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Homens armados guardam a entrada do Aeroporto de Belbek, na região da Crimeia. Governo interino da Ucrânia falou em uma “invasão” de forças russas no país | Baz Ratner/Reuters
Homens armados guardam a entrada do Aeroporto de Belbek, na região da Crimeia. Governo interino da Ucrânia falou em uma “invasão” de forças russas no país| Foto: Baz Ratner/Reuters

25 de maio é a data marcada pelo Parlamento da Crimeia para o referendo que consultará a população local sobre continuar ou não ligada à Ucrânia. Ainda não se sabe como essa informação pode levar a mudanças políticas.

Reunião

O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha convocou ontem uma reunião imediata de líderes da União Europeia para que o bloco chegue a uma decisão comum sobre a Ucrânia. Berlim pediu que a Rússia deixe claros seus objetivos na região da Crimeia e classificou a situação atual como "perigosa".

Revolta

Protesto em reduto do ex-presidente ucraniano pede "desobediência"

Folhapress

Mais de 10 mil pessoas participaram ontem de uma manifestação em Donetsk, reduto do ex-presidente Viktor Yanukovich, no leste da Ucrânia, contra o governo interino formado após sua queda. "Rússia! Rússia!", gritavam os manifestantes, que levavam bandeiras do país vizinho e declaravam apoio "à aspiração da Crimeia [região no sul do país] de fazer parte da Rússia". Panfletos chamando a uma "desobediência" ao poder de Kiev foram distribuídos durante a manifestação. "Estamos indignados com o que está acontecendo em Kiev. Não deixaremos os nacionalistas entrarem na nossa cidade", afirmou um manifestante de 40 anos. Originário da região, o presidente Viktor Yanukovich foi deposto há uma semana pelo parlamento, após três meses de confrontos na capital, Kiev. No centro de Sebastopol, porto da Crimeia que abriga a frota russa do mar Negro, cerca de 3 mil pessoas participaram de outro protesto.

O presidente Vladimir Putin pediu e conseguiu a aprovação dos parlamentares russos para usar forças militares na Ucrânia, informou ontem o gabinete de imprensa do Kremlin.

De acordo com o jornal The New York Times, as atitudes do líder russo representam a primeira demonstração pública de uma possível intervenção na crise ucraniana e são "uma resposta dura ao presidente [Barack] Obama que, horas antes, alertou a Rússia para respeitar a soberania da Ucrânia".

A solicitação de Putin não especificou a quantidade de tropas que seriam deslocadas para a ação, mas a Rússia já conta com milhares de soldados na região da Crimeia, onde tem uma grande base naval em Sevastopol.

O documento tampouco esclarece se as forças militares atuariam também em outros pontos na Ucrânia ou apenas na Crimeia, península rebelde aliada da Rússia que tenta conquistar maior independência dos novos líderes ucranianos pró-União Europeia.

O pedido diz somente que a Rússia usaria força militar "até a normalização da situação político-social" do país vizinho. Putin citou a ameaça à vida dos cidadãos russos que vivem na Crimeia.

Mais cedo, o Conselho da Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, havia pedido a Putin que adotasse "medidas para estabilizar a situação na Crimeia" e usasse "todos os meios disponíveis para proteger a população da tirania e da violência".

Segundo a agência russa de notícias, Interfax, os parlamentares também afirmaram que "é impossível" realizar eleições "legítimas e democráticas" na Ucrânia no momento.

Embora tenha maioria étnica russa, a Crimeia é uma região autônoma pertencente à vizinha Ucrânia.

Ainda ontem, o chefe do Executivo da Crimeia, Sergei Aksionov, também havia pedido ajuda ao presidente russo para "restabelecer a paz e a tranquilidade" na região. Aksionov anunciou a decisão de pôr todas as forças de segurança locais sob seu controle pessoal. Segundo ele, ocorreram distúrbios na região com o uso de armas de fogo e as estruturas de segurança são incapazes de restabelecer a ordem de maneira efetiva.

Análise

Ingerências externas ameaçam levar a uma tragédia anunciada

Vladmir Pires Ferreira, doutorando em Ciências Jurídico-Internacionais e Europeias pela Universidade de Lisboa.

Com algum exagero poético é possível afirmar que, o muro que dividia geopoliticamente a Europa, com o fim da Guerra Fria, foi transposto de Berlim para Kiev. A bem da verdade, durante a segunda metade dos anos 1990 e ao longo de quase toda a década passada, assistimos a países tradicionalmente situados na esfera de influência russa serem, aos poucos, integrados econômica, política e militarmente à Europa e, de forma mais ampla, ao Ocidente.

Pouquíssimas das ex-repúblicas socialistas se mantiveram a par do processo e optaram por não estreitar laços com entidades como a União Européia ou a Otan. Dentre elas, por suas dimensões geográficas e riquezas naturais, a Ucrânia é a mais relevante.

Desde então os dois países desenvolvem uma relação quase simbiótica. Por um lado, a Rússia é, ainda hoje, o maior parceiro comercial da Ucrânia que, por sua vez, é completamente dependente do gás russo.

Por outro, em razão da vasta fronteira que compartilham, a Ucrânia tem um valor estratégico gigantesco para a Rússia.

Uma Ucrânia ocidentalizada, eventualmente integrando os quadros da Otan, seria um pesadelo para Moscou. Mas a participação no "processo de integração europeu" e o usufruto dos benefícios a ele inerentes sempre foram aspirações de grande parte da população ucraniana e de algumas de suas lideranças políticas.

Todos esses elementos devem ser considerados para a realização de qualquer análise sobre o futuro político da Ucrânia.

A crise instaurada em novembro do ano passado, pela recusa do então presidente Viktor Yanukovich em assinar um acordo de associação com União Europeia, revela uma população dividida entre a segurança das relações tradicionais e as consequências de um eventual alinhamento ao Ocidente. Mas para além de divergências internas, os acontecimentos recentes indicam que a ingerência de potências estrangeiras na Ucrânia é um fato consumado.

O não reconhecimento do governo interino por Moscou, o deslocamento de tropas para regiões de fronteira e a própria contrarrevolução que tem sido orquestrada por parte da população ucraniana de etnia russa, notadamente na Crimeia, revelam que o conflito pode, em breve, atingir proporções devastadoras.

Embora uma intervenção militar seja possível – justificada, por exemplo, pela necessidade de proteger cidadãos ucranianos de origem russa – o mais provável é que as ações russas na Ucrânia ocorram por meio do financiamento a grupos associados a Yanukovich.

Os países ocidentais provavelmente adotarão uma linha similar e prestarão auxílio àqueles partidos e organizações que atendam aos seus interesses.

Face as atuais debilidades institucionais, fragilidade econômica e divisões internas na Ucrânia, tais ingerências, ainda que mínimas, concretizam uma tragédia anunciada.

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