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Logomarca da Cidade do Cabo – o contorno da Montanha da Mesa sobrepondo um arco-íris – enfatiza a sua mistura histórica de raças e culturas | Euroluftbild.de/Reuters
Logomarca da Cidade do Cabo – o contorno da Montanha da Mesa sobrepondo um arco-íris – enfatiza a sua mistura histórica de raças e culturas| Foto: Euroluftbild.de/Reuters

História

Barreiras raciais eram menos rígidas durante os séculos 17 e 18

É difícil conciliar a profunda segregação racial da Cidade do Cabo moderna e o seu histórico como um dos maiores caldeirões culturais do mundo. No século 17, a Companhia das Índias Orientais, da Holanda, trouxe escravos e prisioneiros de Moçambique e Madagascar, assim como da Índia e da Indonésia, para a África do Sul. Os grupos se casaram entre si. O sangue branco inevitavelmente também entrou na mistura de genes.

Segundo historiadores, durante os séculos 17 e 18, as barreiras raciais existiam, mas eram menos rígidas.

"A pigmentação não era uma barreira absoluta para alguém que quisesse subir na vida", disse Vivian Bickford-Smith, historiadora da Universidade da Cidade do Cabo. "Havia um ditado: ‘O dinheiro embranquece’."

Um dos primeiros governadores do Cabo, Simon van der Stel, era miscigenado.

Porém, no final do século 19, atitudes pseudocientíficas sobre raça haviam entrado em voga, junto com uma ideologia popular sobre a hierarquia das raças, na qual os negros africanos ficavam em último lugar.

Quando o Partido Nacional assumiu o poder em 1948 e declarou sua nova política de apartheid, a separação entre as raças foi oficializada. Pessoas que viviam em bairros misturados, como o District 6, perto do centro da cidade, foram forçadas a deixar suas casas e se mudar para cidades e "townships" distantes e segregadas em Cape Flats, longe da cidade.

As tensões raciais aumentaram à medida que pessoas "de cor" começaram a receber tratamento preferencial, uma estratégia criada para dividir as minorias e aumentar o poder dos governantes.

  • Discriminação que os sul-africanos afirmam vivenciar é mais sutil do que no apartheid

Para uma quantidade incontável de turistas, a Cidade do Cabo é um símbolo inegável da beleza e do potencial da África do Sul pós-apartheid. Além das suas lindas paisagens e seus ótimos vinhos, a própria logomarca da cidade – o contorno da majestosa Montanha da Mesa sobrepondo um arco-íris – enfatiza a sua histórica mistura de raças e culturas, e o seu morador mais famoso, Desmond Tutu, é reverenciado como um símbolo de tolerância, inclusão e perdão.

No entanto, para muitos sul-africanos negros, a cidade representa algo muito diferente: o último bastião do reinado branco.

"Não importa o quão famoso ou rico você é, você continuará sendo um cidadão de segunda categoria se for um negro na Cidade do Cabo", escreveu a cantora e artista performática Lindiwe Suttle em sua conta de Twitter, em um desafio a Helen Zille, a líder branca do partido que governa a cidade.

Depois que a postagem gerou uma onda de apoio de celebridades negras e outras pessoas dentro do mundo do microblog Twitter, Zille rebateu a crítica: "Quanta baboseira".

O embate deu início a um momento de questionamento nesta cidade de 3,5 milhões de habitantes no extremo sul da África: será que o célebre arco-íris da nação termina onde a montanha encontra o mar?

Esta é a única grande metrópole da África do Sul onde os negros não são a maioria, e a cidade continua muito dividida. O legado especialmente violento da maneira como o apartheid foi imposto na cidade deixou cicatrizes profundas, que ainda demarcam a geografia local: brancos no centro da cidade e nos seus subúrbios internos nas encostas das montanhas, pessoas de outras cores nas distantes "townships" e em Cape Flats.

As políticas do apartheid efetivamente proibiam que os negros morassem ou até trabalhassem na cidade, dando às pessoas consideradas "de cor", ou miscigenadas, que hoje representam o maior grupo étnico da cidade, prioridade sobre os negros em relação a empregos e moradia.

Além da história, há a política atual da cidade. O Cabo Ocidental é a única província do país que não é governada pelo Congresso Nacional Africano. A província é governada pela Aliança Democrática, de Zille, que surgiu de um movimento antiapartheid de brancos, mas que acabou incluindo antigos membros do Partido Nacional, que criou o apartheid.

O Congresso Nacional Africano está tentando conquistar a província, e a Aliança Democrática tem rejeitado as afirmações de que a Cidade do Cabo é racista, afirmando que elas não passam de estratégia política.

"A cidade é considerada racista pelo Congresso Nacional Africano porque é a única metrópole do país que eles não controlam", disse Patricia de Lille, prefeita da Cidade do Cabo.

A prefeitura da cidade está tentando mudar o que de Lille chama de "desenvolvimento espacial do apartheid". Duas importantes avenidas foram rebatizadas em homenagem a Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, e Helen Suzman, uma mulher branca que se opôs fervorosamente ao apartheid. As duas ruas se cruzam no centro da cidade, em uma esquina cujo propósito é simbolizar a esperança da integração.

No entanto, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade da Cidade do Cabo, em dezembro de 2010, concluiu que moradores negros encontravam poucas oportunidades de negócios na Cidade do Cabo, e que as empresas tinham dificuldades em recrutá-los e mantê-los. O estudo concluiu que, no Cabo Ocidental, "os africanos quase sempre são menos bem-sucedidos que os brancos em melhorar suas carreiras, criando um efeito de ‘barreira invisível’".

A discriminação que os sul-africanos afirmam vivenciar não é a mesma discriminação de punho de ferro da era do apartheid. Ela é mais sutil, e às vezes difícil de identificar.

Alguns afirmam que já foram informados de que não havia mesas livres em restaurantes vazios, ou que não havia carros disponíveis em locadoras de automóveis cheias de veículos.

Em uma cidade onde as desigualdades econômicas são enormes, a classe, de certa maneira, virou um substituto para a raça.

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