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Os alimentos considerados locais hoje são consequência do processo de globalização que marcha a pleno vapor há mais de cinco sé­­culos, desde que Cristóvão Co­­lombo desembarcou na América. De repente, todos os continentes se uniram pela mistura de plantas e animais que haviam se desenvolvido separadamente durante milhões de anos.

O resultado disso, afirma Char­­­­les C. Mann em seu novo e fascinante livro 1493: Uncovering the New World Columbus Created (1493: descobrindo o novo mundo criado por Colombo em tradução li­­vre), foi uma nova era da existência humana, o Antropo­­ce­­­­no nossa era geológica atual, em que a biodiversidade está di­­minuindo e os ecossistemas de todo o mundo estão se tornando semelhantes.

Intercâmbio de Colombo

A era da homogeneidade originou-se da formação de um sistema econômico de abrangência mundial, uma vez que culturas, vermes, parasitas e pessoas viajaram pela Europa, América, Áfri­­ca e Ásia – o intercâmbio de Co­­lom­­bo, assim chamado pelo geó­­grafo Alfred W. Crosby.

Mann escreve que o "intercâmbio de Colombo explica por que há tomates na Itália, laranjas nos Estados Unidos, chocolates na Suí­­­­ça e pimentas na Tailândia. Pa­­ra os ecologistas, o intercâmbio de Colombo é, sem dúvida, o evento mais importante desde a morte dos dinossauros".

As consequências dessa troca foram devastadoras para muitos ecossistemas e para as populações conquistadas pelos europeus. Antes dessa revolução, Pe­­quim era a maior cidade do mun­­do e quase todas as outras grandes ci­­dades ficavam em regiões quentes, fora do continente eu­­ropeu.

Colombo estava procurando uma nova rota para a Ásia porque economias tecnologicamente avançadas prosperavam no continente. O intercâmbio de Colombo transformou as cidades europeias em cidades de rá­­pido crescimento e isso não se deveu apenas à cultura europeia e às ar­­mas de fogo.

Os europeus se so­­bressaíram mu­­dando ecossistemas, muitas ve­­zes inadvertidamente, e es­­­­se fato vem sendo ava­­lia­­do pelos cientistas ape­­nas re­­cen­­te­­men­­te.

As minho­­cas que viajaram jun­­to com os co­­lonizadores ingleses para Jamestown – primeiro assen­­tamento bem-sucedido na América do Norte – destruíram florestas e culturas indígenas. A ilha ca­­ribenha de His­­­­paniola, on­­de hoje es­­tão Repú­­bli­­­­ca Domi­­ni­­ca­­na e Hai­­ti, foi invadida por formigas do gênero So­­le­­nop­­sis com a chegada dos espanhóis. Por todo o continente americano, os colonizadores introduziram organismos que disseminaram epidemias terríveis como malária, febre amarela, varíola e outras doenças.

Benefícios aos europeus

Ao mesmo tempo, a população eu­­ropeia colhia os benefícios nu­­tricionais do intercâmbio de Co­­lombo. A dieta europeia melhorou radicalmente com a introdução das batatas e o que o Mann chama de primeira revolução verde – o amplo uso de fertilizantes, possibilitado pela importação de guano do Peru.

Como sempre ocorre nos intercâmbios, houve vantagens e desvantagens. Na China, a introdução do milho e da batata-doce nas regiões montanhosas forneceu o sustento vital, mas também a erosão que inundou os arrozais. Em um na­­vio que trans­­porta­­va guano pa­­ra Eu­­ropa, provavelmente também estava o or­­ganismo­­ que destruiu as cul­­turas de batata do continente eu­­ro­­peu, levando à "grande fo­­me" que assolou a Ir­­landa nos anos de 1840.

Mann chegou a concordar com as duas faces do debate sobre a globalização.

Segundo o autor, os que se opunham à globalização percebiam corretamente que o comércio gera consequências imprevisíveis e destrutivas para o ambiente e a sociedade, contudo, ela também proporciona o fornecimento de mais e melhores alimentos, me­­lhora a condição de saúde e a longevidade das pessoas, entre outros benefícios que os ricos "locavores" [pessoa interessada em comer alimentos que são produzidos localmente] ocidentais não levam em consideração.

"Existem essas enormes catástrofes que constantemente põem em risco os lucros. Porém, acredito que elas só ameaçam os lucros", afirma Mann. "A lição que podemos tirar da história é que os custos são altos – maiores do que os defensores do livre comércio frequentemente admitem – mas os ganhos são mais altos", afirma.

Resistências

Essa lição sempre contrariou a percepção que tinham os povos de todo o mundo. Assim como os "locavores" da atualidade, os mo­­narcas espanhóis e chineses do século 16 tinham grande receio de se tornar dependentes dos alimentos estrangeiros (embora os governantes sempre fracassassem nas tentativas de restringir o comércio). Os monarcas também se ressentiam em abrir mão de suas culturas, um sentimento que persiste até hoje. "No Brasil, as pessoas ainda falam com amargura do roubo de sementes de seringueira pelos britânicos, que as plantaram na Ásia", afirma Mann. "Os brasileiros irão denunciar essa horrível biopirataria enquanto estão bem à frente de campos de banana e café – plantas originárias da África", acrescenta.

Mann observa que soja e cana-de-açúcar, duas culturas líderes no Brasil, são provenientes da Ásia. Certamente, no século 19, os barões da borracha brasileiros tinham boas razões para se ressentir com a perda do monopólio. Contudo, as sementes transportadas para as plantações da Ásia au­­mentaram o abastecimento mundial de um produto essencial na produção de correias e vedação para máquinas. "De forma alguma a Revolução Industrial poderia ter ocorrido tão rápido e de forma tão abrangente se o mundo contasse apenas com a extração de látex de seringueiras brasileiras", observa Mann.

Na verdade, as plantações da Ásia revelaram-se indispensáveis quando uma praga devastou as árvores brasileiras.

"De um modo geral, há mais ganhadores do que perdedores do intercâmbio de Co­­lombo", concluiu o pesquisador.

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