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A ofensiva russa na região do Cáucaso é uma volta às políticas da defunta União Soviética por delimitações de áreas de influência. Embora a Guerra Fria tenha findado em 1991, o atual conflito entre Rússia e Geórgia resulta de resquícios daquele período. A origem está na implosão soviética e na independência da Geórgia, que não permitiu o desmembramento de seu território para que a Ossétia da Sul permanecesse na Rússia.

A perspectiva de uma guerra entre a Rússia e a Geórgia, a mais forte aliada dos Estados Unidos (EUA) no ex-bloco soviético, ganhou contornos evidentes quando o presidente georgiano Mikhail Saakashvili candidatou seu país a ingressar na Otan, ciente de que a Rússia jamais aceitaria a presença de uma aliança militar potencialmente hostil em seu domínio estratégico. Entretanto, os planos ocidentais se confrontariam com a ascensão econômica da potência russa que, além da sua capacidade de destruição nuclear, tornou-se essencial para o suprimento europeu de gás natural e petróleo.

Quando, em 17 de fevereiro de 2008, patrocinado pela Otan e confrontando a Sérvia – aliada histórica da Rússia – o Kosovo declarou sua independência, os aplausos ocidentais feriram o orgulho russo. A resposta veio na promessa de condição similar para as regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abkhásia.

Na noite do dia 7 de agosto, com o objetivo de reintegrar territorialmente a Ossétia do Sul, a Geórgia promoveu, sem o aval explícito dos EUA, uma invasão surpresa. Num erro estratégico, Saakashvili presenteou os russos com o desejado pretexto para justificar uma ofensiva na região. A Rússia respondeu energicamente, com um vigor militar redescoberto.

Ciente da impossibilidade de vencer tal guerra, a ação da Geórgia consistiu numa tentativa de atrair a atenção ocidental. Esperava-se, talvez, uma intervenção da Otan semelhante à que aconteceu no Kosovo. A diferença está na situação geográfica da Sérvia, encravada na Europa, e na imagem ultrapassada de impotência da Rússia – devastada pela queda do bloco comunista. Resta que Saakashvili claramente superestimou o apoio ocidental ao conflito.

Relembrando os idos da Guerra Fria, o Conselho de Segurança da ONU, foro multilateral de governança, ficou paralisado diante do episódio, já que a Rússia figura como um dos seus membros permanentes com direito de veto.

Após seis longos dias, necessários para garantir a esterilização militar da Geórgia, cessaram as hostilidades. Fragilizados em virtude da intervenção no Iraque, no Afeganistão, e da querela com o Irã, os EUA deram provas do quanto necessitam do apoio russo. Humildemente, abstiveram-se de apontar os culpados e sua reação limitou-se ao repatriamento dos 2 mil soldados georgianos no Iraque e ao anúncio de uma "assistência humanitária" para a Geórgia, sem maior envolvimento no conflito.

A Geórgia foi acusada de genocídio e constrangida a aceitar um plano de cessar-fogo arquitetado pela União Européia e pela própria Rússia, atendendo às exigências desta.

O conflito do Cáucaso está delineando o futuro da influência russa sobre as ex-repúblicas soviéticas, tendentes a buscar uma aproximação cada vez maior com o Ocidente. Palco de uma batalha entre Leste e Oeste pelo controle da região, acirrada por interesses econômicos, trata-se talvez do cenário mais perigoso desde o fim da Guerra Fria. O resultado foi uma derrota para norte-americanos e europeus, confrontados com a nova realidade russa e obrigados a repensar sua relação com a Geórgia.

Chegou ao fim o tempo em que a Otan interveio militarmente na guerra do Kosovo e em que os EUA lideraram a invasão militar do Iraque, desafiando a ONU, sem reações internacionais preocupantes. Resta saber como será a natureza dos futuros embates do Ocidente no antigo espaço soviético, diante do renascimento de uma Rússia ávida por demonstrar sua nova condição.

A autora é doutora em Direito Internacional pela USP e professora de Direito Internacional da Unibrasil.

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