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Direito à nacionalização está garantido pela Constituição argentina, lembra o aviso no asfalto diante do Congresso Nacional, em Buenos Aires | Daniel Garcia/AFP
Direito à nacionalização está garantido pela Constituição argentina, lembra o aviso no asfalto diante do Congresso Nacional, em Buenos Aires| Foto: Daniel Garcia/AFP

Debate

Para especialistas, caso da Argentina difere de estatização

Os 51% das ações da YPF que o governo de Cristina Kirchner nacionalizou não podem ser considerados como expropriação, e, portanto, não se trata de uma estatização, segundo Eduardo Saldanha, professor de Direito Internacional da FAE – Centro Universitário, de Curitiba. De acordo com o professor, a medida argentina envolve a retomada da exploração do petróleo, um recurso exaurível que é direito de cada país nacionalizar. "O fato implica uma quebra de contrato e não em uma expropriação", diz.

Na opinião de Saldanha, a ideia de estatização estaria mais próxima da prática de governos como o de Hugo Chávez, que tornou venezuelanos serviços prestados por empresas nas áreas de telecomunicações e siderúrgicas, em 2007. "Quando abro uma loja de carro e ela é tomada pelo país, isso é uma estatização. No caso de recursos naturais exauríveis, como o petróleo na Argentina, a situação envolve uma quebra de contrato", explica o professor da FAE.

Eduardo Saldanha acrescenta que quando um país estatiza, ele expropria a empresa e fica com a propriedade. No caso de uma nacionalização, o governo apenas retoma a exploração de seus recursos naturais. Os dois casos são legais (desde que sejam feitos ressarcimentos para as companhias), mas podem criar insegurança jurídica e afastar os investidores.

Transações comerciais

O historiador da Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Caggiola defende que processos como os que estão ocorrendo em alguns países da América do Sul não podem nem mesmo ser chamados de nacionalização. "Na verdade, os países estão comprando essas companhias. No caso da Argentina, estão apenas comprando ações." Para ele, os países latino-americanos estão agindo como comerciantes, pagando pelos recursos que estão nacionalizando.

Caggiola entende que a estatização é um processo que ignora a necessidade de compensação financeira. Algo que foi feito em governos populistas na metade do século 20.

"Chamar de nacionalismo essas transações é ignorar que algumas dessas empresas estavam em disputas fiscais ou não estavam sendo lucrativas, como é o caso da YPF–Repsol na Argentina.", observa.

O anúncio da nacionalização da petroleira YPF pela Ar­­gentina provocou, ao longo da semana, debates intensos na comunidade internacional so­­bre a soberania dos países que tomam para si parcelas de empresas estrangeiras. A União Europeia e os Estados Unidos já cobraram da presidente Cristina Kirchner a indenização para a espanhola Repsol e anunciaram: sua nação pode sofrer duras consequências econômicas.

A medida argentina não é novidade na América Latina. Países como a Bolívia e a Vene­­zuela nacionalizaram, respectivamente, o gás natural e as telecomunicações. O Equador também se aproximou da prática ao buscar o controle dos ganhos das petroleiras internacionais. Até a brasileira Pe­­trobras foi afetada em alguns desses casos (veja quadro).

A ação de Cristina, portan­­to, precisa ser enquadrada co­­mo parte de uma tendência dos países latino-americanos de recobrar o controle sobre suas atividades econômicas. Pelo menos é o que explica o economista Carlos Magno Vasconcellos, professor do Centro Universitário Curi­­tiba (Unicuritiba). "Essa onda de nacionalizações dos últimos anos é uma resposta para as políticas liberais e as privatizações que ocorreram nesses países durante a década de 1990", afirma.

Segundo Vasconcellos, governos de esquerda como os de Evo Morales (Bolívia) e de Hugo Chávez (Venezuela) nacionalizaram seus recursos aproveitando também a insatisfação da sociedade em relação às companhias estrangeiras. "As privatizações que ocorreram na América Latina fortaleceram o capital internacional, mas não necessariamente renderam lucros para os países daqui", diz o professor.

Um exemplo é a alegação da presidente argentina, para a tomada da YPF, de que a empresa não vinha atendendo à demanda da população.

O historiador da Universi­­dade de São Paulo (USP), Os­­valdo Caggiola, afirma que, embora sejam atos independentes, os movimentos nacionalizantes na América do Sul são uma resposta ao liberalismo predominante na última década do século 20.

"Essas empresas estrangei­­ras entraram em falência dentro desses países. De forma isolada, os governos, que foram eleitos por voto popular, precisavam tomar atitudes que beneficiassem a população", conta.

O modelo econômico que, inicialmente, levou os países à privatização há duas décadas também se modificou. Cag­­giola explica que o desenvolvimento que impulsionou o processo de privatização a partir de 1989, aliado ao empréstimo de capital estrangeiro, passou a ser contestado. "[Essas nacionalizações] são tentativas de reformular uma situação. Questionar os Estados Unidos como potência dominante e denunciar o caráter da dívida externa."

Quebra de contrato

Diante desse processo de nacionalização dos países latino-americanos, quem sai perdendo são as companhias internacionais que optam por investir na região. Diversos jornais anunciaram na sema­­na passada que a Repsol, depois de perder o controle da YPF para a Argentina, viu suas ações caírem nas bolsas de valores e perdeu negócios com outras nações.

Para Eduardo Saldanha, professor de Direito Interna­­cional da FAE – Centro Uni­­versitário, cada país tem soberania para nacionalizar seus recursos naturais, mas precisa respeitar os acordos firmados com as empresas estrangeiras. Afinal, essas ações quebram contratos que exigem pagamento em caso de rescisão.

De acordo com Saldanha, o processo de nacionalização é, inclusive, assegurado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) – entidade que, entre outras funções, regula os acordos comerciais no continente. "Cada contrato entre as companhias que exploram recursos naturais e os governos prevê a possibilidade de intervenções soberanas desse tipo. Mas, por obrigação contratual, os países precisam pagar uma indenização às empresas", diz.

No caso da Argentina, a Rep­­sol parece determinada a levar a quebra de contrato para as cortes internacionais, que podem ser formadas por países neutros na questão. Quando houve a nacionalização do gás natural na Bolívia, em 2006, o governo de Evo Mo­­rales e a Petrobras – que tinha forte inserção no mercado de lá – chegaram a um acordo pacífico.

Além das represálias internacionais, Saldanha revela que, mesmo sendo legais, as nacionalizações podem tra­­zer riscos para os países, pois afastam o investimento estrangeiro. "Foi o que aconteceu na Venezuela. Quem vai querer colocar dinheiro num país que pode tomar os recursos de volta?", diz. Se for mal administrado, o país que não tem financiamento externo se vê obrigado a reduzir empregos e pode entrar em recessão econômica.

Há quem acredite que as ameaças por parte dos Estados Unidos e da Europa não passam de pressões para que a Ar­­gentina recue em sua decisão. O economista Carlos Magno Vasconcellos é um dos que defende que a questão não vai ser resolvida em tribunais internacionais. "É muito difícil que uma corte opte pela indenização para a Repsol. É mais provável que ocorra um acordo, como nos outros casos da América Latina", comenta.

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