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"Há vários planos para o uso do entulho (deixado pelo terremoto). A reciclagem para a reconstrução, o aterramento de parte da orla para fazer uma avenida beira-mar e até artesanato" | Daniel Castellano / Gazeta do Povo
"Há vários planos para o uso do entulho (deixado pelo terremoto). A reciclagem para a reconstrução, o aterramento de parte da orla para fazer uma avenida beira-mar e até artesanato"| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Epidemia

Cólera já matou 250 haitianos

A epidemia de cólera que já matou 253 pessoas e infectou outras 3.015 no Haiti chegou à capital Porto Príncipe.

Preparando-se para o pior cenário possível – o de que a doença se alastre por acampamentos de desabrigados do terremoto de 12 de janeiro –, a ONU está construindo 12 centros de tratamento. Segundo as Nações Unidas, cinco pessoas portadoras da doença foram identificadas em Porto Príncipe e estão sendo tratadas.

Apesar de o governo ter afirmado ontem que os casos se propagam em menor velocidade e a doença está sendo controlada, fontes acreditam que a doença deve se espalhar em breve pelas favelas e 1.268 acampamentos da capital.

Tropas de engenharia do Brasil e do Chile constroem hospitais de campanha em Saint Marc, foco original da doença.

  • Campanha presidencial, em que concorrem 19 candidatos, é feita em meio aos escombros

O Haiti voltou às manchetes do mundo em meio a um surto de cólera que já matou mais de 250 pessoas. As imagens de doentes amontoados por corredores de casas e em barracas fazem lembrar que a destruição causada pelo intenso terremoto que atingiu Porto Príncipe em janeiro está longe de ser coisa do passado. Na falta de hospital, a ONG Viva Rio centraliza os atendimentos na capital, e a embaixada brasileira cedeu duas ambulâncias às autoridades do país.

A colaboração do Brasil com o governo haitiano foi ampliada desde o tremor – tanto que, quando fala do Haiti, o embaixador brasileiro em Porto Príncipe, Igor Kipman, usa a primeira pessoa do plural. Nesta entrevista que concedeu em Curitiba à Gazeta do Povo, o diplomata fala dos desafios de reconstruir o país em meio a crises constantes.

Como está o trabalho de reconstrução?

É um trabalho muito lento, que vai muito devagar por inúmeras razões. A principal delas é que, do dinheiro prometido em março na conferência de doadores, num total de US$ 5 bilhões, apenas uma pequena parte chegou. O Brasil foi o primeiro a entregar tudo o que prometeu – US$ 55 milhões, sendo US$ 15 milhões de apoio orçamentário ao governo haitiano e US$ 40 milhões destinados à construção de uma barragem de hidrelétrica. Não que seja motivo de orgulho, mas somos o maior contribuinte por enquanto. As grandes contribuições prometidas por EUA, União Europeia e Canadá até hoje não aconteceram. Com exceção de Noruega e Austrália, que já contribuíram. O Haiti é muito importante na região, mas basicamente por ser o país mais pobre do continente, por uma questão mais humana do que política.

O que de mais importante já foi colocado para funcionar?

(Sorri) Reconstruído, mesmo, não há praticamente nada. Há um esforço muito grande da Unicef, principalmente, do qual nós participamos, de construir escolas temporárias, em compensado, pelo menos para que as crianças possam ter aula. Mas nem todas foram atendidas. Outro problema é que o provisório no Haiti acaba se tornando permanente.

E a retirada de escombros?

A imprensa internacional critica as ruas cheias de escombros como se ainda não tivessem sido limpas. Mas é um engano. O terremoto deixou cerca de 60 milhões de toneladas de escombros. Para a retirada, vários organismos internacionais pagam para que a população o faça manualmente. Até porque Porto Príncipe é muito montanhosa, e nas encostas não se passa nem com carrinho de mão. Eles enchem um balde, andam até a rua e jogam ali. À noite, pás carregadeiras tiram aquilo tudo da rua e levam embora. Lá pelas cinco da manhã as pessoas já estão trabalhando, e formam-se as montanhas de novo. A imprensa passa, vê a nova pilha e diz que nada foi retirado.

O que é feito com os escombros?

Estão sendo acumulados em três locais e há vários planos para eles. Um, da ONG Viva Rio, leva máquinas que reciclam esse entulho para usar na reconstrução. Há outro, anterior ao terremoto, de aterrar parte da orla para fazer uma avenida beira-mar. Agora estamos usando os escombros para isso. Já o ferro enferrujado dos escombros, as pessoas cortam para fazer artesanato, cadeiras, mesas, prateleiras. E tudo está sendo quebrado à mão.

A precariedade dos acampamentos facilita epidemias?

As condições de habitação enganam. Muitas daquelas pessoas estão vivendo melhor agora do que antes. O espaço que tem em barracas é maior do que o que tinham em casa. E essa é uma grande dificuldade para realocar as pessoas, porque estão tendo água, comida, habitação, medicamentos, tudo de graça.

Inclusive comendo melhor?

Muito melhor. As doações de alimentos – arroz, feijão, enlatados – diminuíram, mas ainda chegam. Eu inclusive recomendei que não mandassem mais, porque elas dificultam a recuperação da produção local. Os haitianos produzem hortaliças, legumes, leite. Há inclusive uma rede local de cooperativas de pequenos produtores que fornece leite para o Programa Nacional de Cantinas Escolares do Haiti, com apoio do governo brasileiro.

A estimativa de 230 mil mortos no terremoto deve se concretizar?

É um número estimado, porque ainda há uma quantidade imensa de destroços de prédios e certamente tem corpos embaixo. E estima-se que haja 1,3 milhão em abrigos temporários.

O senhor percebeu algum indício de corrupção do governo haitiano em relação às doações recebidas?

Houve, e um relatório da ONU até publicou isso. Eu conheço o presidente René Préval desde antes de ser embaixador e tenho convicção de que a corrupção não está no nível dele. Mas, logo abaixo... é um dos problemas mais graves do país.

Qual foi o momento mais dramático para o senhor desde o terremoto?

Eu estava em Brasília no momento do tremor e cheguei ao Haiti às 18 horas do dia seguinte. Logo pela manhã saí de carro para ver o que estava acontecendo e procurar o primeiro-ministro. Fui aos escritórios, à presidência, e com isso rodei a cidade toda entre cadáveres – alguns sendo queimados, outros não, e escombros que eram uma coisa incrível. Talvez tenha sido o dia mais chocante. Eram dezenas de milhares de cadáveres empilhados nas esquinas. Imediatamente começou o esforço de enterro em valas comuns, respeitando o ritual da Cruz Vermelha, que é de fotografar cada corpo.

De que forma o Brasil participará das eleições do próximo dia 28 de novembro?

O custo das eleições está orçado em US$ 29 milhões, e o Haiti não tem recursos para isso. Já nas eleições de 2006, quem contribuiu foram EUA, União Europeia, Canadá e Brasil (com US$ 500 mil). Nesta, o Haiti está colocando US$ 7 milhões. O resto vem das contribuições, que vão para a compra de materiais, impressão de cédulas, compra de urnas etc.

O que está em jogo?

Eles fariam em fevereiro eleição para um terço do Senado e toda a Câmara, mas devido ao terremoto ela foi agrupada com a presidencial. O presidente Préval não poderá nunca mais concorrer, pois a Constituição haitiana só permite dois mandatos não consecutivos. Há 19 candidatos a presidente. Isso porque se inscreveram 34, mas 15 foram eliminados.

Existe alguma preocupação com instabilidade no período eleitoral?

Não, pelo contrário, surpreendentemente após o terremoto, a agitação que se esperava não aconteceu. O povo se comportou de maneira de um lado resignada, mas também pacífica.

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