• Carregando...
Construída no século 14, a igreja de Santa Maria Paganica foi destruída pelo terremoto de dois anos atrás na cidade italiana de L’Aquila | Danilo Almeida
Construída no século 14, a igreja de Santa Maria Paganica foi destruída pelo terremoto de dois anos atrás na cidade italiana de L’Aquila| Foto: Danilo Almeida

Com esmero e um certo ar de resignação, a historiadora de arte Irene Castelli esfolia, com um pincel, um por um dos blocos e pedras que formavam o teto da igreja de Santa Maria Paganica, levantada no século 14 e destruída dois anos atrás – mais precisamente, em 6 de abril de 2009 – pelo terremoto que devastou L’Aquila, 100 quilômetros a leste da capital italiana. "Não sei te dar previsão alguma de quando esse trabalho vai terminar", diz. Pa­­ciência tem sido a palavra-chave na reconstrução da cidade.

A igreja fica na chamada zona vermelha, uma área de cerca de 1 milhão de metros quadrados bem no centro histórico, fechada por grades e vigiada por soldados do Exército. Por suas vielas medievais passam apenas técnicos, operários, policiais e gente expressamente autorizada. À noite, o si­­lêncio só é interrompido pelo barulho do vento e pelos estalos de uma ou outra construção que ainda pode desabar. Parece uma cidade fantasma.

Nessa área interditada – visitado pela reportagem – está o que sobrou da história e dos prédios que faziam de L’Aquila um dos principais cartões postais italianos. A torre de uma outra igreja caiu; a sede de uma universidade é toda rachaduras e vidros quebrados; o térreo de algumas casas acumula o entulho dos pi­­sos superiores que ruíram. O ar ainda é todo empoeirado; nada foi reconstruído.

"Ainda estamos no trabalho de dar segurança aos restauradores. Não é uma tarefa rápida, mas artística, que leva tempo", diz o operário Giuseppe Collaiuta, 70 anos. "Não vou estar vivo quando estiver tudo reconstruído." Pelo cálculo mais otimista da prefeitura, serão mais 20 anos de espera , ao fim dos quais terão sido consumidos, estima-se, 12 bilhões de euros (R$ 27 bilhões).

Destruição

Estrago tem pela cidade toda, não só na zona vermelha. Nos edifícios, o primeiro piso é sempre o mais danificado. É uma cena comum: paredes quase inteiras estão no chão e, pelo vão, veem-se camas, guarda-roupas e objetos pessoais. Muitos dos que tiveram de sair para a rua às pressas naquela madrugada de domingo para segunda nunca mais puderam voltar para casa.

Ainda hoje, por volta de 10 mil imóveis severamente danificados estão vazios. Num residencial perto do centro, a porta de saída mantém os vidros quebrados e manchas secas de sangue. Na­­quele 6 de abril, como era de madrugada, a passagem estava trancada. Na correria, alguém se cortou ao quebrar os vidros, lembra um morador que tem ali, entregue ao destino, seu apartamento avaliado em 100 mil euros (R$ 230 mil).

Não muito longe, fotos de oito universitários, flores e cartazes com mensagens de protesto estão pendurados na cerca que isola a "casa dos estudantes" – nome pelo qual ficou conhecido o local em que eles moravam e morreram.

No centro histórico, são centenas de molhos de chaves presas às grades. É a forma de os comerciantes reclamarem da demora na reconstrução. Numa cidade de economia até então preponderantemente turística, o prejuízo é incalculável.

Rotina

Difícil encontrar um entre 70 mil moradores que, de algum modo, não tenha sido afetado – 308 pessoas morreram e aproximadamente 1.600 ficaram feridas. "Nos cinco meses seguintes ao terremoto, eu despertava assustada toda noite entre 3 e 4 da manhã (o tremor foi registrado às 3h32). Acontecia isso com muita gente", recorda Rosana Luciane.

Segundo números da prefeitura, um terço de toda a população ainda mora provisoriamente, a grande maioria em conjuntos habitacionais construídos às pressas nos subúrbios da cidade. Até que os prédios ficassem prontos, no fim de 2009, carros, tendas em campos de futebol e casas de parentes serviram de moradia.

Os novos apartamentos são de dois quartos, com cerca de 50 metros quadrados e aparentemente bem acabados. Os moradores arcam apenas com as contas de água, gás e luz. Quando tiverem a casa original reconstruída, sabe-se lá quando, devem ceder o espaço atual para universitários.

Rosana Luciane vive essa situação. Antes ela morava do lado do trabalho; agora, leva até uma hora nesse percurso. Como todo morador de L’Aqui­­la, garante que vai se acostumando a ter paciência. "É um teto, está bem, mas não é a minha casa. Ela podia ser feia, pequena, mas era minha. Como não há o que fazer, resta esperar."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]