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Linguagem

Por que a fala é exclusividade humana

Cientistas procuram entender por que os macacos possuem faculdades que estão por trás da comunicação entre homens mas não falam

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Caminhando pela floresta Tai, na Cos­­ta do Marfim, Klaus Zuberbuehler po­­dia ouvir os chamados dos macacos Cer­­copithecus diana, mas a tagarelice não significava nada para ele. Isso foi em 1990. Hoje, após quase 20 anos estudando a comunicação animal, ele é capaz de traduzir sons da floresta.

Esse chamado significa que um ma­­caco Cercopithecus diana viu um leopardo. Aquele outro significa que o ma­­ca­­co viu outro predador, a águia Ste­­pha­­noaetus coronatus. "É uma lição de humildade perceber que existem tantas informações sendo transmitidas de formas que não percebíamos antes", disse Zu­­berbuehler, psicólogo da Universi­­dade de St. Andrews, na Escócia.

Será que os primatas têm uma linguagem secreta que ainda não foi decodificada? Em caso afirmativo, isso resolverá o mistério de como a faculdade humana da fala se desenvolveu? Bió­­logos têm abordado a questão de duas formas, tentando ensinar linguagem humana aos chimpanzés e outras espécies, e ouvindo os animais na selva.

A primeira abordagem tem sido impulsionada pelo desejo intenso das pessoas – talvez reforçado pela exposição na infância aos animais que falavam nos desenhos animados – de se co­­municar com outras espécies. Os cien­­tistas investem grandes esforços em ensinar uma linguagem aos chimpanzés, seja na forma da fala ou de símbolos.

Com algumas exceções, ensinar uma linguagem humana a animais tem se provado algo sem sucesso. Eles conseguem se comunicar de forma bastante expressiva – pense em como os cães conseguem fazer com que entendamos seus desejos –, mas não relacionam sons simbólicos juntos em sentenças ou possuem qualquer coisa próxima de uma linguagem.

Melhores esclarecimentos têm vindo da audição de sons produzidos por animais na selva. Descobriu-se, em 1980, que macacos-verdes possuíam chamados de alarme específicos para seus predadores mais sérios. Se os chamados eram gravados e reproduzidos para eles novamente, os macacos respondiam adequadamente. Eles pulavam nas moitas ao ouvir o chamado do leopardo, observavam o chão ao ouvir o chamado da cobra, e olhavam para cima quando era reproduzido o chamado da águia.

Tenta-se pensar nesses chamados como palavras para "leopardo", "cobra" ou "águia", mas não é bem assim. Esses macacos não combinam os chamados com outros sons para produzir novos significados. Eles não os modulam, até onde se sabe, para transmitir a mensagem de que um leopardo está a 3 m ou 30 m de distância. Esses chamados de alarme parecem menos com palavras e mais como uma pessoa que grita "Ai!" – uma representação vocal de um estado mental interno, e não uma tentativa de transmitir uma informação exata.

Mas os chamados têm um sentido es­­pecífico, o que já é um começo. E os bió­­­­logos que analisaram os chamados dos macacos, Robert Seyfarth e Dorothy Che­­­ney, da Universidade da Pensilvânia, de­­tectaram outro elemento significativo na comunicação dos primatas quando eles passaram a estudar babuínos, se­­res muito sensíveis à sua hierarquia social.

Se os cientistas reproduzem um ba­­buíno superior ameaçando um inferior, e esse último gritando de terror, os ba­­buínos não prestam atenção – é normal para eles. Mas quando os pesquisadores reproduzem uma gravação na qual a ameaça de um babuíno inferior precede o grito de um superior, os babuínos olham impressionados para o alto-fa­­lan­­te que transmite essa aparente re­­vo­­lução na ordem social daqueles ma­­cacos.

Assim, eles e outras espécies parecem muito mais próximos dos humanos em seu entendimento da sequência de sons do que na produção deles. E al­­gu­­mas espécies podem ser capazes de produzir sons que parecem um passo ou dois mais próximos da linguagem humana.

Zuberbuehler relatou no mês passado que alguns macacos que vivem nas florestas da Costa do Marfim podem variar seus chamados individuais ao adicionar sufixos, assim como um fa­­lante de português muda o tempo verbal para o passado usando um "-ado". Os macacos produzem um alarme do tipo estalo ("krak") quando veem um leopardo. Mas acrescentar um "-oo" mu­­da o alarme para um alerta mais ge­­nérico de predadores.

Algo ainda mais notável: esses macacos podem combinar dois chamados para gerar um terceiro, com significado diferente. Os machos têm um chamado "boom boom", que significa "Estou aqui, venham". Quando "booms" são seguidos por uma série de "krak-oos", o significado é bem diferente, diz Zu­­ber­­buehler. A sequência significa "Ma­­dei­­ra! Árvore caindo!"

Mistério

Um projeto como esse poderia levar uma vida inteira de pesquisa, diz. Ma­­cacos possuem muitas das faculdades que estão por trás da linguagem. Eles ouvem e interpretam sequências de sons mais ou menos como os humanos. Eles têm um bom controle sobre seu trato vocal e podem produzir quase a mesma variação de sons que os humanos. Mas eles não conseguem juntar tudo isso. Isso é algo particularmente surpreendente, pois a linguagem é ex­­tremamente útil para uma espécie so­­cial. Uma vez que a infraestrutura da lin­­guagem existe, como é quase o caso de macacos, espera-se que a faculdade se desenvolva muito rapidamente por padrões evolucionários. Ainda assim, os macacos existem há 30 milhões de anos sem dizer uma só frase.

Nem os chimpanzés possuem algo que se pareça com uma linguagem, em­­bora eles tenham compartilhado um ancestral comum com os humanos há apenas 5 milhões de anos.

O que será que tem mantido todos os outros primatas presos no cárcere de seus próprios pensamentos? Seyfarth e Cheney acreditam que uma razão pode ser que eles não tenham uma "teoria da mente"; o reconhecimento de que ou­­tros tenham pensamentos.

Como um babuíno não sabe ou não se preocupa com o que outro babuíno sabe, ele não tem pressa em compartilhar seu conhecimento. Zuberbuehler enfatiza a intenção de se comunicar como o fator que falta.

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