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Mapa do Oriente Médio | Pixabay
Mapa do Oriente Médio| Foto: Pixabay

Certo humor brutal está circulando no mundo árabe. Um meme popular no Twitter, proveniente da região do Magreb, no Norte da África, e titulado "malote diplomático saudita", mostra uma caixa de madeira recheada de serras, brocas e cinzéis. Outro, um vídeo de madeireiros usando serras elétricas e machados, é rotulado de "competição pelo melhor embaixador da Arábia Saudita".

Entretanto, nos altos escalões dos governos regionais poucos estão rindo, já que a Arábia Saudita e seu príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (MBS), enfrentam o que pode ser a ameaça mais séria para o poder e estabilidade do reino em uma geração. 

Muitos tem se preocupado com a ambição do príncipe. Outros se ressentem do domínio e da riqueza sauditas. Quase todos estão chocados com a pouca dúvida em relação ao oficialmente autorizado assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, na Turquia. 

Mas o que mais preocupa os árabes, segundo autoridades regionais e especialistas, é o que eles veem como o perigo para sua própria estabilidade e segurança, caso o status da Arábia Saudita - e seus laços estreitos com os Estados Unidos - seja seriamente prejudicado. 

"A situação é um dilema para a região por causa da incerteza de como isso afetará o relacionamento com os EUA a longo prazo", disse um alto funcionário de um país do Golfo Pérsico, um dos vários que falaram sob a condição de anonimato sobre a questão sensível 

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Enquanto a administração Trump compila o que o secretário de Estado, Mike Pompeo, na terça-feira chamou de seu "conjunto de dados" sobre o que exatamente aconteceu com Khashoggi e analisa como responder totalmente, a preocupação regional está aumentando. 

Se o governo Trump decidir ou for pressionado pelo Congresso e pela opinião pública a se afastar seriamente de sua aliança com Riad, "nossa segurança está em risco", disse o funcionário do golfo. "O Irã poderá ver outra oportunidade para desestabilizar". 

Nem todo país árabe está satisfeito com os aspectos das políticas de Donald Trump em relação ao mundo árabe. A maioria compartilha a antipatia em relação à Irmandade Muçulmana, principal estimuladora do islamismo político ma região. Alguns são mais infelizes do que outros na inclinação pró-Israel do governo Trump, e seu relacionamento ascendente e descendente com a Turquia não árabe é observado de perto. 

Mas, com poucas exceções, a determinação de Trump em reprimir o Irã, depois do que foi considerada a postura branda do governo Obama em relação a seu rival regional, foi recebida com alívio. E para o bem ou para o mal, Trump escolheu a Arábia Saudita como seu principal interlocutor e principal aliado árabe no confronto com Teerã. ï»¿

Sob o atual governo, a Arábia Saudita é o "pilar" em torno do qual a relação árabe com os Estados Unidos está ancorada. "Quem mais [na região] vai liderar?", questionou um funcionário do governo de um outro país do Oriente Médio. 

Os apoiadores

Os Emirados Árabes Unidos, o parceiro mais próximo do Golfo Pérsico da Arábia Saudita, competiram com Riad como o parceiro militar mais confiável da região e desdenharam privadamente as táticas sauditas na guerra do Iêmen contra os rebeldes apoiados pelo Irã. Os dois países estão envolvidos nesse conflito. 

Mas em uma série de tuites em árabe na semana passada, Anwar Gargash, ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos, lembrou que a Arábia Saudita, onde estão alguns dos locais mais sagrados do Islã, bem como uma parte substancial do petróleo do mundo, é importante todos eles. 

"Do ponto de vista dos filhos do golfo árabe e da região", escreveu ele em 16 de outubro, "a presença saudita é vital para a estabilidade e o desenvolvimento em uma atmosfera conturbada e difícil. As crises passageiras não mudarão essa realidade." 

Três dias depois, Gargash tuitou que a região "depende da Arábia Saudita [e] tudo o que representa politicamente, economicamente e religiosamente". Havia uma diferença, disse ele, entre a importância de se chegar à verdade sobre Khashoggi, "e atingir Riyadh e seu papel". 

Mesmo no Magreb, onde as tensões com os sauditas surgiram desde que o rei Salman promoveu seu filho como herdeiro e "todo mundo está indignado" com a situação de Khashoggi, "a questão é se os EUA tentarão salvar a relação com a Arábia sem MBS, ou tentarão salvar o relacionamento com os sauditas e com o MBS ", disse uma autoridade do norte da África, referindo-se ao príncipe herdeiro por suas iniciais. 

Como Khashoggi não conseguiu sair de uma visita agendada ao consulado em Istambul em 2 de outubro, a história da Arábia Saudita mudou repetida e radicalmente. 

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O que começou com total negação - e insistência de que ele deixou o consulado sob seu próprio controle - tornou-se, em um comunicado de sábado de Riad, uma admissão de que ele foi morto em uma "briga" no consulado durante uma operação "desonesta" da Arábia Saudita que Mohammed não sabia nada sobre. As prisões foram feitas, segundo o comunicado, e as investigações continuam. 

A declaração trouxe novas expressões de apoio na região. Barein, a pequena nação insular no Golfo Pérsico cuja monarquia foi defendida pelos militares sauditas durante a Primavera Árabe, elogiou as “diretrizes sábias e decisões sãs e rápidas" dos líderes sauditas. 

"O Barein reitera sua forte solidariedade com a Arábia Saudita em todas as suas posições e medidas e rejeita totalmente qualquer tentativa que vise sua segurança, soberania e estabilidade", disse o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado. 

O governo do Kuwait elogiou o anúncio "transparente" da Arábia Saudita e pediu à comunidade internacional que se abstenha de interferir no "caso delicado até que a investigação seja concluída e os fatos revelados". Elogiou o papel da Arábia Saudita na manutenção da paz e estabilidade regionais. 

O Egito e a Jordânia, ambos dependentes do apoio econômico saudita, emitiram declarações de apoio. O rei da Jordânia, Abdullah 2°, sentou-se ao lado do príncipe herdeiro na terça-feira, na abertura de um fórum de investimentos em Riad, que executivos no Ocidente decidiram boicotar.

Os críticos 

Entre os países do Golfo, apenas o Catar - envolvido em uma disputa acirrada com a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Barein e Egito, que cobram, entre outras coisas, a sua proximidade do Irã e da Irmandade Muçulmana - se manifestou contra Riad. 

Lolway al-Khatar, porta-voz do Ministério do Exterior do Catar, disse em uma conferência em Londres que o caso Khashoggi deveria ser um "alerta" para o mundo. Observando que Mohammed no ano passado autorizou o sequestro do primeiro-ministro do Líbano e criticou o Canadá por um tuíte que criticava a situação dos direitos humanos do regime de Riad, ela disse que agora "as pessoas [começaram] a entender o que está passando." 

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Mas o único país que provavelmente ficará feliz com a crise de Khashoggi, que ainda está andamento é o Irã. Desde o início, os líderes religiosos e políticos de lá ficaram visivelmente reticentes, aparentemente contentes em recuar e observar a posição saudita se desenrolar. 

Foi somente na segunda-feira, depois que a declaração oficial saudita reconheceu a morte de Khashoggi, que uma importante autoridade iraniana quebrou o silêncio. "Este hediondo assassinato revelou ainda mais a natureza dos sauditas, seu reino e aquele jovem que está buscando fama e assassinando pessoas inocentes", disse o chefe do judiciário iraniano Sadegh Amoli Larijani em uma aparente referência ao príncipe herdeiro, segundo a AFP. 

O mundo, ele disse, deve entender a gravidade do "terrorismo de Estado saudita".

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