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 | Tim Robinson
| Foto: Tim Robinson

Pode parecer leviano dizer que muitos casos de câncer são causados por má sorte, mas é isso que sugerem dois cientistas em um artigo publicado recentemente no periódico "Science". A má sorte acontece em forma de erros genéticos aleatórios, ou mutações, que ocorrem quando células saudáveis se dividem.

Mutações fortuitas podem ser responsáveis por dois terços do risco de contrair muitos tipos de câncer, ao passo que os suspeitos habituais —fatores hereditários e ambientais— perfazem apenas um terço, dizem os autores, Cristian Tomasetti e Bert Vogelstein, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland.

Embora eles suspeitassem que o acaso tivesse papel no surgimento da doença, os pesquisadores ficaram surpresos ao constatar o quanto ele era influente. "Certamente foi além das minhas expectativas", comentou Tomasetti.

Fumar aumenta muito o risco de câncer de pulmão, mas as causas de outros cânceres não são evidentes. Mesmo assim, muitos pacientes se perguntam se fizeram algo para contrair a doença ou se poderiam ter feito algo para evitá-la. "Acho que essa é uma boa notícia para o paciente comum de câncer", disse Tomasetti. "De certa forma, é reconfortante saber que, acima de tudo, a doença pode se dever apenas à má sorte."

Vogelstein disse que ficou obcecado com a questão da casualidade desde que era residente e sua primeira paciente foi uma menina de quatro anos que tinha leucemia. Seus pais estavam inconsoláveis e queriam saber o que havia causado a doença.

Ele não tinha uma resposta precisa, mas constantemente ouvia a mesma pergunta de pacientes e suas famílias, sobretudo de pais de crianças com câncer. "Eles achavam que haviam transmitido um gene ruim para os filhos ou lhes dado alimentos inadequados", relatou. "Essas suposições eram infundadas, mas os faziam se sentir muito culpados."

Para Tomasetti e Vogelstein, a descoberta significa que a prevenção do câncer pode ser inviável e que deveria haver mais ênfase no desenvolvimento de testes acurados para detectar cânceres logo no início e assim tentar curá-los. "Como o câncer deixa sinais de sua presença, basicamente só precisamos ser mais perspicazes para descobri-los", afirmou Tomasetti.

Sua conclusão se baseia em um modelo estatístico que eles desenvolveram usando dados na literatura médica sobre taxas de divisão de células em 31 tipos de tecido. Eles analisaram especificamente células-tronco, que são uma pequena população especializada em cada órgão ou tecido que se divide para fornecer substitutos para células desgastadas.

As células que se dividem precisam fazer cópias de seu DNA, e erros no processo podem desencadear o crescimento descontrolado que leva ao câncer.

Os pesquisadores queriam saber se taxas mais altas de divisão de células-tronco podem aumentar o risco de câncer meramente por dar mais chances para erros.

A análise não incluiu cânceres de mama ou próstata, pois não havia dados suficientes sobre taxas de divisão de células-tronco nesses tecidos.

Um ponto de partida para a pesquisa foi uma observação feita há mais de cem anos, porém jamais explicada a fundo: alguns tecidos são muito mais propensos ao câncer do que outros. No intestino grosso, por exemplo, o risco de câncer ao longo da vida é de 4,8% —24 vezes mais alto do que no intestino delgado, no qual a chance cai para 0,2%.

Os cientistas descobriram que o intestino grosso tem muito mais células-tronco do que o intestino delgado, e que elas se dividem com mais frequência: 73 vezes por ano, contra 24 vezes no outro caso. Em muitos outros tecidos, as taxas de divisão de células-tronco também tinham grande correlação com o risco de câncer.

Alguns cânceres, incluindo certos cânceres de pulmão e pele, são mais comuns do que se poderia esperar com base em suas taxas de divisão de células-tronco —o que corrobora a propalada importância de fatores ambientais como fumar e exposição ao sol nessas doenças. Outros mais comuns do que o esperado eram ligados a genes que causam câncer. Segundo Tomasetti, "na realidade, há uma combinação de fatores herdados, meio ambiente e acaso".

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