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A Gazeta do Povo publica, com exclusividade no Brasil, o perfil do cardeal Daniel Sturla preparado pelos vaticanistas Diane Montagna e Edward Pentin, autores do projeto The College of Cardinals Report. Jornalistas com décadas de experiência na cobertura do Vaticano, Montagna e Pentin escreveram perfis de todos os cardeais apontados como principais candidatos a suceder Francisco no comando da Igreja Católica, com informações biográficas e suas posições sobre temas em debate dentro da Igreja.
O cardeal salesiano Daniel Fernando Sturla Berhouet é um arcebispo latino-americano ratzingeriano cuja luta para defender a fé tem sido posta à prova pela longa e constante descida do Uruguai em direção ao secularismo.
Nascido em 4 de julho de 1959, em Montevidéu (Uruguai), ele é o mais novo de cinco irmãos. Seu pai era um advogado que morreu em 1972 quando ele tinha 12 anos; sua mãe, que ficava em casa, morreu apenas três anos depois. Ambos eram católicos. A morte de seus pais obrigou seus irmãos mais velhos a trabalhar para manter a casa.
Estudou até o quarto ano do ensino médio no Colégio San Juan Bautista, em Montevidéu, completando seu bacharelado (os dois últimos anos do ensino médio) no Instituto Pré-Universitário Salesiano João XXIII, nas proximidades. Ele continuou seus estudos com um bacharelado em Direito e, mais tarde, um bacharelado em Teologia no Instituto Teológico do Uruguai.
Sturla professou os votos religiosos com os salesianos em 31 de janeiro de 1980, e depois continuou seus estudos em Filosofia e Ciências da Educação no Instituto Miguel Rúa, administrado pela congregação. Trabalhou nas Oficinas Dom Bosco de 1982 a 1983, e de 1984 a 1987 continuou seus estudos em Teologia no Instituto Universitário Monsenhor Mariano Soler (antiga Faculdade de Teologia do Uruguai), pertencente à arquidiocese de Montevidéu.
Foi ordenado sacerdote em 21 de novembro de 1987 e encarregado de várias funções — conselheiro para estudos de Talleres Don Bosco, vigário do noviciado salesiano, mestre de noviços e diretor do Instituto Pré-Universitário João XXIII — enquanto continuava seus estudos teológicos. Em 2008, foi nomeado provincial da Província Salesiana do Uruguai, cargo que ocupou até 2011.
O cardeal Daniel Sturla está interessado em reforçar a identidade da Igreja e evitar diluí-la ao “cair na armadilha da autossecularização”
Sturla leciona História da Igreja no Uruguai na Faculdade de Teologia Monsenhor Mariano Soler e escreveu vários artigos sobre o assunto. Toda a sua vida e ministério sacerdotal, caracterizados pela preocupação com os mais fracos e pelo acompanhamento dos jovens em seu desenvolvimento pessoal e espiritual, transcorreu na capital uruguaia.
Sturla subiu rapidamente nas fileiras eclesiásticas. Em dezembro de 2011, o papa Bento XVI o nomeou bispo auxiliar de Montevidéu. Ele foi consagrado na catedral metropolitana em março de 2012, assumindo o lema Servite Domino in laetitia (“servi ao Senhor com alegria”). Menos de dois anos depois, o papa Francisco o nomeou arcebispo de Montevidéu, concedendo-lhe o pálio mais tarde naquele ano (em junho de 2014), na Basílica de São Pedro. Menos de um ano depois, em 14 de fevereiro de 2015, ele foi criado cardeal.
Logo depois, o cardeal Daniel Sturla foi nomeado para vários dicastérios do Vaticano, incluindo os dicastérios para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, e para a Evangelização. Em setembro de 2015, ele também foi nomeado membro da Pontifícia Comissão para a América Latina. Em março de 2020, ele foi nomeado membro da Comissão de Cardeais para a Administração do Patrimônio Apostólico (APSA), e três meses depois ele foi nomeado membro do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
A região que atualmente constitui a República Oriental do Uruguai, onde o cardeal Daniel Sturla nasceu e viveu sua vida sacerdotal, foi evangelizada por missionários religiosos espanhóis, principalmente jesuítas e franciscanos, mais de um século após a chegada de Cristóvão Colombo à América. Seu declínio para o secularismo é longo e complexo. Como o próprio cardeal Sturla a define, a Igreja Católica no Uruguai:
“…tinha uma fraqueza de origem. Foi somente em 1878 que a Igreja se constituiu como tal, quando foi criada a primeira diocese, a de Montevidéu, com monsenhor Jacinto Vera como seu primeiro bispo. Enquanto isso, o longo processo de secularização já havia começado. […] O cristianismo colonial, tão forte em outros países da América, não se consolidou em nosso solo. A enxurrada de imigrantes, que multiplicou a população do país por 14 em menos de um século (1830-1900), encontrou uma Igreja em formação, que foi combatida e muitas vezes ‘ignorada’.”
À medida que a Igreja realizava uma obra monumental de evangelização, um processo de descristianização gradual e incessante da vida social, cultural e política da comunidade nacional havia começado. Iniciado em 1859, o movimento foi promovido por forças racionalistas e maçônicas sob a proteção do poder britânico, que buscava manter o Uruguai como um poder de equilíbrio entre o Brasil e a Argentina e, ao mesmo tempo, como uma sociedade secular despojada de toda presença religiosa pública. No fim do século 19 e início do século 20, esse processo tornou-se cada vez mais violento, anticlerical e anticristão (1).
Esse sentimento anticristão e secularizante está em ação até os dias atuais, de tal forma que, em 2014, Sturla se manteve firme diante das tentativas dos legisladores de Montevidéu de bloquear a construção de uma estátua da Virgem Maria em um espaço público da cidade, onde os fiéis começaram a se reunir para rezar o Rosário em família. Sturla interveio em várias ocasiões, com um estilo inabalável, porém sereno e não confrontacional, e que tem caracterizado seu trabalho episcopal, de acordo com aqueles que o conhecem.
Com suas crenças conservadoras e ortodoxas, um pontificado de Sturla quase certamente marcaria o retorno de uma direção ratzingeriana ou wojtiliana
O cardeal Daniel Sturla é ortodoxo em suas crenças. Cristo e a Eucaristia devem estar no centro, e o ensinamento da Igreja deve ser vigorosamente defendido diante do secularismo. Ele tem uma visão distintamente ratzingeriana para a Igreja, especialmente quando se trata do Concílio Vaticano II, que ele enxerga como uma continuidade com o passado, em vez de uma “ruptura”. A Igreja, Sturla acredita firmemente, é “sal da terra e luz do mundo” e deve ser “a ponte através da qual cada pessoa pode encontrar o Senhor”.
Ele está interessado em reforçar a identidade da Igreja e evitar diluí-la ao “cair na armadilha da autossecularização”. A diversidade de carismas dentro da Igreja deve ser respeitada, ele diz, enquanto ela também deve se inserir “em ambientes populares ainda distantes dela” (2). Ele considera imperativo que a Igreja “estenda a mão para todos”, mas “sem negar sua própria identidade”. A Igreja está aberta a todos, ele diz, “mas com certas regras”.
Sturla concorda com Francisco que a evangelização é ameaçada pelo “neognosticismo incorpóreo e o neopelagianismo individualista”, mas ele também acredita que a missão deve se concentrar em proclamar Jesus Cristo como Salvador; caso contrário a Igreja será meramente “como uma ONG gigante que busca um mundo melhor com os outros”. A Igreja no Uruguai, ele diz, deve salvaguardar a fé diante desse perigo de autossecularização, mantendo viva sacramentalmente a presença do Senhor Ressuscitado. Ele não é fã da sinodalidade, defende o ensinamento da Igreja sobre a vida e rejeita Fiducia supplicans.
Quando se trata de conversão pastoral, o cardeal Daniel Sturla vê uma urgência em recuperar a fé, resgatar um sentido de pecado original e restaurar o senso integral de salvação da Igreja, juntamente com a proclamação da alegria do Evangelho. Um bispo, ele acredita, deve ser criativamente fiel à Revelação divina.
Com suas crenças conservadoras e ortodoxas, um pontificado de Sturla quase certamente marcaria o retorno de uma direção ratzingeriana ou wojtiliana e, ao fazê-lo, colocaria a Barca de Pedro novamente em um caminho mais equilibrado. A principal questão que ele enfrenta, no entanto, é se os cardeais eleitores gostariam de arriscar um segundo papa latino-americano imediatamente após a turbulência do primeiro.
Notas
(1) Este processo levou à supressão do ensino religioso e sua prática nas escolas públicas, das referências a Deus e aos Evangelhos no juramento dos parlamentares, da ajuda pública ao Seminário, e das honrarias concedidas a pessoas e símbolos religiosos, fazendo da fé católica uma manifestação permitida apenas na esfera privada, até que a Constituição da República, em 1918, consagrasse a separação total e absoluta entre Igreja e Estado no artigo 5.º: “O Estado não reconhece nenhuma religião”. Uma lei posterior chegou a eliminar todas as referências religiosas a festividades cristãs, fazendo com que, na esfera pública, o Natal se tornasse “Dia da Família”; a Epifania, “Dia das Crianças”; e a Semana Santa, “Semana do Turismo”.
(2) No seu Plano de Ação Pastoral de 2017, Sturla disse: “Que não deixemos nossa identidade se diluir, porque se não formos fiéis às nossas raízes, que estão plantadas na Cruz de Cristo, no fim não seremos nada, não teremos feito o bem a ninguém, e cairemos na apatia que ronda tantos em nosso país, como um pesadelo”.
O que o cardeal Daniel Sturla pensa sobre…
Ordenação de diaconisas: Não se sabe. O cardeal Daniel Sturla demonstrou gestos de reconhecimento às mulheres que trabalham na Igreja e se manifestou veementemente contra a violência contra as mulheres, mas não fez nenhuma declaração específica sobre mulheres diaconisas ou sacerdotisas.
Bênção para casais do mesmo sexo: É contra. O cardeal Sturla se opôs consistentemente à bênção de casais do mesmo sexo e, embora tenha simpatia pela posição do papa Francisco pelo ponto de vista da compaixão, ele rejeitou Fiducia Supplicans, dizendo que o documento era ambíguo, divisivo, criava confusão e contradizia uma declaração anterior do Vaticano, de 2021, sobre o assunto.
Tornar opcional o celibato para os padres: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Sturla sobre o assunto.
Restrições à missa tridentina: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Sturla sobre o assunto.
Acordos secretos entre China e Vaticano: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Sturla sobre o assunto.
Promover uma “Igreja sinodal”: É contra. O cardeal Daniel Sturla é cético em relação ao modelo de sinodalidade, tendo-o visto em ação na América Latina. Este modelo “não teve uma ressonância especial”, disse ele; falhou em ser “representativo da maioria dos participantes”; e teve “muitas deficiências”. Ele foi similarmente crítico em relação ao Sínodo sobre a Sinodalidade, dizendo que era muito introspectivo e falharia por causa disso. A Igreja deve evangelizar concentrando-se em proclamar Jesus Cristo como Salvador, disse ele; caso contrário, ela será meramente “como uma ONG gigante que busca um mundo melhor com os outros”.
Foco nas mudanças climáticas: Não se sabe. Não foi possível encontrar nenhuma declaração do cardeal Sturla sobre o assunto.
Reavaliar Humanae vitae: É contra. O cardeal Daniel Sturla diz estar ciente do desafio de fazer com que o ensinamento da Igreja seja compreendido por todos, mas também está convencido de que ela não deve comprometer seu ensinamento “negando sua própria identidade”. A Igreja, ele diz, “não pode tentar ser simpática deixando de lado a mensagem do Evangelho”, porque fazer isso “seria uma traição”.
Comunhão para divorciados “recasados”: É contra. Embora o cardeal Daniel Sturla tenha considerado inicialmente um “avanço” a abertura “misericordiosa” promovida por Francisco sobre esta questão, mais tarde ele se tornou mais firme em sua oposição a ela, dizendo que uma pessoa divorciada em uma segunda união não pode receber a comunhão, porque se seu casamento é primeiro válido, essa é a norma da Igreja”.
“Caminho sinodal alemão”: É contra. Embora o cardeal Daniel Sturla não tenha abordado especificamente essa questão, sua oposição ao modelo sinodal em geral significa que podemos seguramente assumir que ele é contra o “Caminho Sinodal” da Igreja alemã.
Dados pessoais
Nome: Daniel Fernando Sturla Berhouet
Data de nascimento: 4 de julho de 1959 (65 anos)
Local de nascimento: Montevidéu (Uruguai)
Criado cardeal: 14 de fevereiro de 2015, por Francisco
Posição atual: arcebispo de Montevidéu
Lema: Servite Domino in laetitia (“Servi ao Senhor com alegria”)
© 2025 The College of Cardinals Report. Publicado com permissão. Original em inglês: Cardinal Daniel Fernando Sturla