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Iraquianos protestam contra falta de energia, desemprego, falta de água limpa e má adminstração por parte do governo | HAIDAR MOHAMMED ALI/AFP
Iraquianos protestam contra falta de energia, desemprego, falta de água limpa e má adminstração por parte do governo| Foto: HAIDAR MOHAMMED ALI/AFP

Protestos no coração xiita do Iraque nas últimas semanas afetaram as perspectivas de que o primeiro-ministro firmemente pró-americano consiga um segundo mandato. Os manifestantes transformaram suas frustrações em relação aos serviços básicos precários em uma condenação total da liderança de Haider al-Abadi.

As manifestações, que se transformaram de marchas caóticas e, às vezes, violentas em insurreições cotidianas, levaram poderosas figuras religiosas e políticas a atacar al-Abadi e acusá-lo de ser a fonte dos diversos problemas do Iraque. Isto pode-lhe custar o mandato, apesar de seus sucessos amplamente aclamados no ano passado em levar o governo iraquiano à vitória sobre o Estado Islâmico e firmemente recusar uma tentativa de independência curda. 

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Apesar de sua performance ter sido fraca nas eleições nacionais, realizadas em maio, terminando bem atrás do clérigo xiita Moqtada al-Sadr, os observadores políticos especulavam que Abadi poderia manter sua posição em um governo de coalizão. 

O crescente descontentamento popular lhe causou um revés abrupto. Para os Estados Unidos, esta mudança de rumo expõe uma fraqueza em uma estratégia centrada em apoiar Abadi na esperança de que sua mensagem de nacionalismo antissectário se traduza em uma nova era na política iraquiana. 

Se Abadi não conseguir um segundo mandato, os Estados Unidos enfrentam a perspectiva de um novo governo iraquiano menos simpático a Washington e mais aberto ao Irã, ao qual o presidente americano Donald Trump aplicou sanções econômicas e ameaçou com uma ação militar. 

Tendências

Tanto Sadr como Hadi al-Amiri, um líder da milícia xiita cujo grupo terminou em segundo lugar nas eleições, têm uma longa história de oposição às forças dos EUA e consideram o envolvimento americano no Iraque como uma continuação da ocupação de 2003. Enquanto Sadr se opõe publicamente à influência iraniana no Iraque e na região, Amiri se beneficiou do apoio militar e financeiro do Irã. 

"Os EUA certamente calculam mal ao pressionar abertamente por um segundo mandato para Abadi", disse Nussaibah Younis, especialista em Iraque da Chatham House. Ela acrescentou dizendo que Washington deveria ter enfatizado suas prioridades para o governo iraquiano em lugar de se concentrar em um indivíduo específico.

"Impulsionar a continuação de Abadi foi a maneira mais fácil para os EUA tentarem proteger os ganhos obtidos no Iraque nos últimos quatro anos sem ter de fazer as bases substanciais que seriam necessárias para construir uma série de alternativas políticas." 

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Antes das eleições nacionais em maio, Abadi era visto, em grande parte, como o favorito por causa de sua gestão do país, no momento em que o Iraque lutava para recuperar o território perdido para o Estado Islâmico e passava por uma crise econômica impulsionada pela queda dos preços do petróleo. Também foi atribuído a ele o mérito de tratar de salvar a divisão do Iraque entre sunitas e xiitas. 

Ele ainda reforçou suas credenciais ao ordenar uma resposta militar a um referendo curdo sobre a possibilidade de buscar a independência do Iraque. Esta ação firme parecia apagar a noção de que ele era fraco. 

Mas, em uma eleição que viu uma participação de eleitores historicamente baixa de 44%, a posição de Abadi foi severamente enfraquecida. Os resultados  estão sendo submetidos a uma recontagem completa, por causa das evidências de irregularidades generalizadas e acusações de fraude. Não se espera que a contagem altere significativamente o resultado original. 

O atraso de quase três meses na homologação dos resultados da eleição tem contribuído para as crescentes críticas a Abadi e enfraqueceu sua aposta para outro mandato, à medida que os blocos políticos vencedores negociam a formação de um novo governo. 

Revés

Abadi se recusou a discutir suas perspectivas para um segundo mandato. Ele foi duramente criticado por inicialmente responder aos protestos com força, mas, recentemente, suavizou a abordagem, dizendo que as demandas dos manifestantes são legítimas e prometeu alívio econômico imediato. 

Inicialmente, Sadr disse que apoiaria Abadi para liderar o novo governo. Na semana passada, no entanto, enquanto os protestos de rua continuavam, o clérigo delineou um conjunto de condições que correspondiam às demandas dos manifestantes pela mudança. Em parte, o clérigo disse que o novo primeiro-ministro deveria ser independente que não tenha ocupado o cargo eleito. Esta estipulação, por si só, eliminaria o atual primeiro-ministro da disputa. 

Ela se seguiu a um golpe anterior da autoridade religiosa xiita mais alta do país, o influente grande aiatolá Ali Sistani. Durante um sermão televisionado na sexta-feira, assistido por milhões de pessoas, um representante do recluso aiatolá defendeu os manifestantes e disse que suas exigências eram legítimas. Ele então disse: "O primeiro-ministro assume total responsabilidade pelo desempenho de seu governo. Ele precisa ser rigoroso, firme e corajoso na luta contra a corrupção financeira e administrativa - que é a base da maior parte da situação ruim do país". 

A crítica foi vista em grande parte como uma rara reprovação de Abadi pelo establishment religioso, que o havia apoiado durante seu mandato, e reavivou as críticas anteriores de que ele era fraco. Apenas algumas horas depois do sermão, os manifestantes que se reuniam semanalmente na Praça da Libertação de Bagdá começaram a manifestar sua ira em Abadi, pela primeira vez questionando explicitamente sua liderança. 

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"Eu participei de todos os protestos, mas hoje estou aqui especialmente contra Abadi", disse Mohammed Ismail, enquanto segurava uma foto do primeiro-ministro com a palavra "deixar" impressa. 

"Desde que Abadi foi empossado, não cumpriu nenhuma de suas promessas", disse Ismail. "Ele teve uma chance de ouro quando o apoiaram para fazer reformas, mas ele estava fraco demais para fazer qualquer uma delas. Ele não é a pessoa certa para liderar o Iraque." 

Ahmed Adnan disse que Abadi desperdiçou um apoio sem precedentes do parlamento, Sistani e dos iraquianos. "Mas ele foi muito estúpido e muito covarde para usar o apoio e agora todas estas três partes estão contra ele", disse ele. 

Hamid al-Mutlaq, um membro sunita do parlamento, disse que Abadi teria sido um candidato aceitável à reeleição, mas os protestos permitiram que outros partidos o deixassem de lado. "Abadi é o melhor entre todos os primeiros-ministros anteriores, mas ainda assim ele mostrou suas fraquezas mais de uma vez", disse ele. 

"Ele não pode punir os corruptos e não pode enfrentar as milícias armadas. Ele não será capaz de governar o país na próxima fase." 

Negociações

Um importante funcionário próximo às negociações, que falou sob condição de anonimato para falar sobre as negociações delicadas, disse que Abadi não é mais visto como um parceiro essencial para os dois centros de poder emergentes: o bloco majoritário de Sadr, apoiado pelo grupo xiita Hikma, e o bloco de Amiri, apoiado pelo ex-primeiro ministro Nouri al-Maliki. 

Abadi foi relegado ao mesmo status minoritário dos partidos curdos e sunitas, que são vistos como parceiros secundários na formação de um governo, disse o funcionário. Além disso, um novo nome dentro de seu próprio partido Dawa surgiu para ser potencial sucessor: Tarek Najm, disse a autoridade. 

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Ainda assim, os aliados de Abadi dizem que o primeiro-ministro pode manter seu cargo se enfatizar os ganhos contra o Estado Islâmico e ressaltar que os manifestantes fixaram sua ira em toda a classe política, incluindo partidos rivais. "Devido aos protestos e à raiva das pessoas, eles não correriam o risco de escolher uma nova pessoa para o posto, que começaria tudo do zero", disse Shamil Kahiyya, membro do partido Dawa. 

Mas Younis, analista da Chatham House, disse que o pedido por uma "mudança fundamental na abordagem" tanto do establishment religioso quanto dos manifestantes minou qualquer possibilidade de continuidade política. "Abadi ainda poderia permanecer se os blocos políticos lutarem para identificar uma figura de compromisso alternativa", afirmou ela. "Mas agora há um reconhecimento de que tal decisão não ajudará a acalmar os cidadãos iraquianos, que pedem uma mudança radical".

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