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Papa Francisco com sindicalistas argentinos durante audiência ontem no Vaticano | Osservatore Romano/Reuters
Papa Francisco com sindicalistas argentinos durante audiência ontem no Vaticano| Foto: Osservatore Romano/Reuters
  • Evangelli Gaudium compila as prioridades da igreja

Uma igreja "em saída", mais missionária, misericordiosa e atuante na defesa dos pobres e dos oprimidos. Esse é o caminho defendido pelo papa Francisco para a Igreja Católica, conforme a primeira exortação apostólica de seu papado, divulgada ontem no Vaticano. No documento, intitulado Evangelii Gaudium, o papa compila as prioridades estabelecidas em oito meses de homilias, discursos e entrevistas. Seu objetivo maior é revigorar o entusiasmo evangelizador em um mundo marcado pela indiferença, pela secularização e pela desigualdade de renda.

"Espero que todas as comunidades se esforcem para atuar nos meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão", afirma o papa no documento. No texto, ele conclama a comunidade católica a adotar uma postura mais ousada, tomando a iniciativa. "Neste momento, não nos serve uma simples administração. Constituamo-nos em estado permanente de missão, em todas as regiões da terra".

As declarações vão ao encontro do que o papa Francisco havia afirmado em setembro, durante entrevista à revista Civiltà Cattolica. Na oportunidade, ele comparou o papel da Igreja Católica ao de um hospital de campanha. "Aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fieis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas. Depois podemos falar de todo o resto. É necessário começar de baixo", afirmou na ocasião.

Na exortação, Francisco defende que a reforma das estruturas católicas passa por fazer com que elas se tornem "mais missionárias", que a igreja seja "mais comunicativa e aberta". "A paróquia não é uma estrutura caduca; [...] Isto supõe que esteja realmente em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos", observa.

Comunidades de base, pequenas comunidades, movimentos e outras formas de associação são os principais aliados indicados pelo papa na tarefa de evangelizar. No entanto, ele lembra que cabe às paróquias não perderem o contato com suas realidades locais. "Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem raízes".

Apesar de falar em reforma das estruturas católicas, a exortação apostólica não traz nenhuma medida concreta, apenas funciona como uma espécie de "carta de intenções". A reforma da Cúria está sendo discutida pelo papa Francisco junto com uma comissão de oito cardeais de todos os continentes. Abaixo estão outras questões tratadas pelo papa em sua exortação.

Aborto

O papa Francisco, que já tinha condenado o aborto, deixou claro o compromisso da Igreja com a defesa da vida desde a concepção. "Precisamente porque é uma questão que mexe com a coerência interna da nossa mensagem sobre o valor da pessoa humana, não se deve esperar que a Igreja altere a sua posição sobre esta questão. A propósito, quero ser completamente honesto. Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou ‘modernizações’", diz. Ele liga a defesa do nascituro à defesa dos direitos humanos, mas também pede que os católicos criem meios de acompanhar com carinho as gestantes em situações difíceis, "particularmente quando a vida que cresce nelas surgiu como resultado duma violência ou num contexto de extrema pobreza. Quem pode deixar de compreender estas situações de tamanho sofrimento?", finaliza o pontífice.

Mulheres

O papa reconhece que a mulher precisa ganhar mais espaço nas instâncias de decisão na Igreja: "Vejo, com prazer, como muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais juntamente com os sacerdotes, contribuem para o acompanhamento de pessoas, famílias ou grupos e prestam novas contribuições para a reflexão teológica. Mas ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja". Mas ele descarta a ordenação de mulheres. "O sacerdócio reservado aos homens (...) é uma questão que não se põe em discussão", diz Francisco, condenando a mentalidade que associa o sacerdócio ao poder. Ele lembra que o ministério é um serviço para conduzir o povo católico à santidade, e que as funções na Igreja não são sinônimo de superioridade. "Uma mulher, Maria, é mais importante que os bispos", compara.

Desigualdade

Crítico da exclusão causada pela desigualdade social, o papa Francisco classifica como "uma nova tirania invisível" a mentalidade que coloca o dinheiro acima do ser humano. "A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", diz. O pontífice também ataca o consumismo desenfreado e a indiferença em relação ao drama dos pobres. "A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma", afirma o papa, para quem a exclusão "provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira".

Laicismo

Francisco recorda o ensinamento da Igreja a respeito do direito de escolher a fé que cada um acredita ser verdadeira, e de manifestar publicamente essa crença. O papa ainda faz uma crítica ao laicismo, que tenta confinar a religião ao âmbito estritamente privado. "Ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos", afirma. "Os pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a tarefa da evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser humano", acrescenta o pontífice.

Sacramentos

O papa incentiva bispos e padres a tornar os sacramentos acessíveis aos fiéis. "Todos podem participar de alguma forma na vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a ‘porta’: o Batismo", diz o pontífice, que também falou do sacramento da penitência. "O confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível". Sobre a eucaristia, afirma que, "embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos". Analistas viram uma brecha para que divorciados em um segundo casamento civil possam comungar, mas o texto não parece confirmar a ideia.

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