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População da capital líbia, Trípoli, foi às ruas comemorar quando soube do fim dos combates | Suhaib Salem/Reuters
População da capital líbia, Trípoli, foi às ruas comemorar quando soube do fim dos combates| Foto: Suhaib Salem/Reuters

Extravagância e mão de ferro

Conhecido pelo jeito extravagante de se vestir e por andar acompanhado por guarda-costas mulheres, o coronel Muamar Kadafi era o chefe de Estado não monarca há mais tempo no poder no mundo até a tomada de Trípoli, em agosto passado. Ele se tornou líder da Líbia após depor o rei Idris I, sem um banho de sangue, em 1969, quando tinha apenas 27 anos.

Sua sobrevivência por 42 anos no poder se deveu a uma combinação da mão de ferro que usava contra dissidentes com a habilidade política, que usou para romper o isolamento diplomático que marcou o país após o envolvimento em atentados terroristas.

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Para especialistas, seria melhor um julgamento

As imagens de Muamar Kadafi acuado e morto que circulam por sites e jornais de todo o mundo representam um marco simbólico do fim de um regime de 42 anos. Para o professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (Unicuri­tiba) Andrew Patrik Traumann, se Kadafi fosse mantido vivo e levado a julgamento ele poderia se aproveitar da situação como um "pa­­lanque e tentar fazer a po­­pu­­lação se voltar contra o no­­vo regime".

Traumann recorda que historicamente a execução de chefes de Estado marca o fim de regimes, como ocorreu na França com o rei Luís XVI, que morreu na guilhotina, em 1793, e com o ditador romeno Nicolae Ceau­­cescu, que foi fuzilado em 1989. Ainda assim, o professor do Unicuritiba destaca que a ameaça de reações não é justificativa para a morte do ditador.

Rui Dissenha, professor de Direito Internacional e Direitos Humanos da Universidade Posi­­tivo, argumenta que nos tempos atuais seria mais relevante levar Kadafi a um processo de execração pública. "Teria sido talvez mais interessante apresentar os crimes cometidos por ele, de­­monstrar as violações do regime", argumenta.

Quanto às expectativas de mudanças para o povo líbio, Dis­­senha é cauteloso. "É um marco histórico, encerra um ciclo. Mas vai depender muito do Conselho Nacional de Transição (CNT). Não está certo que a ditadura vai acabar".

O professor de Direito alerta para o risco da instalação de um regime teocrático, que, na opinião dele, seria um retrocesso.

O vice-presidente do Instituto de Cultura Árabe, Mohamed Ha­­bib, diz que agora os países da União Europeia vão apresentar a fatura dos investimentos na Lí­­bia durante a guerra. "Vão levar empresas para re­­construir o país e querer contratos de concessão com empresas petrolíferas, co­­mo os EUA fizeram no Iraque."

Joana Neitsch

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A disputa pelo poder entre os setores bem armados da nova liderança líbia pode se intensificar após a morte do autocrata Muamar Kadafi, segundo a avaliação de estudiosos da política do país norte-africano. Kadafi foi morto nesta quinta-feira (20), em sua cidade natal, Sirte, durante troca de tiros entre seus partidários e tropas do Conselho Nacional de Transição (CNT).

O teste mais importante do CNT, na opinião dos analistas, será administrar as enormes expectativas dos 6 milhões de habitantes, agora libertados definitivamente do receio de que Kadafi poderia algum dia voltar a impor seu do­­mínio.

Repercussão internacional

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"Há uma expectativa enorme no ar. Até agora eles (o CNT) tinham a desculpa de que estavam em guerra. Agora, não têm mais essa desculpa. Tudo precisa acontecer", diz John Hamilton, especialista na Líbia da organização Cross Border Information.

"Isso não será fácil. Eles precisam tomar medidas concretas para a população. Por outro lado, isto (a morte de Kadafi) pode trazer de volta a lua-de-mel que o CNT desfrutou quando Trípoli caiu, se conseguirem montar um governo decente em pouco tempo", acrescenta.

A captura de Sirte e a morte de Kadafi significam que agora o CNT precisa iniciar a tarefa de forjar um novo sistema democrático.

Alguns temem que a instabilidade se prolongue, o que pode atrapalhar esse processo.

"Kadafi agora virou um mártir e, com isso, existe a possibilidade de virar foco de violência tribal – talvez não no futuro imediato, mas em médio e longo prazo", avalia George Joffe, especialista sobre o norte da África da Uni­­versidade Cambridge.

"O fato de que é possível atribuir sua morte à Otan é preocupante, em termos de apoio regional, e pode enfraquecer a legitimidade do Conselho Nacional de Transição", afirma.

Mas as autoridades interinas do CNT também têm pela frente uma tarefa que talvez seja mais crítica: controlar um grupo de milícias armadas anti-Kadafi que vêm competindo – até agora, pacificamente – por participações nas verbas e na representação política na Líbia pós-Kadafi.

O especialista em Líbia Alex Warren, da Frontier MEA, firma de pesquisas e assessoria sobre o Oriente Médio e norte da África, diz que a morte de Kadafi "é sem dúvida um evento significativo, de importância muito maior que a apenas simbólica".

A morte

Kadafi foi morto durante sua captura perto de Sirte, sua cidade-natal. O anúncio foi feito por um membro do CNT, Abdel Hafiz Ghoga. Mais tarde, o primeiro-ministro líbio, Mahmoud Jibril, , anunciou que Kadafi foi atingido na cabeça, em fogo cruzado entre combatentes do governo interino e seus partidários.

"Nós anunciamos ao mundo que Kadafi foi morto pelas mãos da revolução", declarou Ghoga. "É um momento histórico. É o fim da tirania e da ditadura. Kadafi encontrou seu destino", completou.

O ex-ditador teria sido capturado e ferido nas duas pernas nesta quinta-feira, quando tentava fugir em um comboio atacado por caças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "Ele também foi atingido na cabeça", disse a autoridade. "Houve muitos disparos contra seu grupo e ele morreu".

Aboubakr Younès Jaber, ministro da Defesa do regime deposto de Kadafi, também foi morto em Sirte. O médico Abdou Raouf afirmou ter "identificado o corpo de Aboubakr Younès Jaber".

Também nesta quinta-feira os rebeldes anunciaram a tomada de Sirte, cidade-natal do coronel e último foco de resistência de suas tropas.

Um combatente do CNT declarou que ao ser capturado Kadafi gritou: "Não atirem, não atirem."

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Dilma diz que não se pode comemorar a morte de qualquer líder

A presidente Dilma Rousseff afirmou que não é possível comemorar a morte de qualquer líder e que o Brasil deve auxiliar na reconstrução da Líbia em clima de paz. "A Líbia está passando por um processo de transformação democrática. Isso não significa que a gente comemore a morte de qualquer líder que seja", declarou. "O fato de estar em processo democrático é algo que todo mundo deve apoiar, incentivar. O que nós queremos é que os países tenham essa capacidade: viver em paz e democracia".

A presidente ainda afirmou que a forma como o Brasil pode ajudar o país do norte da África é pensar em sua reconstrução em clima de paz. "O Brasil vem dizendo que a agrande questão é a reconstrução. A reconstrução em clima de paz deste país".

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Repercussão internacional

"A guerra acabou", declarou o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi depois de ficar sabendo que Muamar Kadafi havia sido morto. "Sic transit gloria mundi" (Assim passa a glória do mundo)", comentou, em latim, o ex-aliado de Kadafi, durante uma reunião com líderes de seu partido, segundo a imprensa local.

O primeiro-ministro britânico David Cameron destacou que este é "um dia para recordar todas as vítimas" de Muamar Kadafi, que classificou de "ditador brutal". "É um dia para recordar todas as vítimas do coronel Kadafi" (incluindo as que morreram no atentado de Lockerbie, na Escócia, em 1988) e as inúmeras pessoas que morreram nas mãos deste brutal ditador e de seu regime", acrescentou em uma rápida coletiva em sua residência oficial de Downing Street.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que a notícia da morte de Muamar Kadafi marcou uma "histórica transição para a Líbia". "O caminho à frente para a Líbia e seu povo será difícil e cheio de desafios. Agora é o momento de todos os líbios se unirem", afirmou ele na sede das Nações Unidas.

Em comunicado conjunto, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia afirmaram que a morte de Kadafi "marca o fim de uma era de despotismo e repressão". "A Líbia pode hoje virar uma página de sua história e começar um novo futuro democrático", escreveram os órgãos europeus.

A Anistia Internacional também se manifestou nesta quinta-feira, pedindo justiça para todos os envolvidos nos casos de desrespeito de direitos humanos durante o regime de Kadafi. Não se sabe ao certo quantos civis morreram durante seu governo nem durante o levante popular que levou à queda do ditador, mas soldados do CNT encontraram recentemente valas comuns com mais de mil corpos de supostos opositores de Kadafi executados.

Reconstrução

Membros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial que estiveram semana passada no país afirmaram que devem retornar a Trípoli dentro de alguns dias. Segundo o porta-voz do FMI, o objetivo é fornecer ajuda ao país em reconstrução.

Já o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, disse que a morte de Kadafi marca o fim do "reino do medo" na Líbia. "Após 42 anos, o reino do medo do coronel Kadhafi chegou ao fim", declarou. "A Líbia pode pôr um ponto final em um longo e sombrio capítulo de sua história, e virar a página".

Rasmussen fez um apelo para que "todos os líbios deixem de lado suas diferenças e trabalhem juntos para construir um futuro melhor". Ele ressaltou que o CNT deve "evitar qualquer represália contra civis e ser moderado no tratamento reservado às forças pró-Kadhafi derrotadas".

Obama

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que a morte do líder deposto Muamar Kadafi marca "o final de um capítulo longo e doloroso" para os líbios, e pediu às novas autoridades de Trípoli que construam um país "democrático" e "tolerante".

"Hoje, o governo da Líbia anunciou a morte de Muamar Kadafi. Ela marca o fim de um capítulo longo e doloroso para os habitantes da Líbia que têm, a partir de agora, a chance de poder determinar seu próprio destino em uma Líbia nova e democrática", declarou Obama durante um breve discurso na Casa Branca. Obama também alertou os regimes de "mão de ferro" no mundo árabe, afirmando que eles estão prestes a desaparecer.

"Para a região, os eventos de hoje provam mais uma vez que os regimes de mão-de-ferro sempre acabam. Em todo o mundo árabe, cidadãos se levantaram para exigir seus direitos. Os jovens rejeitam com força a ditadura. E esses dirigentes que tentam recusar sua dignidade não conseguirão fazer isso", afirmou Obama durante um breve discurso na Casa Branca.

Vaticano

O Vaticano anunciou nesta quinta-feira que considera o governo interino da Líbia como governante legítimo do país do Magreb, agora que Muamar Kadafi foi morto. O escritório de imprensa do Vaticano disse em comunicado que a morte de Kadafi finaliza uma luta "longa e trágica" para derrubar um regime "cruel e opressivo". O escritório de imprensa do Vaticano disse que a chancelaria da Santa Sé estava em contato com políticos do Conselho Nacional de Transição da Líbia na Embaixada líbia para o Vaticano em Roma e também com representantes do CNT na Organização das Nações Unidas em Nova York.

Hugo ChávezO presidente da Venezuela, Hugo Chávez, expressou descontentamento com a morte de Kadafi, chamando o ocorrido de "ofensa" e dizendo que o líder líbio deposto foi um "mártir". "Infelizmente a morte de Kadafi foi confirmada", disse Chávez. "Eles o assassinaram, é outro ultraje. Devemos lembrá-lo como um grande lutador, um revolucionário e um mártir".

Chávez tem defendido Kadafi desde o começo da revolta contra o regime dele em fevereiro e acusou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de usar o conflito para controlar o petróleo da Líbia. "A coisa mais triste é que, em sua tentativa de dominar o mundo, o império e seus aliados estão fazendo isso com fogo", disse Chávez se referindo aos Estados Unidos. O presidente venezuelano se recusou a reconhecer o novo regime líbio e ridicularizou o novo representante do país na ONU como "marionete" e "boneco".

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Fuga

Kadafi estava desaparecido desde que o CNT assumiu o comando da capital Trípoli e das principais cidades líbias. A mulher do líder líbio e três de seis filhos pediram abrigo ao governo do Níger.

Em setembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI) pediu que a Interpol, a polícia internacional, capturasse Kadafi e seus aliados. Em março, o tribunal anunciou que o presidente líbio e seus colaboradores seriam julgados por crime contra a humanidade, como violação aos direitos humanos, assassinatos e estupros.

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Vídeo mostra Kadafi ainda vivo depois de capturado

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Vídeo divulgado pela TV Al Jazeera mostra Kadafi ferido

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