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Torcedores alemães lamentam  a derrota da sua seleção para a Coreia do Sul, o que acabou resultando na eliminação da Copa  | JOHN MACDOUGALL/AFP
Torcedores alemães lamentam a derrota da sua seleção para a Coreia do Sul, o que acabou resultando na eliminação da Copa | Foto: JOHN MACDOUGALL/AFP

A vergonhosa eliminação da seleção alemã da Copa do Mundo, na quarta-feira, pode ser apenas uma derrota no futebol, mas aparenta ser mais do que isso: a expressão de um momento ansioso e desafortunado de hesitação e incerteza para a Alemanha. 

Mudei-me para Berlim em 2014, durante a Copa do Mundo anterior, na qual um time alemão alegre e confiante acuava seus oponentes como uma máquina implacável, no estilo de seus antecessores, e os envolvia com passes inteligentes e uma velocidade surpreendente. 

A vitória por 7 a 1 sobre o Brasil teve uma qualidade onírica, mas era, de alguma forma, esperada de uma equipe que combinou a astúcia e a imaginação de jogadores de origem do Oriente Médio, Mesut Özil e Sami Khedira; o atletismo fácil de Jerome Boateng, filho de pai ganense; o cavalheirismo e a ousadia do polonês Miroslav Klose; a tenacidade de Lukas Podolski e a precisão de engenheiro do católico bávaro Bastian Schweinsteiger. 

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Eu sei que esta é uma coleção de clichês de personagens nacionais, mas o futebol prospera neles. Na melhor das hipóteses, lembra as nações de suas qualidades e pontos fortes. A Alemanha moderna, que a revista Monocle classificou como a número 1 do mundo em soft power (habilidade de atrair sem coerção) em 2013, era fácil de entender, gostava das origens variadas desses jogadores e da forma mágica como suas habilidades e personagens se fundiram em um todo coerente, a Mannschaft. Essa equipe prometeu a visão de um país recriado, reforçado pela criatividade dos recém-chegados e curado de um passado horrível com seus ódios e divisões. 

A política alemã também parecia esperançosa nesta época. Dois partidos, que conquistaram 67,5% dos votos no final de setembro de 2013, os democratas cristãos de Angela Merkel (CDU /CSU) e os social-democratas (SPD), conseguiram formar uma coalizão no final de novembro. Seu programa combinou o conservadorismo fiscal do centro-direita com as sensibilidades de centro-esquerda. 

Merkel era um dos líderes mais experientes da Europa, uma negociadora astuta que se mostrava indispensável em todas as crises e que era capaz de defender os valores europeus — não apenas enfrentando o presidente russo Vladimir Putin, cuja anexação da Crimeia foi a razão pela qual deixei minha terra natal, a Rússia. Pude me identificar com o estilo e a essência do governo Merkel, assim como poderia me identificar com a equipe nacional de 2014. 

Muita coisa mudou em quatro anos

É mais difícil quatro anos depois, com outros clichês alemães em evidência. A palavra alemã "angst" existe também agora em inglês, porque significa algo mais do que apenas medo. Os Irmãos Grimm definiram-na no seu dicionário de alemão como "não apenas falta de coragem, mas uma preocupação torturante, uma condição geral de dúvida ." Angst vem da raiz "eng", que significa apertado, estreito. Lutero descreveu isso como o sentimento de infelicidade que funciona "como se o vasto mundo fosse muito estreito para mim". 

Isto parece se encaixar perfeitamente na seleção de 2018 da Alemanha. Özil parecia sem propósito e petulante quando estava em campo; Boateng foi expulso; Khedira era uma sombra de si mesmo; Podolski e Klose se aposentaram. Uma ansiedade nervosa se mostrou no passe impreciso, o jogo defensivo incerto e no tremendo desespero de tentativas de último minuto para tentar replicar a qualidade de equipes anteriores. 

Uma angústia torpe e similar permeia a política e o governo. A atual coalizão governista levou de setembro até meados de março para se formar, quase seis meses de preocupações, recriminações e dúvidas. Ela representou apenas 53,4% dos votos e mal consegue 50% de apoio nas pesquisas atuais. 

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A magia de negociação de Merkel desapareceu, embora a destreza ainda esteja ali. Outros líderes europeus sentem sua fraqueza e não estão dispostos a ajudar. O futuro de seu governo está ameaçado por uma briga desnecessária com seus aliados bávaros da CSU, que insistem em reintroduzir controles de fronteira para afastar os solicitantes de asilo que se registram em outros países da UE, mas viajam à Alemanha, mais rica, em busca de benefícios. 

Não há provas de que esse "turismo de asilo" seja generalizado. A imigração diminuiu consideravelmente desde 2015 e 2016 e o número de crimes cometidos por imigrantes está em baixa. 

A CSU, liderada pelo ministro do Interior, Horst Seehofer, está se esforçando para melhorar a performance na eleição estadual de outubro na Bavária, mas as pesquisas não mostram nenhum ganho para o partido na luta. No entanto, a angústia não é racional: é o contraste perfeito para a praticidade alemã. A angústia de Seehofer está tornando-o tão nervoso quanto o jogador médio alemão nos últimos 10 minutos do jogo desastroso contra a Coréia do Sul, e está fazendo com que a posição de Merkel seja tão incerta quanto a do técnico da seleção, Joachim Löw. 

Um país deprimido

A possibilidade de uma desaceleração econômica inexplicável (em 2014, a economia alemã cresceu 1,9% após dois anos de crescimento de 0,5%) e a instabilidade política não são um contexto adequado para as vitórias do futebol. O futebol é um barômetro sensível dos espíritos de uma nação. A Alemanha está depimida. 

O que tenho aprendido nestes quatro anos, no entanto, é que esta angústia é apenas temporária. Este é apenas um momento de hesitação que vem antes de se reagrupar e reconstruir, dentro e fora do campo de jogo.

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