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Piñera visita sobreviventes do terremoto em Talcahuano:  urgência da reconstrução pode minimizar o crescimento no curto prazo | Jose Luis Saavedra/Reuters
Piñera visita sobreviventes do terremoto em Talcahuano: urgência da reconstrução pode minimizar o crescimento no curto prazo| Foto: Jose Luis Saavedra/Reuters

Roberto Durán, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Católica do Chile.

Santiago - A saída do agrupamento de centro-esquerda Concertación do poder do Chile, depois de 20 anos no governo, não implica em mudanças no modelo de desenvolvimento econômico-produtivo do Chile a curto e médio prazos. A análise é do professor Roberto Duran, doutor pela Universidade de Genebra, Suíça. Atualmente professor de relações internacionais e política internacional da Universidade Católica do Chile, Durán diz que não vê riscos para a democracia chilena a troca de comando do país.

O professor conversou com a Gazeta do Povo em Santiago, logo após a posse do presidente Sebastián Piñera. "O modelo de desenvolvimento do Chile vem funcionando bem desde 1983", diz. Para ele, a economia do país é sustentável, mas os efeitos do terremoto vão reduzir o ritmo do crescimento.

O Chile conseguiu avanços significativos na economia e nas políticas sociais nos últimos anos. As consequências do terremoto e do tsunami de 27 de fevereiro vão interromper esse ciclo?

O processo em si não será interrompido, porque é um modelo de crescimento e desenvolvimento que está positivamente funcionando há 27 anos. Mas a urgência da reconstrução irá minimizar a capacidade de investimento na economia e na velocidade do crescimento no curto prazo. Por exemplo, sendo a recuperação da infra-estrutura uma prioridade urgente, a provisão de recursos para essa área será subtraída de outras atividades econômicas e produtivas, afetando o produto interno deste ano e provavelmente do próximo.

O Chile tem hoje alguns dos melhores indicadores sociais e econômicos da América do Sul, porém as desigualdades sociais persistem. Há problemas em setores-chave, como habitação, e forte concentração de renda. O plano do novo presidente, Sebastián Piñera, tem respostas para os problemas de longo prazo do país?

O novo governo destaca o aumento significativo no crescimento da economia como um ponto de partida para o desenvolvimento socioeconômico do país. Nesse sentido, o retorno a posições ortodoxas vai constituir a tônica desta nova política, com suas consequentes implicações. Não está muito claro como se implementarão procedimentos distributivos em tal contexto.

O país foi governado nas últimas duas décadas por uma aliança política de centro-esquerda. Agora, um presidente de centro-direita assume o poder. Essa mudança implica em uma alteração nos rumos que o Chile vinha seguindo?

No que diz respeito à condução e natureza do crescimento econômico-produtivo haverá mudanças de ênfase e prioridades, como afirmamos anteriormente. Isso não implica uma mudança de fundo no modelo de desenvolvimento socioeconômico seguido pelo Chile desde 1983. No entanto, durante governos da Concertación houve um cuidado especial para o desenvolvimento social, para a melhoria das condições de vida dos desfavorecidos e um reforço à presença de novos estratos sociais da classe média, especialmente nos mais importantes centros urbanos. Essa política mudou a face da mobilidade social nos últimos 20 anos. O interesse do novo governo é manter a incidência desses novos estratos médios da sociedade e afiançar o alargamento de recursos para atender a rede social de proteção aos setores economicamente mais vulneráveis. De fato, no imediato há uma óbvia mudança na direção da política econômica.

Piñera quer alterar a Lei do Orçamento para enfrentar os problemas decorrentes da tragédia do terremoto. A oposição no Congresso vai dar um voto de confiança ao novo governo?

Dias antes da troca de governo se celebrou um pacto com a oposição. Há uma forte concordância entre ambos em alocar recursos para a reconstrução do país, acordo que deverá ser mantido enquanto durar a emergência.

Como se explica o fato de a presidente Michelle Bachelet ter chegado ao fim do mandato com 84% de aprovação e mesmo assim seu grupo político ter perdido a eleição?

Entre os eleitores não houve uma identificação entre a gestão da ex-presidente Bachelet e a última candidatura presidencial da coligação. Apesar da imagem da ex-presidente ter sido mantida e sua popularidade crescido devido o seu estilo de gestão, as brigas e desentendimentos entre os partidos políticos que a apoiaram subtraíram a confiança do eleitorado. Isso demonstra, mais uma vez, que a aprovação ou desaprovação de um líder carismático não é transferida para as entidades partidárias.

A derrota da Concertación representa o fim de um ciclo e a consolidação da democracia chilena ou ainda há risco para o sistema democrático?

Não vislumbro nenhum risco para a manutenção do regime democrático no Chile, pelo menos de imediato ou a médio prazo. Haverá, sim, um crescente interesse em participar na tomada de decisões públicas, incluindo a execução de determinadas políticas. Isso é um legado dos governos da Concertación e não se sabe o que tem em mente a este respeito o novo governo.

A esquerda governa hoje a maioria dos países da América Latina, como Brasil, Venezuela, Argentina, Uruguai, Paraguai e outros. A vitória de Piñera não sinaliza uma mudança de rumo na região?

Não creio. As forças de centro-direita ou direita na maioria dos países da América Latina não estão articuladas como no Chile, Colômbia, Costa Rica e México.

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