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Armênios étnicos deixam Nagorno-Karabakh: diante da inação russa, o Azerbaijão resolveu uma disputa de mais de 30 anos em apenas um dia
Armênios étnicos deixam Nagorno-Karabakh: diante da inação russa, o Azerbaijão resolveu uma disputa de mais de 30 anos em apenas um dia| Foto: EFE/EPA/ANATOLY MALTSEV

No intervalo de apenas um dia, o Azerbaijão resolveu uma disputa de mais de 30 anos, ao lançar no último dia 19 uma ofensiva militar em Nagorno-Karabakh, um enclave separatista dentro do seu território onde moravam cerca de 120 mil armênios étnicos.

A região havia motivado duas guerras desde o fim da União Soviética e a disputa chegou ao fim agora, com a rendição dos separatistas.

O líder do enclave, Samvel Shakhramanyan, anunciou na quinta-feira (28) que Nagorno-Karabakh deixará de existir como um Estado autoproclamado a partir de 1º de janeiro de 2024.

Enquanto isso, a limpeza étnica sonhada pelo Azerbaijão ganha impulso: cerca de 93 mil residentes do enclave haviam deixado a região até sexta-feira (29).

O primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, disse que “nos próximos dias não haverá mais armênios em Nagorno-Karabakh”. O Azerbaijão sustenta que se trata de um movimento voluntário e que não há deslocamento forçado na região.

O episódio expôs um fato: a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), uma espécie de “OTAN da Rússia”, é simplesmente um fiasco.

A OTSC foi criada em 1992, logo após o fim da União Soviética, como Forças Armadas Unificadas, planejada como uma espécie de sucessora do Pacto de Varsóvia, a aliança militar dos países comunistas do leste europeu que se contrapunha à OTAN durante a Guerra Fria.

Composta atualmente por Rússia, Belarus, Armênia, Quirguistão, Tajiquistão e Cazaquistão (Azerbaijão, Geórgia e Uzbequistão já fizeram parte da aliança, mas se retiraram), a OTSC agiu apenas uma vez invocada pelo artigo 4 do Tratado de Segurança Coletiva, que prevê que um ataque armado a um Estado-membro é um ataque ao bloco todo.

Em janeiro de 2022, para reprimir manifestações no Cazaquistão que a princípio eram relativas ao preço do gás natural e depois passaram a abranger a necessidade de reformas no país, a OTSC enviou 2,5 mil soldados.

Ou seja: a única vez que a “OTAN da Rússia” agiu, foi para resolver um problema interno de um país-membro, e não em resposta a uma agressão externa (o governo cazaque alegou que os protestos eram atos “terroristas”).

Enquanto isso, nos últimos meses, a Armênia vinha reclamando que a Rússia vinha se afastando do compromisso de protegê-la do vizinho Azerbaijão, que tem capacidade militar maior.

Em setembro do ano passado, quando ocorreram conflitos na fronteira entre os dois países, a Armênia invocou o artigo 4 do Tratado de Segurança Coletiva, mas seu pedido por ajuda militar não foi atendido. A situação gerou revolta entre os armênios e o presidente do Parlamento do país, Alen Simonyan, chamou a aliança militar de “arma que não dispara”.

Moscou também deveria assegurar a livre circulação entre a Armênia e Nagorno-Karabakh, por meio de uma estrada conhecida como Corredor de Lachin, mas desde o final do ano passado o Azerbaijão vinha bloqueando essa ligação, o que dificultava a entrega de alimentos, medicamentos e outros itens.

Devido à insatisfação com a negligência russa, Nikol Pashinyan vinha buscando alternativas à proteção do Kremlin: a Armênia anunciou que vai ratificar integralmente o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), o que a obrigaria a prender Putin caso este viaje ao país (o presidente russo tem contra si uma ordem de prisão emitida pela corte), e realizou este mês um exercício militar conjunto com os Estados Unidos.

Os dois movimentos geraram protestos do Kremlin. Por fim, veio a ofensiva do Azerbaijão em Nagorno-Karabakh, e Moscou simplesmente não respondeu – vale lembrar que a presença de “russos étnicos” supostamente reprimidos no leste da Ucrânia foi uma das justificativas do presidente russo, Vladimir Putin, para invadir o país vizinho.

Pashinyan acusou Moscou de não intervir por não querer desagradar o Azerbaijão e o seu aliado próximo, a Turquia, por questões estratégicas. Na prática, essa inércia tirou a razão de ser da OTSC e escancarou um fato: a Rússia não é um aliado confiável, como escreveu num artigo recente Ben Dubow, membro do Centro de Análise de Política Europeia (Cepa, na sigla em inglês).

Outros países da aliança militar encabeçada por Moscou estão começando a perceber isso também.

“O Quirguistão e o Cazaquistão, também membros da OTSC, interpretaram o conflito [em Nagorno-Karabakh] com o olhar de um triunfo túrquico sobre os seus inimigos – um prêmio de consolação para a Rússia. [Mas] O Quirguistão certamente ainda se lembra dos confrontos fronteiriços do ano passado com o Tajiquistão e da subsequente inação russa”, disse Dubow.

“A decisão da Armênia de diminuir a sua dependência da segurança oferecida pela Rússia agora provavelmente será imitada [pelos demais membros da OTSC], independentemente da orientação do Kremlin”, acrescentou.

O Cazaquistão, desde o ano passado, também tem se afastado da Rússia: criticou a guerra na Ucrânia e se negou a reconhecer referendos promovidos pelo Kremlin para anexar quatro regiões ucranianas.

Na última quinta-feira, o presidente Kassym-Jomart Tokayev, após encontro em Berlim com o chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que o seu país “seguirá o regime de sanções” do Ocidente, ou seja, não ajudará a Rússia a contornar as medidas impostas pelos aliados da Ucrânia como retaliação pela guerra. A “OTAN da Rússia”, após uma história sem muitos resultados práticos, parece perto do fim.

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