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Vinte e sete anjos de madeira colocados perto da escola de Sandy Hook, em memória aos mortos em Newtown: 20 crianças, 6 adultos e o assassino | Mike Segar/Reuters
Vinte e sete anjos de madeira colocados perto da escola de Sandy Hook, em memória aos mortos em Newtown: 20 crianças, 6 adultos e o assassino| Foto: Mike Segar/Reuters

Orientação

Como falar com as crianças sobre o tiroteio de Newtown

The New York Times

Primeiro, descubra o que é que elas já sabem. Dê ouvidos aos temores delas. Desminta os boatos. Seja honesto e compartilhe tantos detalhes quanto a criança for capaz de suportar.

Os terapeutas que tratam de traumas na infância afirmaram na sexta-feira que os pais, ao falarem com seus filhos sobre o tiroteio, devem fazer isso logo e se referindo diretamente às notícias, permitindo que as crianças comecem o diálogo, com suas perguntas e preocupações. Os pais não podem mais controlar às informações às quais seus filhos têm acesso simplesmente desligando a televisão. Muitas crianças já saberão o que está acontecendo, graças a aparelhos de telefonia móvel e mídias sociais; agora, segundo os especialistas, é a hora de desligar esses aparelhos.

Robert H. Abramovitz, psiquiatra infantil da Faculdade de Hunter, disse que os pais, às vezes, por estarem muito ávidos em transmitir segurança aos filhos, fazem promessas que não podem cumprir como "isso nunca acontecerá com você". "É melhor validar o medo da criança, afirmar que é natural que ela se sinta assim e dizer ‘eu vou fazer tudo que posso para lhe manter a salvo’", ele disse.

E é importante também reforçar as habilidades de superação que a criança pode já ter utilizado. Abramovitz sugeriu perguntar, "Lembra daquela vez em que você sentiu medo? Lembra do que você fez para se acalmar?". Segundo ele, "isso dá à criança uma sensação de ter alguma capacidade de ação, algum controle".

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Em 20 de abril de 1999, Crystal Woodman, 16 anos, estudava para uma prova na biblioteca da escola de Columbine, quando Dylan Klebold e Eric Harris entraram e começaram a atirar. Durante 7 minutos e meio, ela ficou escondida ouvindo os gritos, os tiros e os risos dos dois adolescentes.

"Eu pensei, ‘Eu não vou conseguir sair daqui viva’. Tenho 16 anos e estou diante da morte", disse a jovem, agora Crystal Woodman Miller, numa entrevista por telefone, de sua casa, em Morrison, no estado de Colorado, a 24 quilômetros de Columbine.

Quando os dois atiradores saíram da biblioteca para buscar mais munição, ela conseguiu fugir, sem sofrer nenhum ferimento físico. Mas o estado emocional em que ela ficou depois era debilitante. "Eu tive pesadelos a noite toda, todas as noites, durante 2 anos", disse Crystal, agora com 30 anos. "Eu vivia um paradoxo: queria me aproximar das pessoas e não queria ninguém perto de mim".

Como muitas vítimas de traumas, ela se via procurando saídas e formulando planos de fuga sempre que entrava em um lugar novo.

Para crianças e jovens expostos a traumas armados – como os alunos da escola primária de Sandy Hook em Newtown, Connecticut –, o caminho para a recuperação pode ser longo e tortuoso, marcado por ansiedade, pesadelos, problemas escolares e até abuso de drogas.

Segundo psiquiatras, ao presenciar cenas de violência letal, a sensação de segurança da criança é destruída, deixando um conjunto de desafios emocionais e sociais que não são fáceis de se resolver. A boa notícia é que, com certeza, a maioria dessas crianças vai se recuperar.

"Mesmo nessa idade, as crianças são muito fortes", disse Glenn Saxe, presidente da ala psiquiátrica para crianças e adolescentes do Centro Médico da Universidade de Nova York. "Os dados mostram que a maioria das pessoas consegue ficar bem após um trauma, o que inclui tiroteios em escolas."

Hoje, Crystal descreve a si mesma como livre dos pesadelos e da depressão que a assombraram nos meses após o tiroteio.

"Eu jamais serei a mesma", ela disse, "mas uma hora eu me dei conta de que podia escolher ser uma pessoa amargurada, nervosa e cheia de ódio ou podia escolher perdoar e viver minha vida apesar do que aconteceu".

Os fatores que determinam a recuperação de uma criança após um trauma variam de pessoais a ambientais. Os psiquiatras dizem que ter o apoio da família ajuda. E a resistência natural – a probabilidade das pessoas de ser capaz de processar verbalmente seus sentimentos ou de ter uma atitude positiva em relação ao futuro – tem um papel importante também.

Crianças pequenas expostas a traumas com frequência regridem, voltando a balbuciar como bebês ou a ter hábitos que já haviam abandonado, como o de carregar um cobertor favorito.

Um dos motivos pelos quais as pessoas superestimam os danos psicológicos que uma criança é capaz de suportar após um tiroteio na escola é que elas subestimam o quanto traumas na infância são comuns.

Num estudo de 1997 com adolescentes de 12 a 17 anos, conduzido pela Universidade Médica da Carolina do Sul, 8% relataram ter passado por um abuso sexual, 17% relataram ter sofrido agressão física e 39% relataram ter testemunhado cenas reais de violência.

"De certo modo, o trauma faz parte do pacote de ser humano", disse Saxe. "A maioria de nós é capaz de se lembrar de pelo menos uma experiência em que houve uma grande ameaça à nossa segurança. A maioria das pessoas consegue usar isso para superar o trauma e dar um jeito de seguir em frente depois".

Tradução de Adriano Scandolara.

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