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Mulher oferece flores a soldado ucraniano na cidade de Kherson, capital regional de onde russos se retiraram na semana passada
Mulher oferece flores a soldado ucraniano na cidade de Kherson, capital regional de onde russos se retiraram na semana passada| Foto: EFE/EPA/OLEG PETRASYUK

Em fevereiro de 2014, a Rússia iniciou sua série de agressões à integridade territorial da Ucrânia, ao ocupar a península da Crimeia, no sul do país.

Essa anexação, assim como a guerra civil deflagrada por separatistas pró-russos no leste no mesmo ano, foi uma resposta à destituição de um governo ucraniano simpático ao Kremlin. Em fevereiro deste ano, a agressão se tornou direta, com a invasão promovida pelo presidente Vladimir Putin à ex-república soviética.

Nos últimos meses, a contraofensiva ucraniana no sul vem dando a esperança de uma virada na guerra. Em outubro, a Rússia sofreu dois golpes importantes, a explosão na ponte da Crimeia e um ataque com drones à sua frota do Mar Negro, que levou a uma suspensão temporária do acordo que tinha assinado com Ucrânia, ONU e Turquia para facilitar a exportação de grãos ucranianos.

Entretanto, o maior revés foi a retirada de tropas russas da cidade de Kherson, na semana passada, até agora o ápice de um movimento de retomada do controle da província por parte da Ucrânia: era a única capital regional que Moscou havia capturado desde o início do conflito deste ano.

“A capacidade da Rússia de sustentar suas forças na margem oeste do rio Dnieper foi colocada sob pressão por ataques ucranianos às suas rotas de reabastecimento”, destacou um relatório da Inteligência Britânica.

“Ao recuar, as forças russas destruíram várias pontes e provavelmente colocaram minas para retardar e atrasar o avanço das forças ucranianas. A perda da margem oeste de Kherson provavelmente impedirá a Rússia de alcançar sua aspiração estratégica de uma ligação terrestre que chegue a Odesa”, acrescentou o comunicado.

Pode haver alguma justiça poética na Rússia estar começando a perder a guerra pelo sul, onde começou a minar a integridade territorial ucraniana há quase nove anos, e o presidente Volodymyr Zelensky destacou em agosto que a Crimeia não foi esquecida.

“Não esqueceremos que a guerra russa contra a Ucrânia começou com a ocupação da Crimeia. Esta guerra russa começou com a Crimeia e deve terminar com a Crimeia - com sua libertação”, garantiu.

Diferenças

Porém, as vitórias em Kherson não significam que Kyiv deve recuperar todas as áreas que perdeu para o Kremlin tão cedo. O analista militar e coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho destacou que a ocupação da Crimeia em 2014 teve uma natureza diferente das outras ações militares da Rússia no sul da Ucrânia neste ano.

A península era cobiçada pela sua posição sobre o Mar Negro, de grande importância para a Rússia pela base aeronaval em Sevastopol e pelo acesso, por meio dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, ao Mediterrâneo – a Rússia tinha dificuldades de chegar aos chamados mares quentes.

“Não há muita relação, então, eles [russos] terem começado pelo sul e a guerra terminar lá. [A invasão] começou pela Crimeia pela importância geoestratégica, lá em 2014. Uma coisa é [a Ucrânia] conquistar [a cidade de] Kherson e talvez até reconquistar toda a província, chegar ao litoral, uma coisa bastante diferente seria uma tentativa de reconquistar a Crimeia”, ressaltou Paulo Filho.

O analista destacou que as tropas da Rússia haviam ultrapassado o rio Dnieper, conquista que é chamada de cabeça de ponte. Porém, é uma posição muito difícil de ser defendida, já que essas tropas precisavam receber toda a logística, de pessoal e suprimentos, pelas pontes sobre o rio, que vinham sendo sistematicamente bombardeadas pelos ucranianos, especialmente a partir do momento em que estes receberam dos Estados Unidos os lançadores múltiplos de foguetes Himars.

“Ficou muito difícil para os russos manterem essa logística, então decidiram recuar para se defenderem do outro lado do rio, onde a defesa deixa mais difícil para os ucranianos atacarem. Agora, a vantagem de colocar o rio entre o defensor e o atacante está com os russos”, afirmou Paulo Filho.

“Foram uma série de reveses para os russos, que mostram uma série de fraquezas, até certo ponto inesperadas, e uma série de êxitos ucranianos, o que aumenta muito o moral da tropa, a disposição para o combate, e dificulta as ideias de celebração da paz nesse momento porque os ucranianos não vão desistir de tentar retomar o máximo de território possível.”

Apesar de Putin estar acuado, Paulo Filho não acredita que a Rússia possa utilizar armas nucleares táticas no sul ucraniano neste momento, por receio de isolamento completo da comunidade internacional. Do lado ucraniano, o especialista destacou que, além de consolidar sua contraofensiva no sul, Kyiv terá um desafio maior: ter êxito também no leste.

“No Donbas, o conflito é mais acirrado. Ele vem desde 2014, com posições defensivas dos dois lados estabelecidas, as tropas dos dois estados rebeldes [Luhansk e Donetsk] são mais experimentadas, conhecem bem o terreno. Eu acho que vai ser uma ofensiva mais difícil para os ucranianos no leste do que no sul, embora em nenhum lugar vá ser fácil”, alertou Paulo Filho.

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