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Mulher reza num memorial feito em homenagem às vítimas do naufrágio da balsa Sewol | Kim Hong-Ji/Reuters
Mulher reza num memorial feito em homenagem às vítimas do naufrágio da balsa Sewol| Foto: Kim Hong-Ji/Reuters

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Capitães têm de afundar com navios?

Irinêo Baptista Netto, editor de Mundo

Não. Não é que um capitão deva afundar com o navio. A ideia de que ele tem de ser o último a abandonar a embarcação existe porque, na prática, sendo a maior autoridade a bordo, o capitão é responsável pela segurança de todos os passageiros e tripulantes. Ele tem a obrigação de coordenar os trabalhos de salvamento – ajudando todos a deixar o navio.

A explicação foi dada por um dos consultores da CNN, o capitão James Staples, citado em reportagem de Jethro Mullen.

Dois desastres marítimos recentes tiveram capitães abandonadores (embora um deles negue isso): Francesco Schettino, do Costa Concordia (ele diz ter caído num bote salva-vidas enquanto o navio emborcava), na Itália, e Lee Joon-seok, da balsa Sewol, na Coreia do Sul.

A coincidência gerou várias especulações sobre a ausência de homens honrados nos mares do século 21. A presidente sul-coreana Park Geun-hye chegou a comparar o abandono de Lee a assassinato.

Quando se fala em honra no mar, o episódio histórico sempre lembrado – citado também por Mullen – é o do navio britânico HMS Birkenhead, que afundou na costa sul-africana em 1852 com 643 pessoas a bordo – menos de um terço delas sobreviveu. Todos os homens conduziram primeiro mulheres e crianças para os botes salva-vidas. A história teria dado origem ao ato de priorizar o salvamento de mulheres e crianças em situações de risco.

Até o Fim (2013), com Robert Redford, não é inspirado em fatos. O filme é centrado num homem que lida com um barco que corre o risco de afundar. A provação vivida por ele é um exemplo da honra de um capitão. Um exemplo que fica paradoxalmente mais sólido porque ele não tem tripulação nem passageiros. É só ele e o barco.

476 pessoas viajavam na embarcação Sewol, a maioria estudantes de 16 e 17 anos. Desde a tragédia, mais de cem corpos ainda estão desaparecidos, o que eleva virtualmente o número de mortos a 302. O naufrágio se compara cada vez mais com um ocorrido em 1993 com quase 300 mortos e que suscitou uma tempestade política no país.

O luto da Coreia do Sul pelos mais de 300 mortos no naufrágio da embarcação Sewol se desvanece à medida que a sociedade procura culpados, com a presidente no ponto de mira, em um país que sente falhas apesar de seu forte desenvolvimento econômico.

A recente renúncia do primeiro-ministro Chung Hong-won, entre fortes críticas ao Executivo por seu desastroso papel na tragédia causada por uma cadeia de despropósitos, não parece suficiente para um país desolado e indignado, que passou a apontar diretamente para sua chefe de Estado, Park Geun-hye.

Park, que aceitou e encorajou a renúncia de seu primeiro-ministro, é cada vez mais criticada por descarregar a responsabilidade em outras pessoas desde dias posteriores ao fato, nos quais apontou diretamente o capitão como culpado, comparando sua conduta com a de um "assassino".

Ahn Cheol-soo, co-líder do principal partido opositor Nova Aliança Política e um dos políticos mais respeitados do país, afirmou ontem que a presidente é uma "covarde que mostra sua responsabilidade" ao entregar a cabeça do primeiro-ministro e nem sequer pede desculpas aos cidadãos.

Tanto os meios de comunicação como os familiares das vítimas acham que o governo reagiu ao acidente tardiamente e sem coordenação, o que impediu o salvamento de mais vidas. Eles também acusam Seul de não ter feito os suficientes esforços nos trabalhos de resgate durante os primeiros dias.

Além disso, para grande parte da sociedade sul-coreana, o naufrágio evidenciou o mau funcionamento do novo sistema de prevenção e resposta a desastres instaurado por Park após sua chegada ao poder, há pouco mais de um ano, em cumprimento a uma de suas promessas eleitorais.

Vídeo

A guarda costeira sul-coreana divulgou um vídeo que mostra o capitão da balsa, sem calças, fugindo enquanto centenas de pessoas permaneciam no interior da embarcação. Todos os 15 tripulantes do navio responsáveis pela saída dos passageiros estão detidos e enfrentam acusações como negligência e abandono de passageiros.

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