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Curitiba – Na última sexta-feira, a União Européia (UE) aprovou o Tratado de Lisboa, que substitui o fracassado projeto da Constituição Européia. Com o alargamento do bloco nos últimos anos – 12 países aderiram desde 2004 –, obter um ponto de vista de consenso tornou-se tarefa cada vez mais difícil. Especialmente em relação às políticas externas. A Guerra do Iraque foi um bom exemplo disso. Alguns países aprovaram a invasão, outros não. Para tentar solucionar esse problema, o Tratado de Lisboa criou os cargos de ministro das Relações Exteriores e de presidente da UE.

Para o português Jorge Miranda, constitucionalista e professor das Faculdades de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, as mudanças não agradam. "Eurocético" convicto, ele esteve em Curitiba na última sexta-feira, onde recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UniBrasil. Durante sua passagem, conversou com a reportagem Gazeta do Povo sobre o novo acordo do bloco europeu e sobre o Mercosul. Veja os principais trechos da entrevista:

Gazeta do Povo – Portugal assumiu há pouco tempo a liderança da União Européia. Qual o principal desafio dessa presidência?

Jorge Miranda – O principal desafio que Portugal tinha era conseguir o tratado, tanto que ele é chamado de Tratado de Lisboa. Será bom para a vaidade portuguesa. Mas eu sou um eurocético. Há muitas soluções do tratado com as quais eu não concordo.

Por exemplo?

A questão do presidente da União Européia, por exemplo. Até agora, existia uma prática muito interessante, em que a cada seis meses um líder de Estado da UE assumia a presidência. Era rotativa. Isso tinha duas grandes vantagens. Afirmava a igualdade dos Estados no bloco e aproximava a União Européia do cidadão. Quando a presidência é de um alemão, o povo alemão se interessa mais sobre o bloco. O mesmo acontece quando está na mão de um português: o povo de Portugal se interessa mais pela união.

E a criação do cargo de ministro das Relações Exteriores, foi uma boa idéia?

Espero que não haja muitas ilusões a respeito disso, porque o interesse de muitos Estados europeus não são convergentes. Há muitas diferenças entre os países, como França e Alemanha, França e Grã-Bretanha, Polônia e Alemanha. E numa época em que os nacionalismos europeus estão muito fortes, não sei se esse ministro vai ter uma função muito interessante.

Então uma política externa única para a UE não é possível?

Acredito que não. Até porque cada governo é eleito a nível nacional, portanto precisa agradar aos eleitores nacionais. Os Estados europeus são muito antigos, nacionais e com tradições muito fortes. Outra coisa: os Estados da Europa Central libertaram-se do julgo soviético há pouco tempo e não querem perder a soberania em favor da UE. Sinto falta também de uma participação democrática da população. Acho difícil uma integração nesse nível enquanto os povos europeus não tiverem a consciência de serem a mesma coisa.

E algum dia eles vão ter essa consciência?

Eu penso que nunca. No Brasil, um paranaense é antes de mais nada um brasileiro. Assim como o nordestino e o carioca. Na Europa isso não se verifica. Os Estados são muito antigos e com línguas diferentes, culturas diferentes. O que há de proximidade entre um português e um finlandês? Entre um grego e um dinamarquês? Julgo que nunca chegaremos a esse ponto [de consciência].

A União Européia e o Brasil fecharam um acordo de parceria-estratégica recentemente. Ao priorizar essa relação com o Brasil, a UE não está colocando o Mercosul em segundo plano?

Eu penso que não. Penso que a parceria estratégia com o Brasil trata apenas de uma tentativa de limitação das dificuldades de exportação dos produtos brasileiros para os países europeus. É uma abertura do mercado. Mas não põe em caso o Mercosul. De resto, eu também não sou otimista em relação ao Mercosul. Acho que cada Estado também segue muito sua própria política.

A entrada da Venezuela é boa para o bloco?

Pode ser boa na medida em que a Venezuela tem riquezas naturais, como o petróleo. Agora, sabendo da política do presidente Hugo Chávez, eu não sei se a entrada da Venezuela não é uma espécie de cavalo de tróia para o bloco.

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