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Catedral São Paulo, a igreja matriz da Diocese de Pittsburgh, em 15 de agosto de 2018, na Pensilvânia | JEFF SWENSEN/AFP
Catedral São Paulo, a igreja matriz da Diocese de Pittsburgh, em 15 de agosto de 2018, na Pensilvânia| Foto: JEFF SWENSEN/AFP

A Procuradoria-geral da Pensilvânia divulgou nesta terça-feira (14) um relatório em que acusa mais de 300 padres de abuso sexual contra mais de mil menores, em crimes encobertos durante sete décadas pela Igreja Católica. Os religiosos estão sendo chamados de “padres predadores” pelo procurador-geral do estado, Josh Shapiro. 

O documento, que tem cerca de 1.400 páginas, detalha 70 anos de conduta indevida de bispos, padres e outros integrantes da igreja. Os investigadores afirmam que pode haver mais vítimas. 

A investigação durou 18 meses e foi conduzida por Shapiro em seis das oito dioceses do estado – Harrisburg, Pittsburgh, Allentown, Scranton, Erie e Greensburg. As duas que ficaram de fora, Filadélfia e Altoona-Johnstown, já foram alvo de outras apurações. 

“Analisamos e revisamos cerca de 500 mil páginas de documentos internos das dioceses. Eles continham alegações críveis contra cerca de 300 padres predadores”, afirmou o procurador-geral. 

“Mais de mil crianças eram identificáveis, a partir dos próprios registros da igreja. Nós acreditamos que o número real – de menores cujos registros foram perdidos ou que tiveram medo de vir a público – esteja nos milhares.” 

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Em um dos casos relatados, um padre teria violentado uma menina num hospital após ela remover suas amídalas. Em outro, um padre teve autorização para continuar no ministério depois de engravidar uma adolescente de 17 anos, falsificar a assinatura em uma certidão de casamento e, depois, se divorciar da jovem. 

Segundo o procurador, o relatório detalha “um acobertamento sistemático por autoridades sêniores da igreja na Pensilvânia e no Vaticano”. Os religiosos teriam sido protegidos dentro da estrutura da igreja e, em alguns casos, foram até promovidos. 

Shapiro diz que, por causa do acobertamento, quase todo caso de abuso encontrado é muito antigo para servir como base de um processo.  

A divulgação do documento foi adiada após tentativas de membros da Igreja Católica impedirem que o relatório se tornasse público, alegando ser uma violação de seus direitos constitucionais. Em julho, porém, a suprema corte da Pensilvânia ordenou que o resultado da investigação fosse liberado, mas sem alguns nomes e detalhes que pudessem ajudar a identificar os religiosos. 

Nos EUA, não houve uma investigação ampla sobre abuso sexual cometido por membros da Igreja Católica contra menores, como ocorreu na Austrália. No país, uma comissão passou quatro anos analisando crimes perpetrados contra crianças por autoridades de várias religiões e instituições civis. 

No mês passado, o cardeal Theodore McCarrick, uma figura proeminente da Igreja Católica nos EUA e que ocupou o posto de arcebispo em Washington, renunciou após ser acusado de abuso sexual contra menores e adultos por décadas. 

Cartilha

Os 300 "padres predadores", segundo os investigadores, seguiam uma espécie de código de conduta não oficial para enterrar os casos e abafar o escândalo.

As práticas foram compiladas com a ajuda de especialistas em análise comportamental do FBI (polícia federal americana), que identificaram as principais estratégias usadas pelos abusadores, no que o relatório chama de "cartilha para esconder a verdade". "O objetivo principal não era ajudar as crianças e sim evitar escândalo", afirmam os investigadores. "Em todos os lugares, vimos o mesmo desdém perturbador para com as vítimas."

O documento compila oito estratégias. A principal delas era não avisar à polícia. "Abuso sexual contra crianças, mesmo que não tenha penetração, é e foi crime por todo período relevante. Mas não trate isso dessa forma; lide com isso como se fosse um assunto pessoal, 'dentro de casa'."

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Outra recomendação era que os padres adotassem eufemismos, em vez de expressões claras, para descrever os ataques nos documentos arquivados. Em vez de estupro, contato inapropriado.

Para dar a impressão de que a diocese estava lidando com os casos, os padres deveriam ser encaminhados para "avaliação" em centros de tratamentos psiquiátricos dirigidos pela igreja. Lá, especialistas deveriam "diagnosticar" se o padre era pedófilo, baseado principalmente nos relatos do abusador.

Se a diocese decidisse remover um padre por causa do escândalo que a conduta dele poderia causar, não deveria explicar os motivos. Os paroquianos saberiam apenas que o clérigo estava em licença para cuidar da saúde ou sofrendo de "exaustão nervosa".

Os investigadores identificaram casos em que, décadas atrás, agentes da lei ficaram sabendo dos ataques, apesar dos esforços das dioceses para ocultar os episódios. No entanto, decidiram deixar a igreja lidar com a situação.

Casos

O documento detalha episódios em algumas dioceses. Em Allentown, por exemplo, um padre foi confrontado com uma queixa de abuso.

Ele pediu ajuda por ter molestado o menino, mas a hierarquia católica concluiu que "a experiência não vai necessariamente ser um trauma horrendo" para a vítima. O clérigo continuou no ministério por muitos anos.

Em Erie, um padre confessou estupro anal e oral de ao menos 15 meninos, um deles de 7 anos. O bispo mais tarde encontrou o abusador e ressaltou sua "candura e sinceridade". Ele também elogiou "o progresso que ele fez" ao controlar seu "vício". Anos depois, quando o padre foi excomungado, o bispo ordenou que o motivo não fosse revelado.

Já na diocese de Harrisburg, um padre abusou de cinco irmãs. Além da agressão sexual, ele coletou mostras da urina, do pelo pubiano e de sangue menstrual das meninas.

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