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Casa Branca, sede do governo americano | Pixabay
Casa Branca, sede do governo americano| Foto: Pixabay

Um governo estrangeiro tentou influenciar a corrida presidencial dos EUA para beneficiar um candidato, publicando histórias na mídia americana, trabalhando com um embaixador e instigando o que podemos chamar de conluio com o candidato. Isto aconteceu em 1796 e o réu era a França. Duzentos anos depois, foi a China que tentou influenciar as eleições presidenciais. Mais duas décadas depois e temos a confusão com a Rússia. 

Funcionários de alto escalão do governo Trump anunciaram, no começo do mês, que russos estão tentando interferir nas eleições americanas de 2018, na qual serão escolhidos novos membros do Senado e da Câmara, assim como fizeram com a eleição presidencial de 2016. O governo dos EUA, segundo os funcionários, está agindo por meio de agências para prevenir que a influência russa aconteça novamente. 

O promotor especial Robert Mueller indiciou mais de 20 pessoas e entidades russas envolvidas em cibercrimes, incluindo a disseminação de informações falsas que influenciaram as eleições de 2016. 

Naquela época, assim como agora, não houve evidência de que os votos foram modificados. Em vez disso, os estrangeiros usaram dinheiro e propaganda para influenciar as eleições. "Ter influências estrangeiras nas eleições é a norma, não a exceção", disse Dick Morris, um dos conselheiros políticos do ex-presidente Bill Clinton. 

A União Soviética influenciou as eleições americanas pela primeira vez em 1948, disse Paul Kengor, professor de ciência política do Grove City College. "Os progressistas nunca se incomodaram com a influência russa nas eleições até 2016", ele afirma. "Só se importam agora porque Hillary Clinton perdeu as eleições". 

Segue aqui uma lista de seis momentos importantes em que ocorreram influências estrangeiras nas eleições dos EUA. 

A França e a eleição de 1796 

O governo do presidente George Washington, prestes a terminar seu mandato, queria manter os EUA neutros na guerra entre Grã-Bretanha e França. Porém, o líder do partido democrata-republicano, Thomas Jefferson, era um defensor ávido da França e acreditava que os EUA tinham uma dívida com o país pela ajuda que receberam no processo de independência da Grã-Bretanha.  

O juiz John Jay foi para a Grã-Bretanha para fechar um acordo, ratificado em 1795, alegando a neutralidade dos EUA no conflito e estabelecendo a paz – ainda que temporária – entre os EUA e a Grã-Bretanha. 

 Washington não entrou na corrida por um terceiro mandato, mas seu vice, o federalista John Adams, estava disputando e era favorável à causa britânica.  

O embaixador da França nos EUA, Pierre Auguste Adet, estava entre os funcionários e diplomatas franceses que expressaram seu apoio a Jefferson e atacaram Adams e os federalistas. A operação não era, exatamente, um segredo. 

Thomas Jefferson tinha o apoio da França nas eleições de 1796 White House Historical Association

Adet enviou cartas diplomáticas para o secretário de Estado, Timothy Pickering, pedindo que o tratado feito por Jay fosse cancelado. O diplomata chegou a mandar as cartas para os jornais americanos defendendo sua posição. 

Depois disso, anunciou que a França estava rompendo suas relações com os EUA e que apenas o governo de Jefferson poderia reatá-las. 

Enquanto isso, o aliado de Jefferson, James Monroe – que atuava como embaixador dos EUA na França – também informava governantes e funcionários públicos franceses que as relações entre os países melhorariam se Jefferson fosse presidente. 

De qualquer forma, o plano não funcionou. Adams ganhou de Jefferson por pouco nas eleições de 1796. Jefferson ganharia na revanche em 1800, quando o debate sobre o posicionamento dos EUA em relação à França e à Grã-Bretanha ainda estava vivo.  

Segunda Guerra Mundial e a eleição de 1940  

Alguns dos métodos usados recentemente pelos russos são surpreendentemente similares aos usados por um aliado para interferir nas eleições presidenciais de 1940: criar fake news em jornais e publicar o que se acreditava ser informações secretas. 

O presidente Franklin Roosevelt queria interferir na Segunda Guerra Mundial, mas a população e o Congresso americano,  ainda com lembranças da Primeira Guerra Mundial, tinham pouco interesse no que se parecia na época com o início de qualquer outro conflito europeu. 

O Reino Unido cercado pela Alemanha nazista, pensou que uma das maneiras de conseguir a ajuda dos EUA seria mudar a opinião pública da população americana. "Isto foi literalmente uma questão de mudar a visão majoritária dos EUA quanto ao apoio à guerra", afirma Dick Morris, que escreveu sobre a espionagem britânica nas eleições de 1940 no livro Rogue Spooks. 

A Coordenação de Segurança Britânica, uma organização de fachada da inteligência britânica nos EUA, tinha funcionários dentro do país para realizar espionagens e plantar fake news na mídia americana para mudar a opinião pública, de acordo com informações que eram confidenciais até 1999. 

Algumas das vozes menos críveis da época já faziam alertas. O site Politico publicou em um texto do ano passado: "os comunistas, fascistas e isolacionistas americanos fizeram muitas reclamações em 1940 e 1941, alegando que o Reino Unido estava manipulando secretamente a mídia dos EUA como parte de uma campanha para incentivar a entrada do país na guerra. Estas acusações, negadas seguramente por políticos liberais e tidas por jornais como delírios paranoicos, só eram erradas na maneira que foram compreendidas na época". 

A inteligência britânica se envolveu com campanhas do congresso, chegando inclusive a conduzir vigilâncias eletrônicas ilegais e vazar informações para alguns veículos da mídia para ajudar a derrotar candidatos isolacionistas do país em outubro. 

O governo britânico já ficava numa posição confortável com Roosevelt como presidente, mas queria compensar suas apostas com um oponente republicano favorável aos britânicos. 

Um dos nomes cotados para ganhar uma nominação era o senador Arthur Vandenberg, um declarado isolacionista, de acordo com Morris. Mas, ao invés disso, o partido nomeou um empresário de Nova York que, apesar de carismático, nunca tinha concorrido a nenhum cargo político, depois de um levante de base contra os tradicionais líderes do partido. O candidato, Wendell Willkie, disse: "A primeira linha de defesa dos EUA é a Grã-Bretanha". 

Este desenrolar veio depois que o New York Herald Tribune, então o principal jornal republicano do país, elogiou uma pesquisa “independente” da Market Analysts , que descobriu que três quintos dos delegados da Convenção Nacional Republicana defendiam a assistência de aliados em todas as ações, com exceção de uma guerra.

Porém, o dono da Market Analysts Inc. era Sanford Griffith, um americano que trabalhava para a inteligência americana desde 1930, de acordo com a pesquisa do site Politico. 

Wendell Willkie, surpreendentemente, conseguiu a indicação republicana para concorrer à Casa Branca em 1940

Roosevelt ganhou de lavada em novembro, claro, e teria ganhado facilmente de qualquer forma. O único grande impacto dos britânicos foi a indicação de Willkie, segundo Morris.

E, ainda segundo o autor, tanto Willkie quanto as grandes figuras da mídia sabiam disso. "Willkie e as outras pessoas não viam isso como uma conspiração, mas como uma maneira de salvar a civilização", afirma Morris. 

Mas os britânicos não foram os únicos que tentaram influenciar o resultado das eleições de alguma forma: a Alemanha nazista fez uma tentativa, mas foi bem menos eficiente. Em outubro, os nazistas confiscaram um documento do governo polonês que eles acreditavam que exporia Roosevelt como um "criminoso hipócrita" e "belicista", de acordo com o jornal Washington Post. A embaixada da Alemanha em Washington chantageou um jornal americano para publicar o documento, mas a ação não rendeu muitos frutos. 

1948: Os soviéticos apoiam um partido político  

Em 1948, a URSS estava por trás do Partido Progressista, um terceiro partido cujo candidato à presidência era o ex-vice presidente Henry Wallace. Ele saíra do Partido Democrata por causa da postura militante do presidente Harry Truman durante a Guerra Fria. Truman demitiu Wallace da Secretaria do Comércio. 

"Em 1948, o Partido Progressista era uma extensão direta de Moscou", disse Kengor. 

Henry Wallace foi candidato à Casa Branca pelo Partido Progressista em 1948D.N. Townsend

O próprio Wallace era, sem querer, um fantoche, segundo Kengor. Os detalhes da sua pesquisa estão no livro Dupes: How America's adversaries have manipulated progressives for a century (Como os adversários da América manipularam os progressistas por um século, em tradução livre”). 

A estrutura do partido e a campanha de Wallace foram feitas por vários funcionários soviéticos. "Se não fosse pelos comunistas, não teria nem existido um Partido Progressista", escreveu o jornalista I.F. Stone já naquela época. 

Wallace recebeu cerca de 2% do voto popular e nenhum voto nos colégios eleitorais, ficando em quarto lugar – atrás do presidente Harry Truman, do republicado Thomas Dewey, e do candidato Strom Thurmond, que depois teve uma longa carreira no Senado. 

4. Nixon e a interferência estrangeira em 1960 e 1968 

Enquanto o presidente russo Vladimir Putin nega ter influenciado as eleições americanas, o líder soviético Nikita Kruschev se gabava de ter mudado as eleições presidenciais de 1960, quando John F. Kennedy ganhou de Richard Nixon. 

Em suas memórias, Kruschev afirma ter dito para Kennedy em 1961: "Como você sabe, Sr. Kennedy, nós votamos em você". Ele alega ainda que a resposta de Kennedy foi: "Você está certo. Eu admito que você teve um papel importante nas eleições e deixou seu voto para mim". 

Lider russo Nikita Kruschev se gabava de ter supostamente influenciado a eleição de John Kennedy (foto), em 1960Cecil Stoughton/White House

No meio de 1960, os soviéticos abateram um avião de vigilância americano que sobrevoava a região de Ecaterinenburgo, na Rússia, e capturaram o piloto Francis Gary Powers. Nessa época, Kruschew se opunha a Nixon e ao governo de Eisenhower. O governo soviético decidiu que libertar Powers naquele momento ajudaria na vitória de Nixon. 

"Meus conterrâneos concordaram e nós não libertamos Powers", escreveu Khrushchev. "E descobrimos que fizemos a coisa certa. Kennedy ganhou as eleições com uma margem pequena, menor ainda quando se considera o tamanho dos EUA. Uma pequena mudança para qualquer um dos lados foi decisiva". 

É questionável se a decisão do governo soviético de postergar a libertação do piloto capturado teve realmente esse impacto no resultado das eleições de 1960, disse o historiador Craig Shirley, autor do livro "Reagans rising".  

"Se eu sou um governo de fora, eu posso até querer influenciar o resultado das eleições americanas", disse Shirley. "A questão é se eles realmente afetaram o resultado. O pai de Kennedy (Joe Kennedy) pode ter tido uma influência maior – pedindo votos entre os mortos do cemitério de Illinois – do que os soviéticos". 

Oito anos mais tarde, Nixon concorreu novamente, desta vez enfrentado o então vice-presidente Hubert Humphrey. No que era para ser um furo de reportagem em outubro, véspera das eleições, para alavancar a candidatura de Humphrey, o presidente Lyndon B. Johnson anunciou que o Vietnã do Norte tinha concordado com um cessar-fogo e faria negociações com o Vietnã do Sul. 

Críticos de Nixon, citando documentos, o acusaram de prejudicar as conversas de paz ao manter uma comunicação secreta com o então presidente sul-vietnamita, Nguyen Van Thieu, afirmando que ele teria uma negociação melhor se esperasse para fechar o acordo durante a administração Nixon. Depois disso, o Vietnã do Sul se afastou dos acordos. 

Nixon ganhou de Humphrey por menos de 1% de diferença nos votos populares. 

Gravações em áudio de Johnson registram quando o presidente deposto acusa Nixon de "traição". Porém, historiadores se perguntam se o envolvimento de Nixon teve algum impacto nos resultados e se os norte-vietnamitas estavam levando as negociações a sério. 

Shirley duvida da possibilidade de outro resultado em 1968. "A teoria de esquerda é que democratas não conseguem acreditar que foi sua mensagem ou candidato que perderam as eleições, mas sim algo secreto – nesse caso, o plano secreto de Nixon de ganhar a guerra depois que Johnson parou com os bombardeios", disse Shirley. 

5. Ted Kennedy e os soviéticos 

O senador Ted Kennedy entrou em contato secretamente com líderes soviéticos em dois períodos eleitorais: quanto era candidato à presidência em 1980 e quando participava da campanha na eleição de 1984, de acordo com documentos da KGB da época da Guerra Fria obtidos por Kengor, professor do Grove City College. 

"Ele também fez isso com Carter", disse Kengor, a respeito de Kennedy. Ted Kennedy enfrentou o presidente Jimmy Carter nas primárias para a escolha do candidato democrata em 1980. 

Ted Kennedy tentou a indicação para disputar a presidência em 1980Wkimedia Commons

Segundo os arquivos soviéticos, Kennedy enviou o ex-senador John Tunney para a União Soviética em março de 1980 para iniciar os contatos . Segundo o livro de Kengor, o ex-parlamenta informou os soviéticos que Kennedy apoiava as políticas do líder Leonid Brezhnev e que estava preocupado com a "atmosfera de tensão alimentada por Carter" durante a Guerra Fria.  Os arquivos da KGB descrevem as palavras de Kennedy como aceitáveis. 

 Carter derrotou Kennedy na convenção democrata, mas perdeu de Ronald Reagan nas eleições gerais em novembro. 

 Kennedy teria tentado uma nova aproximação dos soviéticos em 1983, tentando evitar a reeleição de Reagan. Correspondências sobre o tema foram encontradas em fevereiro de 1992 e publicadas pelo jornal britânico The Times com o título "Teddy, a KGB e o arquivo secreto". 

 Kengor revelou o arquivo completo em 2006, no livro "The crusader: Ronald Reagan and the fall of communism (O Cruzado: Ronald Reagan e a Queda do Comunismo)". 

Em uma carta endereçada ao então líder soviético Yuri Andropov, datada de 14 de maio de 1983, Viktor Tchebrikov, diretor da KGB, explicou que Kennedy estava ansioso para "acabar com as políticas militares" de Reagan e minar as chances de reeleição do presidente em 1984. 

 Kennedy supostamente respondeu ajudando o líder soviético a marcar entrevistas com grandes âncoras da TV americana, como Walter Cronkite e Barbara Walters, entre outros. 

 "Ele (Kennedy) se voltava frequentemente para os soviéticos em algumas situações: Kennedy acreditava que Reagan era uma ameaça para a paz e via que a reeleição de Reagan era apenas uma questão de tempo", disse Kengor. 

 Tchebrikov, da KGB, descreveu a proposta de Kennedy da seguinte forma: "Kennedy acredita que, para influenciar os americanos, seria importante organizar em agosto ou setembro deste ano algumas entrevistas de Andropov para a televisão nos EUA. Um contato direto do secretário geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética com a população americana irá, sem dúvidas, atrair muita atenção e interesse por todo o país. O senador está convencido que isso teria uma ressonância máxima porque a televisão é o método mais eficiente de mídia e informação de massa". 

 Andropov morreu naquele mesmo ano e não teve uma chance de atuar de acordo com o plano de Kennedy para as eleições de 1984. O contato de Kennedy e as viagens de Tunney estão documentadas no Centro Woodrow Wilson em Washington. 

Chinagate e a reeleição de Clinton 

Alegações de contribuições internacionais ilegais para a campanha de reeleição de 1996 estão entre os vários escândalos envolvendo o presidente Bill Clinton. 

 O escândalo envolveu uma variedade de personagens, incluindo John Huang, Johnny Chung, Charlie Trie e James Riady, que levantaram dinheiro para o Comitê Democrático Nacional enquanto mantinham contato com o governo na China. Riady, especialmente, tinha relações com a inteligência chinesa, de acordo com descobertas de um relatório do Senado americano feito em 1998. 

Bill Clinton teria recebido apoio chinês na sua campanha à reeleição em 2006Daniel Berehulak/AFP

 Mas é muito provável que o dinheiro não tenha mudado o resultado da eleição de 1996, afirma Shirley. "Não havia um candidato forte unindo o Partido Republicano, e Clinton era um democrata com grande apelo para o centro", explica, se referindo ao candidato republicano Bob Dole. "Milhões de dólares foram passados por debaixo dos tapetes para a campanha". 

 Huang era um dos principais captadores de fundos para o Comitê Democrático Nacional, levando mais de US$ 3,4 milhões para as eleições de 1996. Ele visitou a Casa Branca durante a gestão Clinton mais de 70 vezes. 

 Riady visitou a Casa Branca 20 vezes, incluindo seis encontros com Clinton. Ele também trabalhou no Departamento de Comércio, tinha acesso a informações secretas e se encontrou com membros da embaixada chinesa em Washington pelo menos nove vezes, de acordo com um relatório de 1999. "Era um conluio baseado em dinheiro, que é um jeito mais tradicional de influência", afirma Morris. 

 O relatório de 1999 afirmou que a China tentou alavancar as contribuições da campanha para conseguir roubar informações sobre o avanço nuclear dos EUA. Uma doação de US$ 300 mil foi canalizada pela filha de um general chinês para Chung, com o objetivo de ajudar o pai a obter tecnologias americanas de computadores, mísseis e satélites. 

 Wang Ju, filho do ex-presidente Wang Zhen, estava vinculado a mais de US$ 600 mil de doações ilegais para os democratas. Ele participou de um café com Clinton na Casa Branca, em fevereiro de 1996, e se encontrou com Ron Brown, então secretário de comércio.

Traduzido por Gisele Eberspächer.
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