna ainda mais significativa à luz do que ocorreu no conclave anterior. Em 2013, as congregações gerais começaram apenas quatro dias depois que a Sé Apostólica ficou vacante – o pontificado de Bento XVI terminou em 28 de fevereiro, e a primeira congregação geral ocorreu em 4 de março. Além disso, como o papa havia anunciado sua renúncia em 13 de fevereiro, os cardeais que viviam fora de Roma haviam tido duas semanas para se deslocar, ao contrário do que ocorreu agora, com a morte inesperada de Francisco e inúmeros cardeais ainda em viagem. A primeira congregação geral de 2025 contou com cerca de 60 cardeais, a maioria dos quais já residia em Roma.

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Reuniões servem para decidir aspectos práticos da vacância papal e detalhes do conclave

As regras para as congregações gerais estão na constituição Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 1996. O texto não estipula uma data exata para que elas comecem, mas afirma que, uma vez iniciadas, devem ocorrer diariamente – em 2013, chegou a haver mais de uma reunião por dia; na última delas, em 8 de março, anunciou-se que o conclave começaria no dia 12, antes do prazo regulamentar de 15 dias, graças a uma permissão especial estipulada por Bento XVI, uma vez que todos os eleitores já se encontravam em Roma.

Nestas reuniões, os cardeais decidem aspectos práticos do funeral do papa falecido e do conclave – na congregação geral de terça-feira, por exemplo, foi definida a data do funeral e sepultamento de Francisco, marcados para o próximo sábado, bem como a suspensão de todas as beatificações. A segunda congregação geral ocorreu no fim da tarde desta quarta-feira (horário de Roma, começo da tarde no Brasil), e nela foi definido o cronograma das nove missas que serão rezadas pelo papa Francisco após seu sepultamento.

No entanto, as discussões nestes encontros não se limitam apenas a detalhes práticos da sucessão. Os cardeais podem falar livremente (em algumas das congregações gerais de 2013, chegou a haver mais de 100 intervenções por parte de quase 20 cardeais) e, à medida que as questões operacionais são resolvidas, o debate se encaminha para temas que os cardeais consideram importantes para a Igreja Católica – a chamada “Nova Evangelização”, por exemplo, foi tópico importante ao longo das congregações gerais de 2013. Há liberdade inclusive para discutir as expectativas dos cardeais a respeito de como deveria ser o próximo papa.

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Fala de 4 minutos é vista como momento importante para a eleição de Francisco

Em 2013, o então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, fez um breve discurso de 4 minutos durante uma das congregações gerais, e que chamou a atenção dos demais eleitores, a ponto de, segundo informações de bastidores da época, ter colocado o argentino como um forte candidato naquele conclave. Essa intervenção seria o equivalente da homilia de Joseph Ratzinger na missa pro eligendo pontífice de 2005, e que também ressoara com força entre os cardeais que escolheriam o sucessor de João Paulo II.

Normalmente, os conteúdos das intervenções são mantidos em segredo, mas o cardeal-arcebispo de Havana, Jaime Lucas Ortega y Alamino, havia gostado tanto da fala que pediu uma cópia a Bergoglio; como o discurso tinha sido feito de improviso, o argentino entregou algumas anotações. Após a eleição de Francisco, o cubano conseguiu permissão do pontífice para divulgar essas notas. Nelas, Bergoglio afirmava que “a Igreja é chamada a sair de si mesma e ir às periferias, não apenas as geográficas, mas as existenciais”. Uma Igreja que não faz isso se torna “autorreferencial” e “doente”, como a mulher curvada cuja cura é narrada no capítulo 13 do Evangelho de São Lucas. “A Igreja autorreferencial mantém Jesus Cristo trancado dentro nela e não O deixa sair”, disse o então cardeal.

Sobre o perfil do próximo papa, Bergoglio disse que ele “deve ser um homem que, a partir da contemplação e adoração de Jesus Cristo, ajude a Igreja a sair para as periferias existenciais, que a ajude a ser a mãe frutuosa que recebe a vida da ‘doce e reconfortante alegria da evangelização’”. O discurso, embora bastante curto, trazia muitos temas que se tornariam fundamentais no pontificado de Francisco: a “Igreja em saída”, as “periferias existenciais”, o “mundanismo espiritual” e a “Igreja autorreferente”. Um ano após a eleição de Francisco, em 2014, o ex-secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, também descreveu esse discurso como um momento marcante das congregações gerais que antecederam o conclave de 2013.

Atualização

O texto foi atualizado com a informação sobre a segunda congregação geral, na tarde de quarta-feira.

Atualizado em 23/04/2025 às 22:25

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