Preocupação ambiental faz humanidade esquecer o "relógio do apocalipse"
Quando analistas de meio ambiente preveem a destruição da vida na Terra daqui a 100 anos, estão dilatando um medo universal de autodestruição construído a partir do final da Segunda Guerra Mundial. No conflito, o mundo conheceu o poder destruidor da bomba atômica e, calculadora em mãos, descobriu que o arsenal nuclear em poder das potências hostis Estados Unidos e União Soviética era muito superior ao necessário para acabar com a humanidade.
Em 1947, cientistas atômicos da Universidade de Chicago criaram um recurso gráfico para simbolizar o quanto o planeta estava próximo do fim. O "relógio do apocalipse", que aparece na capa de todas as edições do Bulletin of the Atomic Scientists, define a meia-noite como o "horário" em que começaria uma guerra nuclear. Desde a criação da analogia, o mundo esteve, no máximo, às 11h43 a 17 minutos da aniquilação. Em 2010, o relógio marca 11h53.
Pouco tempo
Durante a Guerra Fria, o mundo esteve de olhos grudados neste relógio, mas nem sempre houve rapidez para representar o contexto atual por que passava a questão. Em 1953, enquanto EUA e União Soviética emparelhavam-se uma corrida armamentista, o mostrador indicava 11h58. Mas durante a Crise dos Mísseis em Cuba, quando as duas potências enfrentaram trocas de ameaças, o relógio não se moveu com rapidez o suficiente, e seguia mostrando 11h53.
Para Thomas Heye, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense, o fim da Guerra Fria não pode ser encarado como o fim da ameaça atômica. "Aqueles que possuem armas nucleares sempre podem decidir utilizá-las, independentemente de aspectos políticos domésticos, e a proliferação de armas nucleares aumenta ainda mais esta possibilidade.", lembra.
Heye lembra porém que o contexto geopolítico impele o uso de bombas atômicas em qualquer tipo de conflito. "A utilização de armas nucleares não é aceitável pela sociedade internacional e seu uso, mesmo com fins táticos, representaria a transgressão de uma fronteira moral que foi constituída no pós 2ª Guerra Mundial."
Além de mostrar uma boa-vontade inédita em relação à segurança mundial, o novo acordo entre Estados Unidos e Rússia para redução do arsenal nuclear, firmado na última quinta-feira, reafirmou a predileção do presidente americano, Barack Obama, por reforçar momentos simbólicos. Obama e o presidente russo, Dmitri Medvedev, fizeram o cerimonial de assinatura do Tratado para Redução de Armas Estratégicas (Start, na sigla em inglês) em Praga, na República Tcheca, uma das cidades basilares da Cortina de Ferro (grupo de países na Europa Central que dividiam o mundo comunista do Ocidente), a partir de onde EUA e Rússia apontaram mísseis atômicos um contra o outro durante 40 anos.A escolha da cidade-sede do tratado induziu a imprensa internacional a relembrar o discurso feito pelo presidente americano naquela mesma cidade, um ano atrás. À época, um Obama recém-empossado e ainda sem o Nobel da Paz subiu ao palanque em frente a 30 mil pessoas e clamou por um mundo sem armas nucleares, embora confessando que talvez não vivesse o suficiente para ver seu desejo realizado.Obama se mostra um pragmático-realista da causa nuclear. Os Estados Unidos foram os inventores da bomba atômica e a única nação a jogá-la sobre um inimigo de guerra, massacrando as cidades de Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial. Sessenta e cinco anos depois, a quantidade de países que detêm a bomba pode chegar a uma dúzia, totalizando 23 mil ogivas nucleares (veja no gráfico abaixo). Para forçar o caminho da volta, Obama tenta liderar pelo exemplo próprio. Ao se prontificar a fazer o primeiro movimento maciço de redução, ele espera sensibilizar o mundo para o anacronismo dos estoques atômicos.
"O novo Start é um elemento-chave nos esforços globais para impedir a disseminação de armas atômicas. O acordo mostra que os Estados Unidos planejam tomar a liderança no combate aos perigos representados pelas armas nucleares. As reduções de armas atômicas planejadas pelos EUA e pela Rússia podem forçar os americanos a aumentar seus esforços para conquistar o apoio internacional para medidas de não-proliferação em outros países", estima à Gazeta do Povo Kingston Reif, diretor de não-proliferação nuclear do Centro para Controles de Armas de Washington.
Ele refuta o contra-argumento elaborado pela oposição à Casa Branca que prevê que, caso os Estados Unidos reduzam seu arsenal atômico, o país vai enfraquecer sua posição perante o mundo. "O Start permite que os Estados ainda mantenham um arsenal robusto e flexível o suficiente para intimidar qualquer ataque", avalia.
Etapas
O acordo bilateral é a primeira de uma série de investidas de Obama contra a manutenção dos estoques nucleares. Complementar ao acordo com a Rússia, o governo americano autoimpôs novas limitações para um possível uso de suas armas. A partir de agora, as bombas americanas só se transformarão em nuvens de cogumelo se o país sofrer um ataque inimigo em que for usado o mesmo artefato.
Além disso, Washington recebe nesta segunda-feira o Encontro de Segurança Nuclear um evento que surgiu como desdobramento do discurso de Praga. Durante dois dias, mais de 40 líderes mundiais (Brasil inclusive, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva), tentarão criar um embrião de consenso para a eliminação definitiva das armas nucleares.
Este evento será preparatório para a Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), a ser realizado em maio na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
A revisão é feita a cada cinco anos e conta com a presença dos países signatários do tratado (o mundo todo menos Israel, Índia, Paquistão, Taiwan e Coreia do Norte).
Para Miles Pomper, pesquisador do Centro James Martin para Estudos de Não-Proliferação, sediado na Califórnia (EUA), a revisão do tratado vai agregar mais responsabilidades aos membros do acordo. "Países como o Brasil estão hesitando em assumir compromissos adicionais perante o TNP por acreditar que os países nucleares, como os Estados Unidos, não estão fazendo a sua parte.
Adotando novos compromissos, os Estados Unidos estão mostrando que são capazes de ceder mais e torcem para que outros países se encorajem a fazer o mesmo", declarou ele à Gazeta do Povo.
Enroscos
Durante o encontro da próxima segunda, Obama também começa um esforço para tentar dobrar os paíse s que ainda são ariscos ao controle sobre as armas nucleares. As duas principais preocupações, Irã e Coreia do Norte, não enviarão representantes ao encontro. A diplomacia americana espera, com isso, ressaltar o isolamento que estes países estão se impondo ao insistir em deixar seus programas nucleares em segredo. Como resposta, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, prometeu organizar a sua própria conferência.
O caso norte-coreano é ainda mais delicado. Único país a abandonar o tratado, em 2003, a Coreia do Norte conduz uma política nuclear sigilosa.
Os Estados Unidos estão convictos que o regime do ditador Kin Jon-Il tenha armas atômicas, mas não sabem precisar o tipo e a quantidade do armamento.
Segundo Thomas Heye, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense, o TNP carece de modificações para se adaptar ao cenário geopolítico atual.
"O atual regime internacional representado principalmente pelo TNP revela-se ultrapassado e ineficaz. No caso do Brasil, que almeja e necessita dominar alguns aspectos relacionados à energia nuclear como, por exemplo, a produção autônoma de combustível para o projeto do submarino nuclear o tratado vem assumindo contornos que restringem a liberdade e a soberania do país nesta área. A questão nuclear é politicamente sensível, porém fundamental para o avanço do conhecimento científico brasileiro."* * * * *
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