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Cena do filme Capitão Phillips, que recria sequestro feito por piratas somalis em um navio norte-americano em 2008 | Divulgação
Cena do filme Capitão Phillips, que recria sequestro feito por piratas somalis em um navio norte-americano em 2008| Foto: Divulgação

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Crime não é tipificado em muitos países

A pirataria marítima parece um crime obsoleto, coisa do passado, com histórias românticas de aventuras pelos mares. Contudo, a pirataria ainda existe e é um maiores perigos que a navegação marítima enfrenta na atualidade.

O termo pirataria vem do grego peirates e significa "o que vai à procura de aventuras". Estendendo o conceito, seria "o ladrão do mar". No direito, pirataria é "todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometida, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados." (Art. 101 da Convenção sobre Direito do Mar).

Deste modo, a pirataria é entendida como um crime internacional, sendo inclusive classificada como uma norma de natureza Ius Cogens (imperativas do direito internacional). Ainda, a pirataria é um dos poucos crimes que se submete à chamada jurisdição universal, isto é, qualquer país pode capturar piratas em alto mar e julgá-los.

O problema é que, por ser entendido como um crime do passado, muitos ordenamentos jurídicos nacionais não possuem o tipo penal de pirataria. Parece um absurdo, porém, se o Brasil apreender um pirata, não poderá condená-lo, pois no país não existe a tipificação penal de tal crime. O fato ocorreu com Portugal em 2008, quando a Marinha apreendeu piratas somalis, mas os teve que liberar, uma vez que tal crime não existia em seu ordenamento jurídico interno.

Tiago Vinicius Zanella, advogado e professor de Direito Marítimo

Indonésia tem maior incidência de ataques

O principal e mais antigo palco da ação dos piratas é a Indonésia, onde já foram registrados 83 ataques em 2013. Desde o período da Guerra Fria, criminosos roubavam cargas e sequestravam embarcações na região, especialmente no Estreito de Málaca, que liga o país à Índia e à China. Bangladesh e Malásia são outros países bastante visados pelos piratas.

Outra região que se tornou recentemente alvo de pirataria é o Golfo da Guiné, onde está a Nigéria. O país é o segundo com mais ataques piratas no ano, 30 ao todo. Segundo a professora Daiana Seabra, o local é visado por suas reservas de petróleo. Os piratas nigerianos costumam atacar para roubar o produto e vendê-lo no mercado negro.

Histórias de piratas sempre tiveram um ar de romantismo. De Capitão Gancho a Jack Sparrow, os personagens celebrizados pelo cinema e pela literatura fizeram da pirataria uma atividade carismática, ainda que de vilania. No século 21, os piratas da vida real nada têm de românticos ou carismáticos. Ao invés de tapa-olhos e pernas de pau, andam armados com fuzis e buscam tesouros em grandes companhias marítimas, obrigadas a pagar resgates milionários para ter suas embarcações e tripulações de volta. Apesar de os registros estarem em queda, a pirataria ainda preocupa: em 2013 já foram contabilizados mais de 200 ataques em diversas regiões do planeta.

INFOGRÁFICO: Veja onde acontece o maior número de ataques de piratas

A pirataria nos mares é o tema do filme Capitão Phillips, em cartaz desde a última sexta-feira. Baseado no livro Dever de Capitão, relata o drama vivido por Richard Phillips, capitão de um navio mercante que em 2008 ficou quatro dias em poder de piratas somalis. Torturado pelos criminosos, Phillips foi libertado após uma ação da Marinha americana.

Segundo o International Maritime Bureau (IMB), que monitora os casos de pirataria no mundo, até a última semana haviam sido registrados 221 ataques.

Até setembro eles somavam 188, número inferior ao mesmo período de 2012, quando ocorreram 233 ações de piratas. A quantidade de vítimas também caiu. Ao todo, 458 tripulantes foram feitos reféns nesse período, enquanto nos nove primeiros meses deste ano foram 266. Uma pessoa morreu, durante ataque a um navio na Nigéria em outubro.

Apesar de as estatísticas apontarem para o enfraquecimento da pirataria, o diretor do IMB, Pottengal Mukundan, diz que é preciso se manter alerta. "Apesar de o número de ataques estar em queda, a ameaça continua, especialmente nas águas da Somália e no Golfo da Guiné. É fundamental que os comandantes dos navios continuem vigilantes ao transitarem por essas águas", afirma em texto publicado no site da instituição.

Segundo Daiana Sea-bra Venancio, professora de Direito do Mar da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o ressurgimento da pirataria no século 21 se ampara em dois fatores principais: a instabilidade política e o aumento no fluxo de embarcações. Para ela, o reforço na segurança não é suficiente para acabar com a ação dos piratas. "Os ataques somente irão desaparecer ou reduzir drasticamente quando os países se desenvolverem, alcançarem uma estabilidade econômica e política e, por fim, adquirirem meios que permitam fazer a patrulha eficiente da costa", pondera.

Pirataria se consolidou na Somália

Durante muito tempo, a costa da Somália foi o principal palco da ação dos piratas. Os problemas políticos e a desestruturação do país fizeram com que muitos somalis buscassem nessa atividade criminosa sua fonte de subsistência. "Muitos dos atuais piratas são ex-pescadores que viram na pirataria uma chance de ganhar dinheiro e status dentro da sociedade local. Na verdade, os piratas somalis são homens que não têm nada a perder", afirma Daiana Seabra Venancio, professora da UERJ.

Daiana explica que a Somália afundou em uma guerra civil em 1991, sofrendo um desmonte na sua estrutura de Estado. Durante esse período, diversos países praticaram pesca predatória na costa e o mar somali foi utilizado clandestinamente como depósito de lixo tóxico e radioativo. "Isso esgotou os recursos pesqueiros da Somália, contaminou as pessoas e tornou a situação de miséria ainda pior", aponta.

Em seu livro Dever de Capitão, Richard Phillips relata que, em 2008, quando foi atacado pelos somalis, os piratas estavam investindo contra qualquer embarcação que se aproximasse do Chifre da África. Eles usavam lanchas rápidas para se aproximar dos navios, dispunham de armas automáticas e lança-granadas e tinham a reputação de serem impiedosos. Sua tática era dominar as tripulações e cobrar resgate das companhias. "Era como um leão e uma manada de gnus numa planície africana. Tínhamos a esperança de que nossos números nos protegessem, porque, se o leão pegasse alguém, seria muito, muito ruim", diz Phillips no livro.

Em queda

A partir de 2011, com a reestruturação do país e a intensificação da segurança na costa, os ataques de piratas somalis diminuíram. O que não quer dizer que o risco esteja afastado. "O papel vital das marinhas na costa da Somália não deve ser subestimado. Sua presença garante que os piratas não vão operar com a impunidade que tinham anteriormente", diz Pottengal Mukundan, diretor do International Maritime Bureau.

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