• Carregando...

Depois que os homens armados do Talibã mataram dezenas de crianças em uma escola de Peshawar, em dezembro, os dois homens mais poderosos do Paquistão fizeram uma reunião de emergência. E a linguagem corporal de ambos, registrada pela foto oficial, era reveladora: o primeiro-ministro Nawaz Sharif estava abatido e visivelmente incomodado, enquanto que, ao seu lado, o general Raheel Sharif, chefe do Exército, se mostrava confiante.

Muitos consideraram o simbolismo revelador e inconfundível. Depois de um ano tumultuado, o governo de Sharif pode até funcionar, estendendo para sete anos o regime civil no país, mas a verdade é que quem controla o Paquistão são os generais.

Sob Sharif, que assumiu o posto no final de 2013 e não tem parentesco com o primeiro-ministro, o Exército mudou sua postura, sobrepujando o governo em uma série de confrontos e trocas públicas de farpas, levando seus críticos à imprensa para esclarecimentos e ganhando amplo apoio para a luta contra os militantes islamitas em seu reduto tribal.

E agora comemora aquela que pode ser a vitória mais significativa de todas, permitindo a entrada dos generais em uma instituição que há anos os mantinha isolados: o judiciário paquistanês.

Uma emenda constitucional aprovada recentemente pelo Parlamento permite que tribunais militares especiais julguem os suspeitos de militância islamita, abrindo caminho para um processo judicial que pode levar os réus da prisão à execução em questão de semanas.

Reagindo à revolta popular causada pelo atentado em Peshawar, o Exército anunciou a criação de nove tribunais. "Está aí para quem quiser ver; quem dá as ordens é o Exército", diz o advogado Salman Raja.

Entre os analistas e especialistas legais a medida causa preocupação por causa da redução dos direitos fundamentais, das decisões paralelas ao judiciário civil e da perspectiva de poder irrestrito aos soldados em um país com um longo histórico de golpes militares.

Só que, desta vez os generais nem tiveram que usurpar o poder, pois ele lhe foi praticamente entregue de bandeja.

Grande parte do sistema político apoia os tribunais militares – até mesmo o Partido Popular do Paquistão, oposição que há tempos se apresenta como bastião contra o militarismo excessivo. Muitos de seus membros, aliás, pareciam ansiosos ao votarem contra sua consciência para apoiar a medida; alguns choravam abertamente. "Uma parte de mim morreu hoje", lamentou Aitzaz Ahsan, o líder do partido no Senado.

E, no entanto, a votação foi em frente – segundo os críticos, indício inegável de uma classe política que parecia admitir não só a falência do sistema judiciário, mas também sua incapacidade de reformá-lo.

O Exército prometeu que não vai abusar de seus novos poderes processando políticos, jornalistas ou ativistas, como aconteceu nos ano 80, pois o mandato dos novos tribunais expira após dois anos e os julgamentos estão sujeitos à supervisão civil.

Ainda assim, depende muito do General Sharif, cujo prestígio cresceu drasticamente no último ano. Sua popularidade é, em parte, produto de fatores externos: para começar, ele se aproveitou dos erros do primeiro-ministro, que quase sempre escorrega em suas interações com o Exército.

Poucos duvidam da necessidade de reforma do sistema de justiça criminal paquistanês que, salvo exceções, praticamente nunca conseguiu penalizar a liderança militante. Para isso, os tribunais especiais oferecem uma solução curta e precisa: casos decididos em uma semana, usando padrões de evidências mais baixos que os das cortes civis.

Mais importante ainda é o fato de que o péssimo histórico de violação de direitos humanos não é exatamente boa referência do Exército como guardião da justiça.

Segundo grupos ativistas, centenas de suspeitos estão detidos em prisões secretas por todo o país, onde a tortura e as execuções extrajudiciais são comuns. A mesma tática brutal faz parte da estratégia de repressão sobre os separatistas da província do Baluquistão.

E não há garantias de que o ressentimento gerado por um sistema rápido, mas excessivo, não resulte em represálias tão violentas quanto o atentado de Peshawar.

"Lembrem-se de que para cada ação há uma reação. Vocês tiraram nossos prisioneiros e os mataram de forma covarde", afirmou o líder do Talibã no Paquistão, Maulana Fazlullah, em vídeo que mostra o massacre de Peshawar como retaliação ao abuso de detentos talibãs.

Em meio ao clamor de vingança pela tragédia, os especialistas temem que o foco na justiça expedita esteja adiando um debate extremamente necessário e urgente sobre uma questão fundamental: o apoio arraigado à militância em uma parte significativa da sociedade paquistanesa.

"Os tribunais podem condenar as pessoas à prisão, mas ninguém tem uma resposta para isso", afirmou Zaffar Abbas, editor do jornal de língua inglesa Dawn.

Contribuiu Salman Masood

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]