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Sem surpresas, dizem os analistas. Cristina Elizabeth Fernandéz de Kirchner é a primeira mulher a vencer eleições presidenciais na Argentina, o país de Evita e de Isabelita, que governaram sem nunca terem sido eleitas. Em mundo no qual se vota cada vez menos em homens para a chefia de poderes executivos, a voga da política de gênero e de mulheres presidentes também chega à América Latina. De Kirchner, como no sobrenome de Cristina, não significa título de nobreza na maneira da velha Europa, mas a forma pela qual as mulheres incorporam o nome dos maridos, na herança espanhola de nossos vizinhos, com retórica patrimonialista que fala per se.

Diante do lema de campanha mudar na continuidade, resta saber o que continuará e o que mudará em relação à política de seu marido Néstor. O Pingüim, como é chamado o Presidente, por seus laços com as regiões mais frias do país, populista e profundo conhecedor da alma nacional, sai da eleição como o grande vencedor, idealizador de um novo peronismo de resultados. Com muitos méritos, diante de candidata resoluta e pragmática, o presidente argentino soube, como exímio malabarista, estar próximo e distante da primeira dama, conforme as necessidades da campanha. E não foi fácil angariar, em um só tempo, o apoio de importantes setores empresariais, ao lado do voto poderoso das mães da Praça de Maio, que, pela primeira vez, não foram de oposição.

Heroína das periferias e dos despossuídos de uma Argentina que sangra a sucessivos desgovernos, agora caberá à senhora de Kirchner governar de forma construtiva e responsável, para conduzir seu país ao patamar de prestígio e de reconhecimento internacionais conferidos às grandes nações. Ao anunciar que concentrará seus esforços no fortalecimento de instituições democráticas, como justiça, parlamento e instâncias de controle estatal, a nova mandatária reconhece carências de um Estado fragilizado por movimentos sociais contundentes e desagregadores, como piqueteiros e grevistas inflamados, prontos a morrer pela notícia.Tais movimentos chegam a incidir sobre a política externa, como no recente imbroglio político e diplomático com o Uruguai, sobre fábrica de papel construída na fronteira entre os dois países, e que se transformou em processo na Corte Internacional de Justiça.

Como nos icebergs, porém, a base dos problemas está longe da percepção fácil da visão, pois subjaz ao nível da água. Controlar a inflação galopante, que de boa lembrança sabemos comprometer qualquer plano de governo, deverá ser o grande desafio da nova residente da Casa Rosada. Já com dois dígitos de inflação/ano, incumbirá a quem governar a adoção de remédios socialmente tão amargos quanto eficientes, aptos ao controle da desvalorização da moeda, porém com custos políticos altíssimos.

Nesse mesmo sentido, conter as expectativas semeadas por promessas eleitorais de amplos investimentos sociais, de combate ao desemprego e de aumento de pensões de aposentados e de veteranos de guerra não será tarefa fácil, ainda que com apoio congressual significativo. A vitória já em primeiro turno da candidata oficial, assim como a expressiva bancada congressual aliada, garantirá a governabilidade ao País.

Para o Brasil, a estabilidade e o crescimento da Argentina são fundamentais. Mais que isso, uma fina sintonia entre Brasília e Buenos Aires é essencial para a inserção e a participação internacional de melhor qualidade, para o reconhecimento da América Latina como parceira estratégica de excelência. Não apenas no plano político, mas para projetos de investimentos, com segurança jurídica e com responsabilidade social. Disputas entre as nações líderes do Mercosul interessam apenas a adversários e a concorrentes comerciais dos países do cone sul, impacientes diante de conquistas significativas de nossas economias, a cada dia mais competitivas, como o demonstram os constantes casos que vem obrigando à Organização Mundial do Comércio a também falar português e espanhol.

Jorge Fontoura é professor titular do Instituto Rio Branco e Presidente do Centro de Estudos de Direito Internacional, Cedi (Brasília-DF).

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