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Papa Francisco fala durante audiência geral no Vaticano, em 2 de março. Foto: Tiziana Fabi / AFP
Papa Francisco fala durante audiência geral no Vaticano, em 2 de março. Foto: Tiziana Fabi / AFP| Foto:

O papa Francisco disse nesta segunda-feira (4) que o Vaticano vai abrir os seus arquivos sobre o papado de Pio XII, que muitos consideram ter falhado em se manifestar contra as atrocidades da Alemanha nazista.

A ação, que vem depois de 13 anos de trabalho de arquivistas do Vaticano, tem a intenção de lançar luz sobre as ações e pensamentos de um pontífice cuja reputação ainda contestada tornou difícil para a Igreja Católica chegar a uma conclusão sobre o seu papel durante a guerra.

Francisco disse que os arquivos sobre o papado de Pio XII, de 1939 a 1958, serão abertos aos pesquisadores em 2 de março de 2020. O Vaticano normalmente espera cerca de 70 anos após um pontificado para abrir os arquivos relevantes, segundo a agência de notícias Associated Press, e neste caso está se movendo um pouco mais rápido – enquanto alguns sobreviventes do Holocausto ainda estão vivos.

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“Ele pode ser o papa mais polêmico da história da igreja moderna”, disse David Kertzer, professor da Universidade Brown que escreveu um livro vencedor do Prêmio Pulitzer sobre o antecessor de Pio XII, Pio XI, e está fazendo pesquisas para um livro sobre o relacionamento de Pio XII com o ditador italiano Benito Mussolini.

Kertzer, em uma entrevista por telefone, descreveu Pio XII como uma pessoa cautelosa que calibrou suas ações no início da guerra, avaliando que os nazistas poderiam ganhar – e até mesmo ocupar o Vaticano. Kertzer disse que o pontífice “lamentou a perda de vidas de uma forma geral”, mas “nunca se pronunciou diretamente sobre o Holocausto”.

“Ele era uma pessoa inteligente, mas também era um produto de seu tempo”, disse Kertzer. “E acho que veremos como isso aconteceu”.

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Pio XII tem sido objeto de controvérsias por décadas, começando com uma peça de 1963 que o retratou como um covarde moral diante do Holocausto. Mais de três décadas depois, um jornalista britânico escreveu um livro bem conhecido sobre Pio XII, “O Papa de Hitler”.

Mas seus defensores dizem que os retratos são injustos e que ele trabalhou nos bastidores para ajudar os judeus. O reverendo Peter Gumpel, um oficial do Vaticano que defendeu a santificação de Pio XII e explorou partes da documentação do Vaticano sobre o pontífice, disse que as ações de Pio XII para ajudar os judeus podem ter sido deixadas de fora dos livros.

Organizações judaicas aplaudiram o anúncio de Francisco, e o rabino David Rosen, diretor de assuntos inter-religiosos do Comitê Judaico Americano, disse que a iniciativa de abrir os arquivos era “extremamente importante para as relações católico-judaicas”.

Neutralidade

Durante a guerra, o Vaticano adotou uma rígida política de neutralidade e não denunciou o nazismo.

Pio XII foi declarado “venerável” em 2009, parte do processo de santificação. Mas ele não avançou para a canonização. Três dos quatro papas que o sucederam já foram santificados, incluindo Paulo VI no ano passado.

O cardeal Angelo Becciu, chefe do escritório do Vaticano que examina os casos de possível santidade, disse em uma entrevista na segunda-feira que a abertura do arquivo não é um pré-requisito para que a santidade de Pio XII avance. Mas ele disse que fatos históricos podem ditar “se é apropriado ou não fazer uma canonização”.

“Ele foi acusado de manter silêncio – de não ter falado o suficiente contra o massacre dos judeus”, disse Becciu. “Então, esperamos que tudo isso ajude a revelar a verdade e a justiça de seus comportamentos”.

Em suas observações na segunda-feira, Francisco disse que os arquivistas trabalham há 13 anos para preparar os documentos, com base nos desejos do Papa Bento XVI.

Francisco disse que “a igreja não tem medo da história”, mas também observou que as ações de Pio XII foram vistas com “algum viés ou exagero”.

Em um artigo publicado no jornal do Vaticano, o bispo Sergio Pagano, chefe do Arquivo Secreto do Vaticano, escreveu que os documentos disponibilizados atestarão “uma obra quase sobre-humana de ‘humanismo’ cristão que estava ativo na desordem tempestuosa desses eventos, que em meados do século XX pareciam determinados a aniquilar a própria noção de civilização humana”.

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Já se sabe muito sobre o pontificado de Pio XII. Décadas atrás, o Vaticano liberou volumes de documentos. E muitas nações que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé abriram seus arquivos dessa época – incluindo a Itália, onde Mussolini era notório por suas capacidades de espionagem.

Daniele Menozzi, professor emérito de história contemporânea da Universidade Normale de Pisa, disse que as maiores revelações podem se originar do rescaldo da Segunda Guerra Mundial – quando a dinâmica da Guerra Fria se instalou.

“Meu sentimento é que o quadro geral da Segunda Guerra Mundial não mudará muito”, disse Menozzi. “A questão é inteiramente diferente para o outro período, logo após a guerra, com as escolhas que Pio XII fez na época, tanto para a Itália quanto para a Europa e na estratégia global geopolítica e anticomunista”.

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