• Carregando...
Papa Francisco, em foco, acena para multidão na Praça de São Pedro | Alessandro Bianchi/Reuters
Papa Francisco, em foco, acena para multidão na Praça de São Pedro| Foto: Alessandro Bianchi/Reuters

Se Pio XII foi o papa mais caluniado do século 20, o mais incompreendido provavelmente foi Paulo VI, que o papa Francisco beatifica hoje, no Vaticano. O italiano Giovanni Montini governou a Igreja entre 1963 e 1978, concluiu o Concílio Vaticano II e promulgou um novo missal, com a liturgia podendo ser celebrada nos idiomas locais (o que até hoje lhe rende críticas de tradicionalistas radicais); mas seu legado mais permanente muito provavelmente é uma curta encíclica lançada no fim dos loucos anos 60 (e que até hoje lhe rende críticas dos "liberais"), a Humanae Vitae.

É fácil ler a Humanae Vitae pelo prisma unicamente negativo, como sendo a encíclica que vetou aos católicos o uso de métodos artificiais de contracepção (e deixou a Igreja Católica praticamente sozinha a esse respeito), mas o texto é bem mais que isso: é uma bela defesa do matrimônio cristão e da generosidade dos esposos no amor conjugal, aberto à transmissão da vida.

E é impossível não perceber o tom profético de Paulo VI quando afirma que a expansão indiscriminada da contracepção artificial levaria à perda de respeito pela mulher, considerada "como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada". Autores como Mary Eberstadt (do livro Adam and Eve after the pill, ou "Adão e Eva depois da pílula") têm se dedicado a mostrar que a "liberação sexual" prometida pela pílula não entregou exatamente o paraíso terrestre que anunciava. O papa ainda alertou para a tentação de que regimes autoritários passassem a impor políticas de natalidade – 11 anos depois da Humanae Vitae, a China implantava a política de filho único.

Na própria encíclica, Paulo VI reconhece que a comissão criada por São João XXIII para estudar o tema da natalidade não havia chegado a um consenso, e dentro dela inclusive haviam surgido propostas "que se afastavam da doutrina moral sobre o matrimônio". Qualquer um que esteja acompanhando a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos sobre a família perceberá situação semelhante. Em 1968, Paulo VI seguiu o conselho de seu homônimo, o apóstolo Paulo, que pedia à comunidade de Roma para "não se conformar com este mundo", e deu seu veredito, apesar da enorme pressão contrária e sabendo que não seria bem recebido. Agora, é Francisco que se encontra na situação em que Paulo VI estava 46 anos atrás. Talvez a beatificação do papa da Humanae Vitae exatamente no dia em que se encerra essa primeira etapa do Sínodo sobre a família (a reunião definitiva ocorrerá em 2015) seja uma pista de como o papa agirá no futuro.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]