Ao conceder o Prêmio Nobel de Literatura ao escritor peruano Mario Vargas Llosa, a Academia Sueca reconhece que a literatura latina tem outras possibilidades além do conhecido realismo mágico. Afinal, o colombiano Gabriel García Márquez, contemplado com o Nobel em 1982, é um dos representantes máximos dessa vertente na qual a realidade é apenas o ponto de partida para as situações as mais inacreditáveis possíveis. Llosa, por sua vez, é quase um contraponto a Márquez.
O romance A Guerra do Fim do Mundo é uma recriação do conflito de Canudos, o qual colocou o exército em pé de guerra com sertanejos nordestinos no fim do século 19. Em A Festa do Bode, o escritor também traçou um painel dos conflitos do continente, e há até descrições do Malecon, avenida beira-mar de Santo Domingo, capital da República Dominicana, país que se tornou por décadas o quintal do ditador Rafael Leónidas Trujillo(o "bode" do enredo).
De fato, Gabo (como Márquez também é conhecido) e Llosa são duas faces de uma mesmo continente. Mais que isso: os dois foram amigos, mas, reza a lenda, trilharam caminhos opostos. O motivo da discórdia, dizem as línguas mais ferinas do Ocidente, seria uma formosa mulher, pela qual os dois se interessaram ao mesmo tempo. Fofocas à parte, Gabo flertou mesmo foi com aquilo que um dia chamaram de "esquerda", enquando Llosa parece ter mais simpatia pelo que outros definem de "direita".
Agora, politicamente falando, o fato de a Academia Sueca dar o Nobel de Literatura a Llosa representa muito, mas muito mais do que o cheque de US$ 1,5 milhão que ele vai embolsar.
O escritor disputou a Presidência do Peru, em 1990, e foi derrotado por Alberto Fujimori.
Se a população peruana optou pelo candidato que se traduziu, na prática, em opressão e atraso, os jurados de um dos mais importantes prêmios literários do mundo escolheram, agora, a voz que, durante toda uma vida, teve como ponto de partida a ideia-força da liberdade, e ainda um raro talento capaz de reinventar pela palavra escrita, por exemplo, a desmedida sensualidade possível das noites quentes de Lima.
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