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Muito antes de concorrer à Presidência, a primeira-dama argentina, Cristina Kirchner, já declarava sua admiração por Eva Perón, a mulher mais marcante na história política do país. Durante a campanha, as alusões da candidata a Evita trataram de reforçar as comparações inevitáveis entre ela e a mítica jovem que ajudou a eleger o marido presidente, em 1946. Mas se muitos dizem que as semelhanças entre as duas não vão além do casamento com homens que as levariam à Casa Rosada, agora - com a primeira-dama a um passo de assumir a Presidência - resta a dúvida sobre a capacidade de Cristina para se tornar uma líder popular, com discurso transformador, tal qual a Evita que ela evoca em seus comícios. - Se Cristina conseguir ser presidente, será a primeira mulher a chegar por mérito próprio à Presidência argentina, por mais que se diga que foi por causa do marido. Será um marco, mas não será Evita - avalia o historiador argentino Norberto Ferreras, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de artigos sobre o peronismo.

Para o historiador, Cristina é mais racional, embora saiba apelar aos sentimentos, "como qualquer bom político". Ferreras ressalta que "Evita era mais visceral, talvez mais verdadeira, no sentindo de falar o que vinha à cabeça".

- Na forma de fazer política, nas problemáticas colocadas, nas reticências da sociedade para escolher uma mulher como presidente e nas maneiras como elas têm para reagir a isso, a comparação é muito mais factível com Hillary Clinton, Michelle Bachelet e até Ângela Merkel. Elas também não são recém-chegadas à política - diz, lembrando que Evita também tinha outro lado, "mais submissa a Perón, mais compreensiva, como uma mulher da década de 40".

A senadora Cristina Fernandez de Kirchner - que foi duas vezes deputada e tem um vigor político que a levou a ser chamada de "furacão" antes mesmo de se tornar primeira-dama - diz que se identifica com a Evita "de coque e punho cerrado". Mas a imagem da atriz de teatro Eva Duarte Perón é aberta a diversas interpretações.

Uma das figuras presentes no imaginário argentino é a de uma Evita descoberta e modelada por Juan Domingo Perón, quase sem instrução e próxima do franquismo, segundo destaca o analista político Enrique Zuleta, diretor do instituto de pesquisas argentino OPSM. Ainda assim, Zuleta acredita que a associação com Evita foi positiva para a campanha de Cristina, já que o presidente Nestor Kirchner "deixará uma herança pesada no setor social".

- A menção de Cristina a Eva Perón trata de destacar que pertence a tradição de ruptura do peronismo. Não é algo muito crível, mas acredito que a coloca do lado da ruptura, mais do que da continuidade. É uma mulher que tem uma rebeldia muito diferente da convencional. É muito elegante, bem-apresentada, uma advogada que fala como tal - afirma Zuleta. - Ela teve que reivindicar essa tradição de ruptura para dar uma idéia de mudança. As pessoas sempre gostam da idéia de mudanças - emenda.

O analista reconhece que sem a "vantagem" de já estar na Casa Rosada, a candidata dificilmente teria alcançado a vantagem expressiva que já faz o partido peronista cantar vitória. Zuleta sugere, inclusive, que a associação entre Cristina e Evita faz parte de uma estratégia do presidente.

- Kirchner está tentando incorporar um elemento de inovação política. De alguma maneira, abandonar a idéia de que as coisas não mudaram, que a única coisa que fez foi colocar ordem na casa e fazer reformas econômicas - analisa. - Acredito que Cristina vai tratar de conservar o capital político de Kirchner, que é um homem com altíssimo nível de aceitação, ainda que não tenha nenhum elemento de popularidade. Como quase todos os líderes políticos latino-americanos, mais que amado ou odiado, Kirchner é necessitado pelas pessoas.

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