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Autoridade tira cubano da água: interceptados voltam para Cuba. | Petty Officer 3rd Class Ashley J/U.S. Coast Guard District 7 PADE
Autoridade tira cubano da água: interceptados voltam para Cuba.| Foto: Petty Officer 3rd Class Ashley J/U.S. Coast Guard District 7 PADE

Em 14 de setembro do ano passado, Antonio Cárdenas e oito cubanos empurraram mar adentro uma balsa feita com sucata, ligaram seu motor, que era de um trator, e desapareceram na noite. Poucos dias depois, começaram os rumores em Camagüey. Uma balsa destroçada havia chegado à costa, sem passageiros à vista, contou um vizinho. Agentes do governo norte-americano detiveram um grupo de balseiros, disse outro.

4,5 mil

cubanos chegaram ao território norte-americano em balsas, foram interceptados pela Guarda Costeira no mar ou flagrados enquanto tentavam ir aos Estados Unidos, no ano de 2015 até o fim de setembro. No total, a Guarda Costeira interceptou mais gente no mar entre os EUA e Cuba que em nenhum outro ano desde 1994.

Olea Lastre fez a conta: o motor poderia levar seu marido, seu filho, seu genro e outros acompanhantes pelo menos 16 quilômetros ao dia. Eles deveriam levar, no máximo, dez dias até a Flórida.

“Eu pensava se meu papai estaria passando frio”, disse Yusneidi Cárdenas, com a voz embargada. “Pensava que nem sabiam como nadar.”

No décimo dia, às 4 h da manhã, Lastre se ajoelhou e rezou. Sabia que, se não escutasse naquele dia que os homens haviam sobrevivido, enlouqueceria.

Nesta tarde tocou o telefone. As mulheres gritaram. Tinham chegado a salvo.

Um ano depois, ela e os entes queridos que os homens deixaram para trás se perguntam quanto tempo levará antes que possam voltar a se reunir nos Estados Unidos. A distância que os separa é grande e, em alguns aspectos, está aumentando.

É triste e difícil. Dá sede, fome, medo, porque não se vê nada, só água por todo lado. E não é um barco de verdade, só um pouco de ferro.

Yoanni Guerra Garridoque tentou ir aos EUA três vezes pelo mar. Em cada tentativa, Guerra foi detido e ele e sua mulher foram multados em US$ 3 mil.

Os Cárdenas são parte de uma onda imigratória que não se vê há ao menos uma década. Nos últimos dois anos, calcula-se que 100 mil cubanos tenham ido aos Estados Unidos, legal ou ilegalmente, segundo números compilados de diversos órgãos do governo norte-americano. É um patamar importante, para uma ilha de 11 milhões de habitantes. A maioria viaja para outro país da América Latina e depois faz o perigoso percurso por terra até a fronteira entre México e Estados Unidos. Milhares conseguem vistos de reunificação familiar e viajam diretamente para os EUA. Os que não têm familiares nos EUA, nem dinheiro, tentam chegar em balsas, pelo mar.

A partida de cubanos começou a aumentar quando o governo comunista eliminou o requisito das autorizações de saída e aumentou ainda mais quando Washington e Havana anunciaram, no fim de 2014, planos para acabar com 50 anos de hostilidades. Os cubanos temem que, com o degelo entre as duas nações, os benefícios imigratórios ao chegar aos EUA sejam limitados ou mesmo revogados.

Expectativas frustradas

A partida de tanta gente exacerbou o êxodo de trabalhadores e acelerou a divisão nas famílias. Nos bairros, são constantes as conversas sobre os que se foram.

Os moradores do condomínio Mar Azul de Key Biscayne, na Flórida, tiraram fotos com seus telefones quando Antonio Cárdenas e seus oito acompanhantes levaram sua balsa até terra firme, deixando um rastro de diesel.

Os homens saltaram da balsa e correram até a praia, cientes de que a política norte-americana, vigente desde a década de 1990, é de que os interceptados no mar sejam devolvidos a Cuba, enquanto quase todos os que chegam em terra firme podem ficar nos EUA.

O plano era simples, ao menos no papel: chegariam aos EUA, conseguiriam residência legal em um ano e, como fizeram tantos outros cubanos, levariam o resto da família. Em poucas semanas, os homens já trabalhavam em Miami e enviavam pequenas somas a Cuba. A primeira aquisição importante que fizeram foi de telefones celulares para toda a família.

Para Yusneidi Cárdenas, o telefone era particularmente importante. Estava criando sozinha um filho de dois anos e não queria que Daikiel se esquecesse de seu pai, Maikel.

Sete meses depois de sua chegada à Flórida, Cárdenas recebeu 38 mensagens de texto de uma mulher que dizia que ela e Maikel haviam se conhecido no Facebook e tinham começado uma relação. “Colocou que era solteiro e conheceu uma mulher”, conta Cárdenas. Nesta noite, disse a mulher, teve uma breve conversa com Maikel, que lhe confirmou que estava com outra e desligou o telefone. Desde então não buscou falar com ela de novo e o filho deixou de perguntar por seu pai.

É triste e difícil. Dá sede, fome, medo, porque não se vê nada, só água por todo lado. E não é um barco de verdade, só um pouco de ferro.

Yoanni Guerra Garrido que tentou ir aos EUA três vezes pelo mar. Em cada tentativa, Guerra foi detido e ele e sua mulher foram multados em US$ 3 mil.
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