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Mulheres indianas levam filhas que receberam nomes indesejados para novo registro, em campanha para combater o preconceito contra as mulheres, em Mumbai | AFP
Mulheres indianas levam filhas que receberam nomes indesejados para novo registro, em campanha para combater o preconceito contra as mulheres, em Mumbai| Foto: AFP

ONU cobra planejamento familiar

A cinco dias de a população mundial atingir a marca de 7 bilhões pelas estimativas da ONU, o Fundo de População das Nações Unidas divulgou relatório cobrando maior esforço dos governos para garantir o direito ao planejamento familiar às populações em países em desenvolvimento.

A entidade estima que, hoje, 215 milhões de mulheres casadas e em idade reprodutiva nesses países, ou 11% do total, não estejam usando, apesar de desejarem, métodos contraceptivos.

A situação é mais grave na África, especialmente na região subsaariana, onde a proporção de mulheres nessa situação chega a 25%, porcentual estável nos últimos dez anos.

Não por acaso, é justamente na África onde se verificam hoje as maiores taxas de fecundidade. A média do continente é de 4,4 filhos por mulher, mas em alguns países chega a 7. Na Europa, essa taxa é de 1,6, abaixo do patamar de mera reposição populacional: 2,1.

Num momento em que a população cruza a barreira dos sete bilhões de habitantes, os especialistas temem que o desequilíbrio de sexos favoreça o surgimento de países inteiros de solteiros em busca de uma esposa. As consequências exatas do que o demógrafo francês Christophe Guilmoto denomina uma "masculinização alarmante" em países como a Índia e a China devido aos abortos seletivos são ainda incertas.

Muitos especialistas afirmam, no entanto, que em 50 anos a escassez de mulheres terá um impacto na sociedade similar ao do aquecimento do clima, um fenômeno invisível, mas bem real.

Por trás dessas advertências se escondem estatísticas irrefutáveis: nascem entre 104 e 106 meninos para cada 100 meninas, e a menor modificação desta proporção só pode ser explicada por fatores anormais. Na Índia e no Vietnã, a cifra é de cerca de 112 meninos por 100 meninas. Na China, a proporção se eleva a quase 120 por 100, quando não é de 130 meninos por 100 meninas em algumas regiões.

O que mais chama atenção é que esta tendência se estende: no Azerbaijão, Geórgia e Armênia, a relação entre os nascimentos é de mais de 115 meninos por 100 meninas. Na Sérvia e Bósnia, se constata o mesmo fenômeno.

A tomada de consciência mundial sobre esse ponto específico da demografia remonta a 1990, quando um Prêmio Nobel indiano, o economista Amartya Sen, publicou um artigo com um título contundente: "Mais de 100 milhõ­­es de mulheres desapareceram".

Os demógrafos calculam que esta cifra agora está acima dos 160 milhões e é o resultado da tradicional preferência por homens na Índia, da queda da fecundidade e, principalmente, as ultrassonografia baratas que permitem abortar quando se trata de uma menina.

Guilmoto diz que em ambos os países o casamento será por várias décadas uma dor de cabeça para os homens. "Não apenas esses ho­­mens terão de casar-se numa idade mais avançada, como correm o risco de ficar solteiros", indica.

Alguns estudiosos preveem aumento da poliandria (uma mulher com vários maridos) e o turismo sexual, enquanto outros vislumbram cenários catastróficos, nos quais a depredação sexual, a violência e os conflitos serão as novas normais sociais.

Há alguns anos, os analistas políticos Valerie Hudson e Andrea den Boer chegaram a escrever que os países asiáticos majoritariamente povoados por homens representavam uma ameaça para o Ocidente. Segundo eles, "as sociedades com forte relação homens-mulheres só podem ser governadas por regimes autoritários capazes de suprimir a violência em seu próprio país e de exportá-la para o exterior por meio da colonização ou a guerra".

Mara Hvistendahl, jornalista da revista Science e autor de um recente ensaio intitulado "Seleção não-natural", afirma que o risco de guerras em grande escala é pouco provável. Mas admite que "historicamente as sociedades onde o número de homens superaram ao de mulheres não são agradáveis para viver", evocando os riscos de instabilidade e, inclusive, de violência.

Os serviços da ONU advertiram sobre uma correlação entre escassez de mulheres e um au­­men­­to do tráfico sexual ou imigração de populações em busca de casamento. As soluções para o problema, no momento, não são muitas. Na opinião de Guilmoto, a prioridade agora é assegurar-se de que a questão seja de conhecimento público, e não apenas nos países emergentes.

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