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Militantes do Estado Islâmico desfilam nas ruas da província de Raqqa, na Síria,  para comemorar conquistas territoriais, em 30 de junho passado | Reuters
Militantes do Estado Islâmico desfilam nas ruas da província de Raqqa, na Síria, para comemorar conquistas territoriais, em 30 de junho passado| Foto: Reuters

43,7 bilhões dos 143 bilhões de barris das reservas de petróleo do Iraque são produzidos em Erbil, capital do Curdistão iraquiano. Por isso, proteger a cidade é a opção lógica de Washington.

O professor de Relações Internacionais Gutenberg Teixeira, doutorando em Responsabilidade Jurídica pela Universidade de León, na Espanha, escreve a seguir, a pedido da Gazeta do Povo, sobre temas ligados à nova intervenção americana no Iraque. Na opinião dele, Washington só voltou a bombardear o território iraquiano porque perdeu o controle sobre o Estado Islâmico. Se os militantes se contentassem em avançar apenas sobre a Síria, eles teriam sido tolerados pelos americanos.

Responsável

A ONU elevou na última semana a emergência no Iraque ao nível 3, o mais alto para uma crise humanitária. A situação no Iraque fica equiparada à da Síria, Sudão do Sul e República Centro-Africana. Dezenas de milhares de pessoas estão com as condições de saúde em rápida deterioração. Os EUA têm muita responsabilidade na situação atual iraquiana e agora tentam revertê-la com bombardeios e envio de armas para as autoridades locais. Washington diz combater a mesma militância sunita do Estado Islâmico (EI) que antes ajudou a fortalecer. Uma organização com que até a própria Al-Qaeda se recusa a cooperar tamanha a barbárie que promove no Curdistão iraquiano.

Barbárie

Em regiões da Síria que o EI controla, este adquiriu reputação de brutalidade extrema, crucificando, decapitando e amputando opositores, em geral soldados e civis leais ao governo de Bashar al-Assad. No passado, Washington havia enviado centenas de milhões de dólares para apoiar, armar e treinar os que hoje são a militância sunita do EI. Foi a ingerência dos EUA que transformou o EI no que ele é hoje.

Sem o apoio financeiro de Washington e de aliados no Oriente Médio (Kuwait, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) e sem o treinamento dado aos líderes do grupo pela CIA e pelos serviços de inteligência da Turquia e da Jordânia, para atuar na derrubada de Bashar al-Assad na Síria, o EI não seria essa ameaça séria à segurança .

Washington ataca o EI porque perdeu o controle sobre o grupo e busca, com os ataques, empurrá-lo de volta para a Síria. Não é de hoje que os EUA financiam grupos terroristas e, quando perdem o controle sobre eles, declaram guerra em nome do combate ao terrorismo.

Os ataques aéreos dos EUA sobre os militantes sunitas do EI apenas diminuíram o ritmo das operações do segundo. De fato interromperam por hora o avanço do EI até Erbil, mas não são capazes de debilitar o grupo significativamente. A nova intervenção dos EUA no Iraque não ajudará a frear o avanço do EI nem vai estabilizar a situação do país. Os ataques aéreos podem ser eficazes para dispersar a infantaria, mas nada além disso.

Uma ampliação dos bombardeios para outras áreas do Iraque não parece ser uma opção viável e, mais importante ainda, a ampliação não corresponde aos objetivos estratégicos dos EUA no momento.

Petróleo

Proteger Erbil, capital do Curdistão iraquiano é a opção lógica de Washington, já que ali são produzidos 43,7 bilhões dos 143 bilhões de barris das reservas de petróleo do Iraque, além de 25,5 bilhões de barris de reservas e 6 trilhões de metros cúbicos de gás. Existem funcionários ocidentais de transnacionais de petróleo e gás (Mobil, Chevron, Exxon e Total) aos bandos no Curdistão iraquiano e que vivem em Erbil. Na região existem mais de US$ 10 bilhões em investimentos.

O objetivo real dos bombardeios dos EUA é dizer aos militantes sunitas do EI que não se metam com os interesses das empresas transnacionais de petróleo e gás na região.

O procedimento aéreo sobre o Iraque por parte dos caças americanos se baseia no sistema "busca e destruição" (search and destroy) para tirar o ânimo e a vontade dos militantes sunitas de seguirem para Erbil.

Tolerância

O EI seria mais tolerado se retomasse a rota de expansão rumo a Aleppo ou a Damasco, já que defender a Síria de Bashar al-Assad não é interesse de Washington. Caso tal propósito fosse bem sucedido, ao conquistar Aleppo e cercar Damasco, o EI poderia continuar se expandindo pela fronteira libanesa. Trípoli, no Mediterrâneo, poderia ser ameaçada – o que daria aos EUA a possibilidade de expandir as intervenções sobre a Síria e o Líbano sob a justificativa de apoiar a defesa de Israel. Esse parece ser o objetivo dos EUA, que sempre buscaram desestabilizar o Líbano e a Síria como fizeram na Líbia, na Somália e no Sudão.

Desconfiança

A atuação de Washington no Iraque não resolve a crise e não protege a população iraquiana. Apenas combate os militantes sunitas do EI quando estes não servem aos interesses americanos. Além disso, e para agravar a situação, a facilidade com que o EI conquistou cidades e regiões iraquianas colocou em xeque a confiança que havia sido depositada sobre a competência do Exército do Iraque, treinado por especialistas americanos e armado por Washington.

Outra consequência real da decisão de bombardear o EI é que os políticos iraquianos continuarão inertes, sem capacidade ou sem interesse de atuar positivamente para controlar a crise no país, esperando que tudo se resolva por iniciativa de outras nações.

Yazidis

Apoiando abertamente os yazidis (minoria de origem curda) no Curdistão em seu conflito com o EI, os EUA apenas marcam uma minoria vulnerável com o estigma do favoritismo americano e isso trará consequências futuras para o povo dentro da realidade política do Iraque. Essa marca de favoritismo ianque pode custar muito caro para os yazidis. De fato, o apoio aos yazidis é mais propaganda para que a opinião pública continue a apoiar os bombardeios que adquirem assim um caráter "humanitário". Porém, quem realmente está ajudando na defesa dos yazidis é o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), movimento guerrilheiro que luta pela criação do estado Curdo e os guerrilheiros curdos sírios (YPG).

A ação do PKK não é reconhecida para não melindrar as relações dos EUA com a Turquia, que combate o PKK em território turco. Mas o mérito da defesa dos yazidis no Iraque é do PKK – considerado um grupo terrorista por Washington. O PKK e o YPG já vinham defendendo os yazidis desde antes dos bombardeios americanos. Eles estão no solo combatendo o EI cara a cara.

Interesses

A opinião pública iraquiana recordará que, durante anos, Washington tolerou a opressão contra os sunitas iraquianos, mas interveio quando outros grupos foram ameaçados. Tal fato gera outra consequência. Os aliados árabes de Washington no Oriente Médio (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) são sunitas. Nesses países, os bombardeios americanos são entendidos como benéficos aos interesses do Irã (de maioria xiita).

Os aliados árabes responderão então com medidas mais belicosas apoiando os radicais sunitas contra os xiitas, aumentando a tensão política na região.

De fato, Washington tem pressionado a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait e o Qatar no sentido de acabarem com os financiamentos ao EI, mas esses respondem que têm motivos para apoiar os militantes do EI na Síria já que Washington não agiu contra Assad. Parece que Washington, em sua postura dúbia, corre o risco de perder ainda mais o controle da situação.

A saída de cena do premiê iraquiano Nuri al-Maliki é consequência direta da atuação de Washington nos bastidores para lograr seu projeto para o Iraque e o Oriente Médio.

Os EUA removeram do caminho um líder político problemático – por se opor à presença militar dos EUA no Iraque e por apoiar a Síria. A saída de Maliki priva Assad de um aliado, fortalecendo o EI e outros militantes em guerra contra a Síria.

O fim de Maliki prova que o futuro político é desolador para qualquer líder iraquiano que se atreva contrariar Washington. Mais importante, permite que os EUA e seus aliados sejam a principal força política na guerra contra o EI.

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