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Defensores de Trump exibem cartaz agressivo contra Hillary Clinton. | David Becker/AFP
Defensores de Trump exibem cartaz agressivo contra Hillary Clinton.| Foto: David Becker/AFP

Existe uma crise do diálogo no país que acredita ser o lugar onde mais se respeita a liberdade de expressão no mundo. De um lado, eleitores do republicano Donald Trump acusam a mídia tradicional de não reproduzir suas preocupações e fecham seus ouvidos para tudo o que não concordam. De outro, os democratas seguidores de Hillary Clinton apontam os defeitos de seus opositores e se recusam a ponderar o que há de correto nas suas ideias. Essa “conversa de surdos” facilita o fanatismo, inibe o debate para resolução dos problemas dos EUA e balança as estruturas democráticas para o “pós-8 de novembro”, quando acontecem as eleições presidenciais americanas.

“As pessoas estão fechadas em seu círculo de amizades nas mídias sociais e em outras redes, deixando de checar informações e excluindo opiniões diferentes das suas. Isso não acontece apenas aqui nos Estados Unidos, mas também em outros lugares, como vimos na votação do Brexit [plebiscito pelo qual os ingleses decidiram sair da União Europeia]”, explica Carolyn Kitch, pesquisadora e coordenadora do departamento de jornalismo da Universidade de Temple, em Filadélfia. “Uma coisa que estamos estudando e ressaltando é a porcentagem de americanos que abrem mão de consumo de qualquer tipo de mídia. E o que está preenchendo esse vazio é o laço direto entre o candidato e o cidadão, que nem sempre dissemina informações de acordo com a realidade”.

Imbuídas de uma série de ideias fragmentadas transmitidas via Facebook, Whatsapp, e outras redes de influência, como líderes comunitários ou religiosos, os eleitores estão se fechando em tribos consistentes e, mesmo que uma mentira seja comprovada, essa constatação não é levada em conta. “Dessa forma, cria-se uma dissonância cognitiva nos eleitores. Quando alguma fonte de informação comprova um erro ou mostra a mentira de um determinado candidato, a reação não é a de questionar, mas duvidar da fonte de informação, ainda que a informação esteja documentada”, afirma outro pesquisador de comunicação, o professor Lance Holbert, também da Universidade de Temple.

Aliada à tendência de não ler nada mais do que a superficialidade de posts e mensagens instantâneas, está o descaso das autoridades para resolver os problemas econômicos e sociais das classes mais pobres e a pouca cobertura dos canais de comunicação tradicional em relação a esses desafios. Não se sentindo ajudada por ninguém, a população mais vulnerável tende a radicalizar suas posições para ser ouvida.

“A ascensão da intenção de voto em Donald Trump como candidato republicano, um candidato escolhido pela base e não pelas lideranças republicanas, fez com que as elites, não só do partido republicano, mas também do democrata, percebessem que não se deram conta dos sinais que a população deu sobre a sua insatisfação, principalmente em relação às questões econômicas”, afirma Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute Wilson Center em Washington.

Essa radicalização do discurso, seja ela qual for, de ricos contra pobres, de esquerda contra a direita, promove um sentimento da população contra as instituições democráticas, caminho que pode levar à violência e à ditadura do lado ‘vencedor’.

“A democracia, a criação de estruturas para buscar garantir os direitos fundamentais de todos, funcionou até hoje porque um candidato para se eleger tinha de se envolver em direção ao centro, os extremistas não costumavam se eleger”, explica o professor Carlos Gustavo Poggio Teixeira, Professores de Relações Internacionais da PUC-SP. “Se as pessoas acham que as instituições democráticas não estão sendo suficientes para lidar com os seus problemas, nasce esse sentimento ‘anti-imprensa’, ‘anti-establishment’, de resolver as coisas pelos extremos e levando ao esgotamento da democracia”, diz.

Como nos Estados Unidos o governo é descentralizado, os 50 estados têm muita independência em relação ao governo federal, a avaliação dos especialistas é que essa polarização é um susto para a democracia, mas não chega a colocá-la em risco. Isso porque se o Congresso americano tem tido dificuldades para aprovar projetos de lei por causa dessa radicalização que o paralisa, as gestões estaduais e municipais têm assumido uma posição mais forte para buscar soluções democráticas, porque nesses âmbitos o diálogo não se fechou.

Alguma semelhança com o Brasil?

O movimento de polarização ‘direita-esquerda’, insuflado pelo costume difundido de ouvir apenas os argumentos de um único ponto de vista, não ocorre apenas nos Estados Unidos. Os especialistas identificam movimentos semelhantes que levaram a população na Inglaterra a se desvincular da União Europeia, o chamado ‘Brexit’, ou aos colombianos a decisão de votar contra o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, responsáveis por um rastro de violência nesse país).

No Brasil, a falta de diálogo é clara entre os grupos ‘fora Dilma’ e ‘fora Temer’, por exemplo. E também em outras questões, como nos ativistas pró e contra ocupação de escolas. De um lado, a minoria que ocupa escolas não respeita opiniões contrárias e impede as aulas da maior parte dos alunos que é contra o movimento, ferindo a democracia; de outro, os radicais de direita não querem admitir que algumas das bandeiras de quem ocupa escolas é legítima. Nesse caso, aparecem todos os fatores característicos da polarização fechada ao diálogo: ideias fragmentadas difundidas pelas redes sociais, falta de conhecimento dos dois lados do que está em jogo (no caso a reforma do ensino médio) e ações violentas, aplaudidas nas mídias sociais.

*A jornalista acompanha o processo eleitoral nos Estados Unidos pelo programa Reporting Tour Election

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